• Nenhum resultado encontrado

A revolução dos engenheiros e a oposição às políticas de Estado

2 VEBLEN E O INSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO

2.4 INSTINTOS, ATIVIDADE INDUSTRIAL E ESTADO: ELEMENTOS PARA A

2.4.2 A revolução dos engenheiros e a oposição às políticas de Estado

É com base nos elementos da análise presente na seção anterior que Veblen, mais precisamente na obra de 1921, toma uma posição crítica sobre as políticas econômicas protecionistas. Num primeiro momento, o autor institucionalista reconhece que a defesa da atuação Estatal para resolver o problema do excesso ou falta de oferta de recursos é coerente com o propósito da utilização mais ampla possível da capacidade industrial da nação – capital e mão de obra. Por outro lado, embora tenha tentado evitar condenar diretamente o uso das políticas de contenção e incentivo do comércio via tarifas e subsídios, ele deixa transparecer sua oposição ao assumir que isto é uma espécie de sabotagem sobre a eficiência produtiva.

It is always to be presumed as a matter of course that the guiding spirit in all such governmental moves to regularize the nation’s affairs, whether by restraint or by incitement, is a wise solicitude for the nation’s enduring gain and security. All that can be said here is that many of these wise measures of restraint and incitement are in the nature of sabotage, and that in effect they habitually, though not invariably inure to the benefit of certain vested interests – ordinarily vested interests which bulk large in the ownership and control of the nation’s resources. That these measures are quite legitimate and presumably salutary, therefore, goes without saying. In effect they are measures for hindering traffic and industry at on point or another, which may often be a wise business precaution. (VEBLEN, 1921, p. 22)

Para Cavalieri (2009), Veblen era um internacionalista e, junto com os progressistas de sua época, as altas tarifas significavam a proteção dos interesses dos industriais, mais especificamente, da classe de proprietários absenteístas. Isto contribuiria para a existência de níveis de produção que não atenderia aos desejos da sociedade em termos de utilidade e eficiência.

The great standing illustration of sabotage administered by the government is the protective tariff, of course. It protects certain special interests by obstructing competition from beyond the frontier. This is the main use of a national boundary. The effect of the tariff is to keep the supply of goods down and thereby keep the price up, and so to bring reasonably satisfactory dividends to those special interests which deal in the protected articles of trade, at the cost of the underlying community. A protective tariff is a typical conspiracy in restraint of trade. It brings a relatively small, though absolutely large, run of free income to the special interests which benefit by it, at a relatively, and absolutely, large cost to the underlying community, and so it gives rise to a body of vested rights and intangible assets belonging to these special interests. (VEBLEN, 1921, p. 20)

O segundo motivo de sua oposição está no argumento de que o estado das artes industriais é fruto do estoque de conhecimento técnico mantido e trabalhado pela população em geral, em conjunto com as nações do mundo civilizado e não apenas restringido ao nível nacional (VEBLEN, 1923). O valor das coisas é derivado da ação com base na tecnologia, a qual é estabelecida a partir da atuação do instinto para o trabalho eficaz. Desta forma, a criação de barreiras para o controle da produção com fins de beneficiar a instituição da propriedade absenteísta atuaria limitando o compartilhamento do conhecimento e uso das técnicas que permitiriam o incentivo do instinto para o artesanato.

O terceiro argumento retirado dos escritos de Veblen contra a ação Estatal para a promoção da indústria seria que o aumento dos sentimentos nacionalistas se configuraria como uma instituição dos “estados dinásticos predatórios” (CAVALIERI, 2009). Para o autor, os capitães da indústria formariam uma nova classe de aristocratas norte-americanos uma vez que a capacidade das grandes corporações em manipular a opinião pública faria com que a política econômica atuasse no sentido de garantir seus interesses pecuniários escudados sobre a bandeira nacional (VEBLEN, 1923).

