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A evolução do sistema de motivação da indústria: acionistas, executivos e operários

4 EM BUSCA DE UMA ABORDAGEM INSTITUCIONALISTA ALTERNATIVA

4.2 A TECNOESTRUTURA EM VEBLEN E GALBRAITH

4.2.1 A evolução do sistema de motivação da indústria: acionistas, executivos e operários

Diante do que se discutiu até então, pode-se afirmar que os processos realizados dentro das organizações produtivas se desdobram a partir de indivíduos dotados de propensões e

hábitos, sendo estes de cunho pecuniários e/ou industriais. O modo como estas inclinações se articulam permite compreender a essência da dinâmica empresarial, associada ao sistema de motivação, como também a sua evolução. Partindo destas considerações, os escritos de Veblen e Galbraith explicam os desdobramentos da estrutura produtiva a partir da Revolução Industrial. Conforme Veblen (1921), no início da Revolução Industrial, também chamado pelo autor de Era das Máquinas, as indústrias eram comandadas pelos “capitães da indústria”. Estes agentes controlavam todas as decisões, tanto financeiras quanto técnicas, podendo dizer que as ações destes eram dominadas tanto pela propensão para a emulação pecuniária quanto pelo instinto para o trabalho eficaz. Já pelo lado dos trabalhadores, de acordo com Galbraith (1982), neste estágio de desenvolvimento do capitalismo o trabalho era motivado, em grande medida, pela compulsão e, em menor grau, pela remuneração pecuniária.

No geral, pouco espaço era dado para que os trabalhadores se identificassem com os objetivos das firmas. Suas atividades eram tediosas e pouco interessantes, e os esforços eram para angariar lucros para os donos do capital (GALBRAITH, 1982). Desta forma, na primeira fase do capitalismo, o padrão de comportamento pecuniário dominava a mente de todos os indivíduos7, enquanto que as propensões e hábitos de cunho industrial eram realizados apenas

pelos proprietários dos meios de produção, e por uma ínfima parcela de engenheiros e técnicos que auxiliavam na instalação e manutenção das máquinas. Reitera-se a presença do instinto para o artesanato na mentalidade dos capitalistas, juntamente com a emulação predatória, pois estes assumiam a responsabilidade por todas as decisões, de maneira que as atenções eram divididas entre os assuntos produtivos e financeiros (VEBLEN, 1921).

Com o aumento da escala de produção e da complexidade dos processos industriais, os métodos de gerenciamento dos negócios mudaram. O mesmo ocorreu com a configuração do sistema de motivação. Segundo Veblen (1921), as transformações na estrutura produtiva dificultaram o método de gerenciamento dos “capitães da indústria”. Quando a escala de produção era pequena, os “capitães da indústria” conseguiam dominar tanto os assuntos financeiros quanto técnicos, mas com a ampliação dos negócios e das transformações tecnológicas o resultado foi que estes agentes não conseguiram mais tomar conta de tudo. O que ocorreu, portanto, foi um movimento de ramificação e aumento de pessoal na área de gerenciamento. Assim, formou-se um grupo de gerentes em que uma parcela do corpo gerencial se especializou nos assuntos de finanças corporativas, enquanto que a outra parte aprofundou nas questões técnicas da indústria.

7 As propensões pecuniárias também estão associadas com a motivação da compulsão, pois o desejo de acumular

Para Galbraith (1982), esse processo de crescimento e especialização de funções no gerenciamento da produção implicou na formação da tecnoestrutura. Isto acarretou no aumento de classes de agentes econômicos ligados à firma. Se antes existia apenas os capitães da indústria e os operários, agora há ao menos quatro grupos principais: os acionistas, a alta administração, os gerentes de divisões e departamentos e, por fim, o proletário.

Cada grupo é movido por um tipo distinto de motivação. Os acionistas comuns são os que menos se identificam com a organização, de modo que a motivação que os ligam à empresa é essencialmente pecuniária. Seu único interesse é na margem de retorno que a parcela da propriedade de sua posse lhe entregará. Assim, o que se verifica é uma falta de lealdade com os objetivos não pecuniários da empresa, de maneira que, “se pode obter mais renda ou ganho de capital com igual segurança algures, vende-a ou a investe em outra parte” (GALBRAITH, 1982, p. 118).

Em seguida, os próximos na escala de identificação com as atividades industriais são os operários de produção. Conforme Galbraith (1982), a motivação que os move é um mix entre a compensação pecuniária e a identificação, sendo maior a primeira. Como os empregos nesta área remetem a práticas cansativas e entediantes, é de se esperar que os indivíduos os façam apenas pela remuneração. Em linha com a teoria dos instintos de Veblen, a motivação da remuneração estará atrelada tanto aos instintos de sobrevivência quanto ao da emulação. O salário recebido, além de possibilitar a manutenção das condições necessárias para a subsistência também permite que os trabalhadores possam emular certo padrão de consumo visando a busca por estima dentro da sociedade.

Já o motivo da identificação, neste caso, não se relaciona necessariamente com a propensão para o artesanato, mas sim com a emulação. A justificativa é de que os trabalhadores de chão de fábrica não têm liberdade para a deliberação e ação com propósito próprio, restando apenas o seguimento de regras pré-estabelecidas para a realização dos objetivos impostos pela firma. A emulação, neste caso, não é no sentido de ostentar riqueza ou padrão de consumo, mas a estima associada ao prestígio da organização para a qual trabalha. “Obviamente é melhor ser funcionário da General Motors ou da Western Electric do que ser um cidadão comum, sem ligação dessa natureza” (GALBRITH, 1982, p. 120).

