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A evolução da “teoria feminista” Um novo sujeito feminista?

No documento Feminismos em Portugal (1927-2007) (páginas 52-83)

PARTE I – A EVOLUÇÃO DA TEORIA FEMINISTA, A RECONFIGURAÇÃO DAS CORRENTES

CAPÍTULO 2. A evolução da “teoria feminista” Um novo sujeito feminista?

Para a feminista e filósofa francesa Françoise Collin (2005:18-19)), a força do feminismo advém da sua aparente fraqueza, por não estar ligado a uma doutrina, embora repouse sobre um corpo teórico em desenvolvimento permanente. O feminismo será, assim, um espaço político com posições diversas, com capacidade de se interrogar, mesmo sobre aquilo que se considere adquirido. Griselda Pollock considera que o movimento de mulheres produziu uma expressão teórica importante que é conhecida por ―teoria feminista‖:

―Essa expressão define práticas e posições que são extremamente heterogéneas, precisamente porque o feminismo tem registado desigualmente as mudanças e os paradigmas teóricos variáveis dentro da

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cultura, sociedade, linguagem e subjectividade, ao mesmo tempo que funciona externamente a estes e, por essa razão, se constitui como uma crítica política a todos eles‖ (POLLOCK, 2002:196).

Esta crítica política registou-se, de facto, em todas as correntes ideológicas às quais o feminismo esteve ligado, do iluminismo, ao liberalismo e ao marxismo e mais recentemente ao pensamento pós-moderno.

Segundo as investigadoras, Judith Hole e Ellen Levin, ―o movimento de mulheres contemporâneo não foi o primeiro movimento a elaborar uma crítica feminista da sociedade‖. Na realidade, o que parece radical na análise feminista contemporânea, tem um paralelo com a crítica feita pelas feministas dos séculos XVIII e XIX. Existiu um idêntico empenhamento ―na análise sobre o papel das mulheres em todas as esferas da vida e sobre as relações entre mulheres e homens nas instituições sociais, políticas, económicas e culturais, considerando as mulheres como um grupo oprimido subordinado ao domínio masculino das instituições sociais e do sistema de valores‖.39

1 - As origens

A produção teórica sobre os feminismos, enquanto consciência individual ou colectiva das discriminações seculares sobre as mulheres, data de há mais de quinhentos anos. Refiram-se as obras de Christine de Pizan, ―La cité des Dames‖ (1405) e de Poulain de la Barre, ―Sobre a Igualdade dos Sexos‖ (1673).

O feminismo nasce no século XVIII com o iluminismo e a modernidade em sinal de protesto pelo facto das mulheres terem sido excluídas da cidadania. Segundo Lígia Amâncio, a contradição fundadora da modernidade forjou-se, precisamente, na exclusão das mulheres.40 ―O feminismo é um fenómeno do século da razão mas é um filho não desejado‖.41

Françoise Collin afirma, recorrendo à filósofa Carole Pateman (Sexual

Contract42), que ―o contrato social fundador da democracia, que pretendia a igualdade

de todos, foi de facto um «contrato entre irmãos» do qual as mulheres foram excluídas e esquecidas‖ (COLLIN, 2005:36). Segundo Lígia Amâncio,

―Há várias continuidades que caracterizam o feminismo, desde a sua fundação até à actualidade e uma delas, talvez a principal, é a reflexão crítica e a sua sensibilidade às contradições da modernidade. É certo que, de início, a República também excluiu outros, uma vez que o poder era exercido pelos

39 HOLE, Judith, LEVINE, Ellen, ―The first feminists‖, in KOEDT, Anne, LEVINE, Ellen, RAPONE,

Anita, eds., Radical Feminism, New York, Quadrangle, the New Times Book, pp. 3-19.

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AMÂNCIO, Lígia, CARMO, Isabel do (2004), Vozes insubmissas, Lisboa, D. Quixote, p. 27.

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Amélia Valcárcel citada por Conceição Nogueira, Um olhar sobre os feminismos (2003), Porto, UMAR.

