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4 EM BUSCA DE UMA ABORDAGEM INSTITUCIONALISTA ALTERNATIVA

4.1 TECNOESTRUTURA, PODER E MOTIVAÇÃO: A ECONOMIA

4.1.1 Mercado x Planejamento

No esforço de demonstrar a inaplicabilidade da teoria econômica ortodoxa para explicar a sociedade do século XX, Galbraith (1982 [1967]) destaca o contraste entre a realidade que emerge na virada do século daquela que ilustra os manuais tradicionais de economia. O crescimento do tamanho das firmas implicou não apenas mudanças de grandeza, mas também transformações qualitativas profundas o bastante para incapacitar a aplicação dos princípios da microeconomia neoclássica.

O primeiro ponto é sobre a condução dos negócios. As grandes empresas não são mais dirigidas apenas pelos proprietários individuais. Com o aumento do tamanho e da complexidade das atividades na indústria, tornou impossível a exclusividade do proprietário na função gerencial. Outra diferença entre a estrutura vigente e a do período da livre concorrência – em que vigorava uma estrutura de mercado análoga aos modelos de competição perfeita, com a presença de pequenas firmas – é a necessidade maior de redução dos riscos. Uma vez que o nível de investimento mínimo para a criação de uma empresa competitiva é demasiadamente elevado, é preciso coordenar as variáveis de demanda e oferta de modo que a tomada de decisão se torne mais confortável frente à incerteza do ambiente. Isto inclui o controle sobre os a oferta de trabalho, os gostos dos consumidores e a cooptação do Estado para a realização de políticas que protejam a estrutura produtiva das imprevisibilidades do mercado.

Em O Novo Estado Industrial (1982 [1967]), Galbraith aprofunda a análise da estrutura de mercado resultante da composição de grandes firmas oligopolísticas e monopolísticas. Sobre a ordenação destes tipos de empresa, dois pontos são abordados em um primeiro momento: a tecnologia e a tecnoestrutura.

A análise da tecnologia se apoia fortemente na indústria automobilística. Galbraith percebeu que o avanço tecnológico na fabricação de veículos implicava na divisão e subdivisão das tarefas e no aprofundamento no trato dos componentes automotivos.

Embora não se possa aplicar o conhecimento de metalurgia na fabricação de todo o veículo, pode- se empregá-lo no projeto do sistema de resfriamento ou do bloco do motor. Conquanto não se possa aplicar o conhecimento de engenharia mecânica a fabricação do veículo inteiro, pode-se usá-lo na execução virabrequirn. Conquanto não se possa aplicar a química na composição do carro como um todo, pode-se usá-la para decidir sobre a composição do acabamento ou remate. (GALBRAITH, 1982, p. 21).

Galbraith (1982) pontua seis consequências derivadas da necessidade de dividir e subdividir tarefas e aplicações de conhecimento específico em cada uma delas

A primeira é que há um intervalo de tempo cada vez maior separa o inicio do término de qualquer tarefa na medida em que o avanço do conhecimento torna o preparo de cada componente um processo único e separado do restante do produto final.

A fabricação do primeiro Ford não foi um processo minucioso. A metalurgia era um conceito acadêmico. Empregou-se aço comum que se podia obter no armazém de manhã e torneado na tarde do mesmo dia. Entre o início e o término da fabricação de um carro, nenhum processo relacionado com os materiais básicos exigia mais que algumas horas. (GALBRAITH, 1982, p. 23).

A segunda é que o avanço tecnológico implica em aumento no número de processos e componentes e, com isso, eleva-se também o tamanho e valor do capital investido na produção. A terceira se refere à divisão e subdivisão dos processos, juntamente com a especificidade do conhecimento técnico para a fabricação de cada componente, que tornam mais inflexível a estrutura produtiva para a realização de outras atividades além da função originalmente empregada. O autor compara a oficina dos Dodge Brothers – que fizeram o motor e o chassi do primeiro Ford e que poderia também produzir bicicletas, motores a vapor ou engrenagem de carruagens sem alterações em sua estrutura – com a produção do Mustang, cinquenta anos depois, que requeria um sistema exclusivo para a sua montagem, de modo que, se o carro fosse consideravelmente modificado grande parte do capital e trabalho deveria ser repensado.

A quarta abrange o aumento da complexidade no processo produtivo, o que demanda mão de obra especializada para a execução de cada processo específico. Nos primeiros estágios do desenvolvimento industrial, era possível que cada homem conhecesse e dominasse todos os passos da produção. Isso é impossível na moderna estrutura, pois o número de etapas é tão grande e específico que o mais eficiente é a divisão e especialização do trabalho.

A quinta consequência está associada à necessidade de maior nível de organização, dado o aumento do tamanho e complexidade do processo produtivo na indústria moderna. Como resultado, se torna impossível a administração individual das grandes firmas, sendo necessário, nestes casos, a formação de uma equipe administrativa qualificada e composta por diversas pessoas com conhecimentos específicos sobre cada área do conhecimento utilizado na fabricação.

Finalmente, todo esse trabalho, “do tempo e capital que devem ser investidos, da inflexibilidade deste investimento, das necessidades da grande organização”, gera uma sexta consequência que é a exigência de um planejamento para o enfrentamento das incertezas do

mercado. O planejamento era irrelevante nos tempos do primeiro modelo da Ford, no qual “decorriam apenas dias entre o investimento em maquinaria e materiais para a produção e o aparecimento do carro” (GALBRAITH, 1982, p. 24). Já no caso do modelo Mustang, o tempo de lançamento foi muito maior, levando dezoito meses do início de seu planejamento até a sua aparição no mercado. Neste caso, foi preciso assegurar que nenhum imprevisto ocorresse tanto na produção quanto nas vendas e aceitação no mercado.