O último grupo é o que mais se identifica com a organização, formado pelos executivos e gerentes dos diversos departamentos que compõem a firma: financeiro, marketing, P&D, comercial, recursos humanos, operacional, etc. Aqui, as barreiras para a realização do instinto para o trabalho eficaz diminuem consideravelmente. Isto se deve pela liberdade que estes agentes têm para a realização de atividades com propósito semelhante aos interesses pessoais,

além de poderem propor objetivos à organização. A remuneração também é um motivo importante para o trabalho, entretanto, a identificação e a possibilidade de adaptação dos objetivos da firma aos do indivíduo são estímulos essenciais para esta classe.

A adaptação, como motivo, é mais forte à medida que nos aproximamos dos círculos internos da tecnoestrutura. Nisso, tanto a ilusão como a realidade do poder são maiores. O indivíduo terá razões cada vez mais fortes para sentir que, servindo à organização, poderá alinhá-la mais intimamente a seus objetivos. As decisões dos grupos nos quais ele participa terão um raio de ação mais amplo, e sua posição mais alta na hierarquia contribuirá para sua impressão de poder. (GALBRAITH, 1982, p. 122).

No que se refere ao dualismo entre instituições pecuniárias e industriais, pode-se dizer que a propensão para o trabalho eficaz atua não apenas na mente daqueles que são responsáveis pelo gerenciamento da parte técnica, mas também está presente na mentalidade dos que atuam no setor de finanças. É possível que, a princípio, esta afirmação entre em contradição com o que se verifica em Veblen (1921), porém, no caso da grande corporação, o gerenciamento financeiro é realizado com um olhar científico, onde os resultados positivos em termos de lucro despertam um sentimento de orgulho pelo trabalho bem feito, em vez do simples gosto pela acumulação. Por outro lado, embora nem sempre os lucros vão diretamente para estes especialistas financeiros, é de se esperar que haja algum ganho em termos de bonificação. Logo, afirma-se que estes profissionais são movidos tanto por motivos pecuniários quanto industriais.

Em relação ao processo de sabotagem da teoria vebleniana, são as propensões pecuniárias dos acionistas que limitam as ações com base no instinto para o artesanato na tecnoestrutura. Isso porque estes exigem taxas de lucro constantemente elevadas, e fazem isso a partir do poder auferido pela posse da propriedade. Há também outro grupo de agentes externos à atividade produtiva, mas que pressionam igualmente a busca pelos lucros. São aqueles ligados aos bancos e demais fundos de investimento que fornecem o crédito necessário para a manutenção e expansão dos negócios (VEBLEN, 1921). Assim, os financiadores e acionistas formam um forte grupo que limitam as atividades inovadoras e, desta forma, “sabotam” o processo produtivo na medida em que transformam o objetivo do sistema industrial, deixando de ser naturalmente uma atividade geradora de valores de uso para inserir num processo contínuo de acumulação de riqueza.

Por sua vez, os trabalhadores pressionam a organização em busca de melhores salários e condições de trabalho. Uma vez que as atividades disponíveis para os indivíduos desta classe tendem à ser pouco estimulantes, a motivação mais forte se torna a remuneração. Como se sabe, a ausência da propriedade como instrumento de poder faz com que estes agentes precisem se

organizarem para exigirem suas vontades e direitos. Assim, é na formação de sindicatos que os trabalhadores se mobilizam para angariar uma parcela dos retornos provenientes das atividades da indústria.

Diante destas pressões, o grupo mais identificado com os objetivos da firma – os gerentes financeiros e técnicos – precisa administrar os conflitos para conseguir realizar os objetivos da organização. Para isto, necessitam terem tanto a propriedade quanto a organização como instrumentos de poder. De um lado, utilizam a propriedade para pressionar os trabalhadores, pois sem os fatores de produção esta classe não conseguirá alcançar os meios necessários para a subsistência e emulação do padrão de consumo estimado na sociedade. Por outro, controlam as pressões dos acionistas a partir do instrumento da organização. Considerando que esta classe desconhece a totalidade dos processos internos da firma – cuja complexidade somente pode ser tratada pelos diversos técnicos e especialistas – é possível esperar certa liberdade para a realização de objetivos próprios dos administradores.

Para Galbraith (1982, p. 123), “poucas coisas são tão certas quanto a ausência de qualquer relação íntima entre a compensação e o esforço nos círculos internos da companhia amadurecida”. Ou seja, para o autor a identificação com as grandes corporações é a principal motivação para os agentes que participam de sua administração, de modo que os rendimentos pecuniários ficam em segundo plano. Como já discutido, este argumento vai na contramão da opinião de Veblen, o qual estabelece que a força da propensão para a emulação pecuniária na mente dos tomadores de decisão é maior do que o desejo pelo trabalho eficaz.

Para resolver o embate sobre a configuração do sistema de motivação e os impulsos instintivos aflorados nas organizações, devemos analisar o sistema econômico e produtivo como uma extensão das instituições sociais como um todo. A resposta para esta questão deve ser encontrada não apenas na análise dos hábitos industriais, mas também nos hábitos de emulação configurados a partir das instituições informais que regulam o comportamento humano nas demais áreas de interação social. Esta questão é aprofundada nos escritos de Karl Polanyi, o qual tratou da relação entre economia e instituições sociais ao longo do desenvolvimento das sociedades humanas.