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poucos que tinham instrução ou possuíam bens (..). Só que a exclusão das mulheres envolvia todas sem excepção, baseando-se portanto, na condição de nascimento: se todos os homens nasciam livres e iguais, dotados de razão, como dizia a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, as mulheres, pelo contrário, tinham um destino marcado pelo sexo, desde o momento, em que nasciam‖.43

O chamado tempo dos direitos não era ainda o tempo das mulheres, para os principais mentores da revolução francesa. O iluminismo traçou as ideias fundadoras de uma nova ordem social e política assente numa concepção de respeito pelos direitos individuais. Contudo, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) exclui as mulheres como sujeitos de direitos políticos. As mulheres existem em função da sua função reprodutora. Assim argumenta Rousseau ao defender que as mulheres se ocupem do ―espaço privado‖ e os homens do ―espaço público‖. A posição assumida pelos revolucionários da época (com excepção de Condorcet44) é tanto mais paradoxal quanto as mulheres contribuíram de forma relevante para o êxito da própria revolução.45 Contra estas posições se insurgem: Olympe de Gouges (1748-1793) que escreve a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (1791) onde declara que ―a mulher nasce livre e igual ao homem‖; Mary Wollstonecraft (1759-1797), que escreve ―Vindication of the Rights of Women‖ (1792), contestando os fundamentos da natureza feminina e o fundamento divino da subordinação das mulheres.46

Novos contributos para o feminismo em termos de pensamento e acção surgem, algum tempo depois, por parte dos socialistas utópicos como Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837), ao proclamarem que o grau de emancipação da mulher na sociedade é o barómetro pelo qual se mede a emancipação geral, Jeanne-Désirée (1810-

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AMÂNCIO, Lígia, CARMO, Isabel do (2004), op. cit., pp. 27-28.

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Condorcet (1743-1794) foi um dos poucos revolucionários que enfrentou as ideias de Rousseau e que no seu escrito ―Admissão das mulheres ao direito de cidadania‖, afirma: ―como é possível não se entender que se está a violar o princípio da igualdade de direitos, quando se excluem as mulheres do direito de cidadania‖.

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Designadas por as ―bota fogo‖ encontramos as mulheres à cabeça das principais insurreições parisienses. Na Marcha sobre Versalhes em 1789 elas são as primeiras a avançarem. Nos levantamentos da Primavera de 1795 são elas que tocam os sinos a rebate e fazem rufar os tambores nas ruas da cidade. Utilizam a sua criatividade, as formas pouco formais de actuação, os velhos ritos carnavalescos para zombarem das autoridades e darem corpo aos protestos. Elas ocupam as ruas e incitam os homens à acção. Mas apesar de todo este protagonismo elas são excluídas das associações políticas, das assembleias e a partir de Maio de 1795 são proibidas de se juntarem na rua em número superior a cinco.

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A consciência individual das discriminações sobre as mulheres já tinha tido vozes anteriores: 1405 (Christine de Pizan – La cité des dames); 1673 (Poulain de la Barre – Sobre a Igualdade dos Sexos). Em Portugal, há que destacar o pensamento de uma mulher ligada à nobreza, Paula da Graça, que publica, em 1715, o livro Bondade das mulheres

vindicada e malícia dos homens manifesta onde aconselha uma jovem a não casar, colocando em causa o papel

tradicional da mulher. (Fina d’Armada, trabalho no âmbito do Mestrado em Estudos sobre as Mulheres O livro

1890) fundadora do jornal La femme libre, Claire Demar (1800-1833) e Pauline Roland (1805-1852), entre outros (as). Também J. Stuart Mill (1806-1873) ao escrever, em 1866, ―A sujeição da mulher‖, recusa qualquer fundamento da ―natureza feminina‖ argumentando que a diferença entre sexos é uma fabricação social. Flora Tristan (1803- 1844), revolucionária e feminista, afirma que ―numa sociedade onde a mulher não é livre, a liberdade política é uma pura ilusão‖; Jeanne Deroin (1805-1888) que funda o Clube de Emancipação da Mulher e participa na ―Comuna de Paris‖ tal como Louise Michel (1830-1905).

2 - Contributos e limitações do marxismo para o feminismo. Um “casamento mal sucedido?”