Para Veblen, o senso de integridade nacional é um dos mais antigos e mais arraigados de todos os sentimentos humanos, sendo um descendente linear direto da solidariedade da tribo selvagem em face de seus inimigos e até mesmo associado ao instinto paternal. Originalmente, esse sentimento serviu ao propósito da sobrevivência do grupo, como foi também no caso de países que lutaram por sua independência (SWEEZY, 1958). Isso explica como a instituição do nacionalismo derivou da força e obstinação de um traço inerente à natureza humana. Entretanto,

em contato com a inclinação predatória dos sistemas capitalistas modernos, o nacionalismo não só deixou de servir a um propósito útil, mas tornou-se uma força completamente prejudicial.

A defesa do livre comércio alinhada à crítica da mentalidade pecuniária pode parecer contraditória, mas reflete justamente a dialética em termos de inclinações humanas na abordagem teórica do autor, como também os movimentos intelectuais e políticos de sua época. Cavalieri (2009, p. 425) associa a crítica de Veblen ao protecionismo à simpatia que o autor tinha com o movimento progressista dos EUA na época:

[...] os políticos conservadores norte-americanos do século XIX mantiveram-se, em linhas gerais, irredutíveis na necessidade das altas tarifas. Para os progressistas do período durante o qual Veblen escrevia, as altas tarifas significavam a proteção dos interesses dos industriais, da classe de proprietários absenteístas.

Neste sentido, Veblen levou às últimas consequências as ideias provenientes de seu arcabouço teórico na interpretação sobre o sistema econômico. A oposição radical em relação a inclinação predatória e os hábitos pecuniários deu origem à tese da defesa de uma solução que passaria pela revolução dos indivíduos dominados pelo instinto para o trabalho eficaz. Estes abrangeriam a classe média, representados pelos engenheiros e técnicos que detém o domínio da tecnologia e do conhecimento científico.

Layton (1962) mostra que Veblen viu um irrepreensível conflito entre negócios e indústria, onde o primeiro representava o instinto predatório na forma de “sabotagem”, enquanto que o segundo representava as propensões criativas do ser humano, como o instinto para o artesanato. O primeiro autor institucionalista interpretou que os processos técnicos das máquinas por si só eram elementos condicionantes dos agentes que se relacionavam diretamente com a produção, “educating those engaged in productive work in the values and modes of thought of workmanship” (LAYTON, 1062, p. 65). Logo, uma vez dominados pela propensão para o trabalho eficaz, os engenheiros e técnicos rejeitariam os hábitos pecuniários da cultura empresarial e, consequentemente, se revoltariam com o tempo.

Por outro lado, Veblen (1904) também assume que a relutância de uma parcela dos indivíduos da sociedade no condicionamento das instituições pecuniárias se estabelece a partir das pressões exercidas pelo instinto para o artesanato, o qual se manifesta a partir da disciplina imposta pelas máquinas.

The machine discipline however, touches wider and wider circles of the population, and touches them in an increasingly intimate and coercive manner. In the nature of the case, therefore, the resistance opposed to this cultural trend given by the machine discipline on grounds of received conventions weakens with the passage of time. The spread of materialistic, matter-of-fact preconceptions takes place at a cumulatively

accelerating rate, except in so far as some other cultural factor, alien to the machine discipline, comes in to inhibit its spread and keep its disintegrating influence within bounds. (VEBLEN, 1904, p. 372)

Segundo Walker (1977), Veblen teve considerável sucesso na construção de uma teoria geral da mudança econômica que era de caráter científico, mas ao lidar com o capitalismo sua análise foi de propriedade filosófica e idealista. O ponto mais comentado dos escritos do autor institucionalista é sobre o uso da dicotomia entre as necessidades industriais da sociedade e as necessidades da propriedade absenteísta e dos negócios corporativos. Para Hodgson (2004) este conflito é aceitável, porém não é coerente tratar os hábitos pecuniários e industriais como totalmente incompatíveis. “The relationship between corporate business and human need is much more complex, and it is naive to ascribe either universal antagonismo r universal harmony” (HODGSON, 2004, p. 221). Para o principal expoente do neo-institucionalismo, a indústria requer algum tipo de organização, mecanismos de coordenação e distribuição institucionalizados na economia como um todo.

