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3 A PSICOLOGIA DOS HÁBITOS E INSTINTOS EM VEBLEN

3.1 OS EXPOENTES DA PSICOLOGIA DOS HÁBITOS E INSTINTOS

3.1.2 William McDougall

Embora o estudo dos instintos tenha sido introduzido no debate acerca da natureza e do comportamento humano pelo Principles of Psychology de William James (1890), foi a Introduction to Social Psychology (1908) de William McDougall que forneceu uma análise mais sistemática sobre o tema. Conforme Krantz e Allen (1967, p. 326) “McDougall expanded the domain of behavior explainable by instincts from the relatively naive responses of children and adults in James’ version to all complex social behavior”. Em especial, o autor foi o responsável por interligar as instituições e costumes de uma sociedade às propensões instintivas individuais, de modo que os hábitos mentais socialmente enraizados poderiam ser explicados a partir das forças biológicas inatas à natureza humana (CRAVENS; BURNHAM, 1971).

Já na introdução de sua principal obra, McDougall (1908) deixa claro a importância dos componentes inatos, como os instintos e as emoções, para a explicação das ações humanas e do ambiente social. Nas palavras do autor “it is the mental forces, the sources of energy, which set the ends and sustain the course of all human activity—of which forces the intellectual processes are but the servants, instruments, or means—that must be clearly define” (1908, p. 15).

Para McDougall (1908) a mente humana tem certas tendências inatas ou herdadas que são as fontes essenciais ou os poderes motrizes de todo pensamento e ação, seja individual ou

coletiva, e são as bases das quais o caráter e a vontade dos indivíduos e das nações se desenvolvem gradualmente sob a orientação das faculdades intelectuais. Além disso, essas tendências inatas são verificadas em todas as pessoas, embora possa apresentar diferenças de grau entre os indivíduos de diferentes raças, circunstâncias sociais e estágios culturais.

Assim como James (1890), a concepção de instintos de McDougall (1908) também abarcava os componentes teleológicos, além de ser mais complexa do que apenas tendências ou desvios inatos para certos tipos de movimento. A abordagem do autor busca demonstrar que qualquer ação, por mais puramente instintiva que seja, é o resultado de um processo mental, incapaz de ser descrito em termos estritamente mecânicos. Neste caso, a evocação de um instinto “it is a psycho-physical process, involving psychical as well as physical changes, and one which, like every other mental process, has, and can only be fully described in terms of, the three aspects of all mental process—the cognitive, the affective, and the conative aspects” (MCDOUGALL, 1908, p. 31). Ou seja, cada instância de comportamento instintivo envolve o conhecimento de alguma coisa ou objeto (parte aferente), um sentimento relacionado (núcleo central), e uma reação a partir da realização de um esforço físico, que pode ser no sentido de uma repulsa ou atração para o objeto referido (parte motora ou eferente). Em suma, o instinto é definido como uma disposição psicofísica hereditária ou inata no qual seu possuidor experimenta uma excitação emocional de uma qualidade particular ao perceber ou prestar atenção a um determinado objeto e, assim, invoca uma ação de maneira particular, ou, pelo menos, sente um impulso em tal direção.

Outra semelhança com James (1890) é o impacto do aprendizado na ação instintiva. Para McDougall (1908, p. 33) “it is clear that all the higher animals learn in various and often considerable degrees to adapt their instinctive actions to peculiar circumstances”. As complicações provocadas nos processos instintivos, e que podem resultar em mudanças na ação, são de quatro tipos principais:

(1) The instinctive reactions become capable of being initiated, not only by the perception of objects of the kind which directly excite the innate disposition, the natural or native excitants of the instinct, but also by ideas of such objects, and by perceptions and by ideas of objects of other kinds;

(2) the bodily movements in which the instinct finds expression may be modified and complicated to an indefinitely great degree;

(3) owing to the complexity of the ideas which can bring the human instincts into play, it frequently happens that several instincts are simultaneously excited; when the several processes blend with various degrees of intimacy;

(4) the instinctive tendencies become more or less systematically organized about certain objects or ideas. (MCDOUGALL, 1908, p. 34).