Como contributos teóricos do marxismo destacam-se: a obra de F. Engels (1820- 1895) ―A origem da propriedade da família e do estado‖(1884), que surge como a primeira explicação histórica das origens da opressão das mulheres; o livro ―A mulher e o socialismo‖ (1879) de Auguste Bebel (1840-1913), onde declarava, referindo-se a Proudhon, ―há socialistas para quem a mulher emancipada é tão antipática como o socialismo para os capitalistas‖. Destaca-se também o pensamento de Rosa Luxemburgo, de Clara Zetkin e de Alexandra Kollontai.

Rosa Luxemburgo (1871-1919), chega a defender o voto das mulheres contra as concepções do Partido Operário Belga, uma vez que este realiza uma greve geral pelo sufrágio ―universal‖, mas do qual exclui as mulheres. O seu pensamento é também elucidativo no seguinte extracto, retirado do jornal Leipziger Volkszeitung, em 1902:

―With the political emancipation of women a strong fresh wind must also blow into its (Social-Democracys) political and spiritual life, dispelling the suffocating atmosphere of the present philistine family life which so unmistakably rubs off on our party members, too, the workers as well as the leaders‖.47

Como referência de acção internacionalista e de mobilização das mulheres, refira-se a socialista-marxista Clara Zetkin (1857-1933) defensora da perspectiva dos interesses não homogéneos das mulheres, dada a sua pertença a diferentes classes sociais, colocando como factores de emancipação os direitos políticos, entre os quais, o direito ao voto e a integração das mulheres na produção.

47 DUNAYEVSKAYA, Raya (1982), Rosa Luxemburg, Women’s Liberation and Marx’s Philosophy of

Alexandra Kollontai (1872-1945) foi a teórica russa que melhor articulou feminismo e marxismo, ao defender que não bastava a abolição da propriedade e a incorporação das mulheres na produção para alcançarem a emancipação; seria necessária uma revolução da vida quotidiana e dos costumes, forjar uma nova concepção do mundo e uma nova relação entre os sexos; afirmou que a revolução de que a mulher necessita inclui a socialização do trabalho doméstico, uma nova concepção de maternidade e um novo conceito de amor. Enquanto ministra do governo saído da revolução de 1917, Kollontai deu origem a reformas radicais: direito ao voto para as mulheres, igualdade nas leis, divórcio sem noção de culpabilidade, aborto legal, maternidade paga, supressão do poder marital, os mesmos direitos para os filhos nascidos fora do casamento, igualdade entre os cônjuges na família. Segundo a investigadora catalã Maria-Milagros Rivera Garretas, Alexandra Kollontai formulou uma tese feminista fundamental: ―todos os homens, não apenas os capitalistas ostentam a propriedade privada do corpo das esposas e que este corpo constitui um meio básico de produção e reprodução‖ (GARRETAS, 2003:105). Kollontai sustentou, ainda, que para a mulher, a solução do problema familiar não era menos importante que a conquista da igualdade política e da independência económica.

Podem considerar-se contributos teóricos do marxismo para o feminismo: a ―desnaturalização‖ da opressão das mulheres, com o conceito de que as causas da opressão das mulheres não eram biológicas mas sociais: ―desnaturalizando a opressão, Engels destroi a ideia de um determinismo biológico, que incapacitaria as propostas de emancipação‖48

; a valorização da inserção das mulheres no mercado de trabalho e a defesa da sua libertação da escravidão doméstica (Marx e Engels enfrentaram forte oposição de algumas correntes socialistas que se opunham ao trabalho das mulheres); a produção de algumas ferramentas teóricas para perceber as relações de poder e o processo histórico da opressão das mulheres, dado que a análise marxista permite estabelecer a ligação entre mudanças estruturais nas relações familiares e mudanças na divisão do trabalho, por um lado, e a posição das mulheres na sociedade, por outro; e, ainda, ―a ligação que o marxismo faz entre a ideologia e os interesses materiais, assim como o seu papel na reprodução de formas específicas de relações de poder na sociedade, o que é importante para o feminismo‖ (WEEDON, 1989:27).