Diante disto, a necessidade de planejamento coloca em xeque os princípios que regem o livre mercado, uma vez que a realização de altos investimentos e os longos períodos de tempo necessários para a pesquisa, construção da estrutura, formação e organização da força de trabalho e, por fim, a produção dos vários componentes requer certo nível de garantia de retorno. Assim, as grandes empresas não podem ser submetidas pelos imperativos do mercado (GALBRAITH, 1975). A livre variação dos preços dos fatores de produção e dos produtos acabados geram dúvidas aos resultados de anos de planejamento necessário para a colocação de produtos de alto valor tecnológico no mercado. Desta forma, é essencial para a atividade da grande empresa controlar o valor dos salários e dos insumos, a quantidade mínima de mão de obra disponível e também os preços finais que serão vendidas as mercadorias.

Conforme se percebe nas obras de Galbraith, para contornar as incertezas da flexibilidade dos preços do mercado e de mudanças repentinas no gosto dos consumidores, as grandes firmas precisam cooptar o Estado, para que este absorva os riscos mais sérios – garantindo a demanda mínima para os produtos finais, fornecendo conhecimento técnico e científico e regulamentando a oferta dos insumos necessários (STANFIELD, 2011). Outra solução é a manipulação dos desejos e gostos do consumidor, desafiando o princípio da soberania a partir do gasto com marketing e propaganda. Com isso, o objetivo é garantir a aceitação do produto no mercado e, consequentemente, a demanda pelos consumidores: “Há certa possibilidade de que, mesmo daqui a dois ou três anos, haja uma demanda para consumo mais ou menos segura de morangos, leite e ovos frescos. Não há igual segurança de que as pessoas venham a desejar, assim espontaneamente, um automóvel de determinada cor ou modelo” (GALBRAITH, 1982, p. 30).

No geral, os princípios que devem imperar para a regulação da produção em uma estrutura composta de grandes empresas não são os do livre mercado, mas sim o do planejamento (GALBRAITH, 1982). Não quer dizer que o sistema de planejamento elimine as incertezas provenientes dos movimentos do sistema de mercado autorregulado. O planejamento não significa garantias, pois, “via de regra, isto é feito com grande imprecisão e incompetência”. Por outro lado, julga-se menos arriscado a regulação das atividades produtivas pelo

planejamento do que pelo livre mercado. Em suma, “planejar significa substituir os preços e o mercado, como mecanismo de determinação do que será produzido, por uma determinação autoritária pelo Estado do que será produzido e consumido e a que preço” (GALBRAITH, 1982, p. 31).

Para Galbraith (1982, 1998) o impacto do crescimento da empresa na forma de organização não se limitou apenas no que tange a troca dos mecanismos de mercado pelo planejamento na regulação da produção. Ocorreu também mudanças nas classes responsáveis pela tomada de decisão. O poder de comando das grandes empresas passou da mão dos proprietários individuais para organizações compostas por vários profissionais de áreas distintas.

O principal motivo para a reunião e organização destas pessoas para o comando das grandes firmas deriva das exigências tecnológicas que emergiram. O aumento da complexidade da produção – como a existência de maior número de componentes, cada um requerendo um tipo de conhecimento específico, juntamente com a ampliação da quantidade de processos necessários para a colocação da mercadoria no mercado, desde o planejamento do design até o marketing e propaganda – implica na impossibilidade do cuidado individual das questões que tangem o gerenciamento da empresa. “Increased sophistication in process and result requires increased sophistication in direction. Together the scale and technological consequences of modern industry necessitate a coordinating force that can apply specialized and differentiated expertise over a vast organizational range.” (STANFIELD, 2011, p. 126)

Para Galbraith (1982), mesmo com a presença de pessoas geniais, com capacidade elevada no trato das mais diversas áreas da atividade industrial, é improvável que todas as decisões sejam tomadas de forma individual.

Mas mesmo o homem moderadamente genial é um suprimento imprevisível, e manter-se a par de todos esses ramos da ciência, da engenharia e da arte seria um consumo excessivo de tempo até mesmo para um gênio. A solução elementar, que permite utilizar talentos muito mais comuns e com muito mais previsibilidade quanto aos resultados, está em ter homens que sejam devidamente qualificados ou dotados de experiência em cada área limitada dos conhecimentos ou ofícios especializados. (GALBRAITH, 1982, p. 58).

O autor, inclusive, se opõe ao mito da presença imprescindível de gênios no sucesso dos negócios das empresas. No lugar destes, destaca-se a importância da organização aplicada no direcionamento das atividades de indivíduos comuns, mas dotados de conhecimentos dos mais diversos.

A verdadeira realização da ciência e tecnologia modernas consiste em tomar homens comuns, informá-los minuciosa e profundamente e, depois, por meio da organização

apropriada, dispô-los para reunir seus conhecimentos com os de outros homens especializados, mas igualmente comuns. Isso dispensa a necessidade de se ter um gênio. (ibid.)

Assim, a tomada de decisão se torna responsabilidade de um grande grupo de pessoas quando transferida para a organização, de forma que qualquer atitude que a firma vir a realizar deverá passar pelo crivo dos agentes que compõem os mais diversos núcleos da firma. Como consequência, o poder nas mãos de proprietários ou presidentes de grandes empresas, principalmente nas que se configuram como sociedades anônimas, diminui quando a formação de uma organização é necessária para gerenciar a produção e as demais atividades. Enquanto isso, aqueles que ocupam as posições hierárquicas mais altas ficam responsáveis, geralmente, por questões mais modestas na vida das grandes empresas, como a ratificação de decisões tomadas pelos grupos, atribuir tarefas às comissões e escolher os membros para a formação de equipes que deverão decidir sobre assuntos das mais diversas áreas.