Apresentado as quatro formas de possíveis complicações que os instintos são passíveis de experimentar, o autor parte para uma análise mais minuciosa das três partes componentes do instinto, ou seja, as partes aferente, afetiva e motora. Segundo McDougall (1908) estas três partes componentes do instinto apresentam diferenças em termos de flexibilidade e capacidade de adaptação. Se por um lado as partes aferente e motora são capazes de ser profundamente modificadas, independentemente uma da outra e da parte central, ao longo da trajetória de vida do indivíduo, por outro a parte afetiva persiste ao longo da vida como o núcleo essencial e incontrolável. Neste caso, os processos cognitivos, através dos quais qualquer ação instintiva pode ser iniciada, e os movimentos corporais, pelos quais o processo instintivo atinge seu fim, podem ser alterados constantemente, assumindo uma infinidade de formas. Já as emoções desencadeadas, com as atividades nervosas que acompanham a parte central da disposição, formam a única parte do processo instintivo total que retém seu caráter específico, o qual permanece comum a todos os indivíduos e a todas as situações em que o instinto está em atividade.

O autor chega a exemplificar o funcionamento destes mecanismos a partir de um exemplo em que ilustra a reação de um indivíduo à exposição de um barulho elevado. Como se sabe, em um primeiro momento, no homem e na maioria dos animais, a sensação de medo é instantaneamente evocada quando uma forte explosão, de origem desconhecida é presenciada. Logo, a reação comum e esperada é que o indivíduo se mova em direção oposta ao qual o som fora evocado. McDougall (1908, p. 35) explica os mecanismos responsáveis pela ativação da parte aferente que, consequentemente, leva à sensação de medo no núcleo central e, por sua vez, a reação de fuga pela parte motora: “the afferent inlet, or one of the afferent inlets, of this innate disposition consists in a system of auditory neurones connected by sensory nerves with the ear This afferent inlet to this innate disposition is but little specialised, since it may be excited by any loud noise”. Na medida em que a experiência vai demonstrando que estes barulhos não são acompanhados de efeitos prejudiciais, a tendência é que os agentes vão adaptando tanto a parte aferente quanto a eferente, de forma que dificilmente a sensação de medo seja aflorada. Percebe-se que a parte central, responsável pelas emoções, não fora alterada, apenas que outros tipos de sensações serão ativados na medida em que a capacidade de percepção se modifica. Para McDougall (1909, p. 36), “this implies that the perceptual disposition, the afferent inlet of the instinct, has become further specialized”.

Desta forma, percebe-se que os instintos não podem ser definidos como meros reflexos que entram em atividade quando excitados, mas que empregam certo grau de racionalidade na medida em que tanto a parte aferente quanto a motora são modificadas para adaptar aos choques

do ambiente e, assim, obter melhores resultados. Além disso, a ação instintiva, para McDougall (1908), não é apenas uma resposta às dores e prazeres, que por muitos psicólogos foram considerados os únicos motivos da atividade humana. O prazer e a dor não são em si molas de ação, o que ocorre é que tais sensações servem para modificar os processos instintivos, cabendo ao prazer sustentar e prolongar qualquer modo de ação, enquanto a dor interrompe e altera o processo.

A ideia central do esquema teórico de McDougall (1908) é que o instinto é o principal motor de toda atividade humana. Aqui, os hábitos entram como componentes secundários, uma vez que são derivados das propensões instintivas. Os hábitos mentais adquiridos são frutos de atividades frequentemente repetidas, as quais são postas em práticas pelos instintos. Nas palavras do autor, “an acquired mode of activity becomes by repetition habitual, and the more frequently it is repeated the more powerful becomes the habit as a source of impulse or motive power” (MCDOUGALL, 1908, p. 41). Apesar de essenciais para a caracterização, os hábitos sozinhos não são capazes de explicar a ação humana pois na ausência de instintos, nenhum pensamento e ação poderiam ser realizados, de forma que nenhum hábito de pensamento poderia ser formado. Em suma, os impulsos instintivos determinam os fins de todas as atividades e fornecem o poder motriz pelo qual todas os processos mentais são sustentados. Desta forma, se retirarmos todas as disposições instintivas teríamos um organismo incapaz de qualquer tipo de atividade, sendo que “all the complex intellectual apparatus of the most highly developed mind is but a means towards these ends” (ibdem).

3.2 O IMPACTO DOS PRINCÍPIOS DA PSICOLOGIA DOS HÁBITOS E INSTINTOS