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Contudo, os estragos das posições dogmáticas marxistas foram grandes. Heidi Hartmann escreve, em 1980, sobre um casamento mal sucedido entre marxismo e feminismo e da necessidade de uma reaproximação (HARTMANN, 1980). Qualquer tentativa de reencontro só poderia vir a ser feita se o marxismo fosse encarado como uma ciência viva em constante evolução.

A dogmatização do marxismo trouxe estragos que levaram a um afastamento dos feminismos: uma visão limitada do feminismo na medida em que este não foi entendido nas suas diversas correntes e foi mesmo banido do vocabulário político marxista; o não reconhecimento das contradições de género, dado que a contradição capital/trabalho acabou por ser erigida como uma contradição que absorvia todas as outras: de género, etnia, orientação sexual, o que provocou para além da perda de factores democráticos, a erosão da base social das primeiras experiências de socialismo; o esquematismo na ligação entre emancipação da mulher e propriedade privada: ―a emancipação da mulher será fruto da eliminação da propriedade privada‖, esta foi uma frase que ficou célebre, procurando traduzir a necessidade da alteração da base material da sociedade para que se criassem condições para a emancipação das mulheres; contudo, o esquematismo neste pensamento produziu os seus efeitos na secundarização da luta mais específica das mulheres; a ―equação‖ mulher na produção = independência = emancipação foi encarada como uma "equação" simples; se ―o primeiro passo para a emancipação da mulher poderia ser a sua integração no mercado de trabalho‖, esse passo poderia ficar tolhido, se não se tivessem em conta as duplas e triplas tarefas, que ainda pesam sobre a vida das mulheres e as relações de dominação/subordinação que marcam as contradições de género.

O marxismo também não levou até às últimas consequências a análise de Engels que permitia uma outra profundidade no estudo da relação sexual como um território de poder: ―o ângulo classista não basta para ler e interpretar o código desta relação sexual (...): é que a fundamentação ideológica deste registo ultrapassa a realidade da classe e legitima-se directamente na ideologia sobre o feminino e o masculino, na polaridade, entendida de base biológica da mulher como elemento passivo e do homem como activo‖.49

49 NEVES, Helena, ―Sexualidade e poder‖, in A Comuna, nº 4, Março 2004, pp. 24-31.50 Feminista

Segundo a investigadora Valerie Bryson, um tema central para o ―feminismo socialista/marxista‖ é de que a situação das mulheres não pode ser entendida fora do seu contexto sócio-económico. Esta abordagem surge com o marxismo clássico nos finais do século XIX e prolonga-se pelo século seguinte. Contudo, as ideias de Gramsci, desenvolvidas por Althusser e Poulantzas, ao levantarem a importância da relativa autonomia da esfera ideológica, teriam permitido uma pluralidade de abordagens onde as relações sociais entre os sexos surgiriam autonomizadas face às relações de ―classe‖ (BRYSON, 1992: 232-235). Deste modo, a interacção entre ―classe‖ e ―género‖ sugeria a existência de dois sistemas ou de um sistema dual, onde ―capitalismo‖ e ―patriarcado‖ se interligavam.

―Heidi Hartmann argumentou que a sociedade moderna tinha de ser entendida como capitalista e patriarcal. Contudo, estes sistemas colaram-se um ao outro, embora não se possam reduzir a um único e até se alimentarem mutuamente. (...) Ann Fergunson afirmava algo semelhante: de que existe um sistema patriarcal semi-autónomo e de que o «marxismo tradicional» não pode entender profundamente a opressão das mulheres, pelo que os novos conceitos com origem no feminismo radical deveriam ser desenvolvidos. Jaggar também afirma que o patriarcado e o capitalismo são inseparáveis, mas argumenta de modo diferente: a chave para se entender a opressão das mulheres deve residir na ideia de alargar o conceito marxista da base económica da sociedade à esfera da reprodução e não só à da produção ‖

(BRYSON, 1992: 243-244).