Hodgson (2004, p. 222) argumenta que Veblen errou ao considerar a indústria como meramente uma matéria de “mechanical, tangible, material values”. Afirma-se que o primeiro institucionalista negligenciou as questões relacionadas a organização social e motivação psicológica. Mesmo que se aceite a afirmação de que o cálculo monetário pode atuar inibindo e distorcendo a atividade industrial, não se pode inferir que a erradicação da mentalidade pecuniária levará a produtividade para outro patamar. Para Hodgon, a remoção do cálculo monetário prejudicaria a indústria ao menos que fosse possível implantar um novo sistema gerencial e motivacional da força de trabalho. Isto Veblen não analisou em seus escritos.

He [Veblen] saw the negative effects of the monetary calculus, but, largely blind to the central questions of industrial organization and motivation, He failed to acknowledge that the monetary calculus nevertheless provides powerful incentives, as well as distorting priorities. Veblen failed to examine any alternative system of economic organization, allocation and coordination. (p. 222).

Outro equívoco de Veblen (1921) ao radicalizar sua análise da sociedade a partir da dualidade entre os instintos predatório e para o trabalho eficaz foi a negligência da capacidade de imbricação entre as propensões levadas em conta na construção de sua teoria da natureza humana. O autor desconsiderou, por exemplo, a capacidade do instinto para a emulação – aflorado a partir das relações sociais existentes fora da atividade industrial – em diminuir na mente dos operários a resistência do instinto para o artesanato na aceitação dos hábitos pecuniários, embora tenha aceitado que isto ocorria com os engenheiros aliados aos capitalistas.

Consequentemente, Veblen (1921) também deixou de lado, em alguns momentos, os efeitos que as outras formas de realização do instinto para a emulação podem ter na configuração do sistema de motivação presente nas organizações. Embora isso tenha sido tratado em “A Teoria da Classe Ociosa”, o mesmo foi deixado de lado nas obras que focam a atividade industrial. Assim, o autor não reconhece, por exemplo, a possibilidade dos homens de negócios em desejarem, por si só, a busca pela eficiência produtiva e o crescimento da empresa de modo autônomo ao objetivo pecuniário. Embora estas sejam maneiras de ganhar dinheiro, por outro lado são também meios de aumentar o poder e prestígio dentro da sociedade, “obtain a sense of accomplishment, and satisfy a desire for workmanlike efficiency” (WALKER, 1977, p. 224).

Outra questão é que Veblen errou ao tratar trabalhadores, homens de negócios e proprietários dos meios de produção como agentes econômicos desconexos. Ao exagerar sobre a associação entre trabalhadores e o instinto para o artesanato, o primeiro institucionalista dá a entender que as inovações tecnológicas ocorreriam de forma independente das decisões feitas tomadas pelos empresários. “Did Veblen believe, then, that technicians think of new industrial processes and products in their off-hours, and install the innovations in secret behind the backs of the businessmen?” (WALKER, 1977, p. 230). Por sua vez, ao considerar os engenheiros passivos de contaminação pelo instinto predatório, Veblen, fica no ar a questão de como estes levariam a cabo uma revolução que tomaria os meios de produção para serem administrados de forma fundamentalmente técnica e científica, com base exclusivamente no instinto para o artesanato.

Apesar destas críticas à interpretação vebleniana do capitalismo industrial, há de se ter em mente que o autor não dera como certa uma revolução iminente de engenheiros. A análise de Veblen era de que esta seria apenas uma das indetermináveis possibilidades do sistema9.

Uma amostra disso é que ao mesmo tempo em que o autor se atentava para uma consciência de classe dos engenheiros, cujo objetivo era a busca pela eficiência e bem-estar social, também os colocavam como parceiros dos empresários na busca pelo lucro. Logo, mesmo apresentando as condições sob as quais uma revolução ocorreria, Veblen sempre buscou evidenciar os mecanismos inibidores para tal. Em outras palavras, nos escritos veblenianos sempre havia “uma dualidade na sociedade, na cultura, na teia institucional” (CAVALIERI, 2009, p. 413).

9 Knoedler e Mayhew (1999) mostram que Veblen não buscou prever uma revolução de engenheiros, mas que suas

ideias apenas abarcam os discursos presentes em diversas associações da classe em sua época, mais especificamente no fim do século XIX e início do XX.