A segunda metade do século XX, na década de 1970, foi palco de um intenso debate entre a corrente radical do feminismo e o marxismo. Feministas socialistas como Sheila Rowbotham50, Juliet Mitchell51, Zillah Eisenstein52, ao analisarem as críticas do feminismo radical, evoluíram numa perspectiva marxista mais alargada das raízes da opressão das mulheres. Sheila Rowbotham escreve em Women, Resistance and

Revolution (1972) que é necessário ter em conta tanto as relações sociais de produção

como as de reprodução em qualquer teoria revolucionária. Juliet Mitchell escreve, em 1973, Woman’s Estate, reconhecendo o patriarcado como um sistema de dominação

50 Feminista socialista, historiadora, com vasta obra publicada sobre os movimentos de mulheres

(Séc.XX).

51 Feminista Socialista, activista dos movimentos de mulheres dos anos 60 e 70, publicou, em 1971, o

livro Woman´s Estate – um estudo crítico do feminismo radical e da teoria socialista - onde coloca o Patriarcado como uma ideologia do capitalismo e das sociedades pré-capitalistas.

52 Doutorada em Ciência Política pela Universidade de Massachussetts. Activista feminista desde 1969.

Faz cursos de teoria feminista e marxista. Entre outros livros publicou: Patriarcado Capitalista e

Feminismo Socialista (Veintuno Editores, 1980) onde procura entender a opressão das mulheres em

termos de uma síntese entre a análise marxista e a teoria feminista, redefinindo-as à luz do conflito entre ambas). Neste livro, enuncia que a supremacia masculina e o capitalismo constituem as principais vertentes que determinam a opressão das mulheres.

masculino relacionado com o sistema económico e as relações de produção.53 Zillah Einsenstein considera que uma compreensão separada do capitalismo e do patriarcado não pode abarcar o problema da opressão das mulheres. (Patriarcado capitalista e

Feminismo Socialista – 1980).54

O enfoque da opressão das mulheres foi enriquecido pelo feminismo socialista/marxista, que pegando na análise de Engels de que o desmoronamento do direito materno tinha sido a primeira derrota do sexo feminino e de que ―a mulher se viu convertida em servidora, escrava da luxúria do homem e em simples instrumento de reprodução‖55

, alargou o conceito de opressão das mulheres, não só enquanto classe, mas enquanto mulheres subordinadas ao poder masculino. Todavia, estas reflexões que alertavam para o facto das relações sociais de sexo assumirem uma grande importância, não só no capitalismo como no socialismo, pois a dominação masculina continuava a fazer-se sentir nas relações de poder, não foram absorvidas pelo quadro mais estático da análise marxista.

3 – A segunda vaga dos feminismos e os contributos do feminismo radical

―Le personnel est politique. La vie privée à son tour est devenue l’enjeu du conflit. Changer les rapports amoureux, renégocier l’échange entre les sexes,

passe pour la proclamation de la rupture. Un monde nouveau ne peut advenir sans rupture avec le passé, sans refus des rôles et de la définition relative des femmes, du mariage et de la dépendence.(...) Le discours radical faisait écho à leurs préoccupations, indiquait une voie: la maternité choisie pour mieux concilier, la mise en question des rôles

pour mieux partager, (...)

Françoise Picq (1993:348)

Embora não se consiga inserir Simone de Beauvoir na linha teórica do feminismo radical, o seu livro, O Segundo Sexo, foi a obra de referência do feminismo contemporâneo e teve influência nas autoras feministas radicais. Publicado em 1949, o livro foi mal recebido por diversos sectores da sociedade francesa e a autora foi injuriada com insultos violentos e vulgares. Contudo, esta foi a obra de suporte na

53 Um conjunto de obras do feminismo radical podia ser consultadas na década de 1980 no Centro de

Documentação do IDM em Lisboa. Grande parte desse espólio está actualmente no Centro de Documentação e Arquivo Feminista Elina Guimarães.

54 Outras feministas socialistas/marxistas: Heidi Hartmann, Alison Jagar. 55

história do movimento de mulheres, em especial, a partir dos anos sessenta e setenta, ou seja da chamada segunda vaga dos feminismos.

―Le Deuxième Sexe, qui paraît en 1949 dans la prestigieuse collection blanche de Gallimard, produit immédiatement l’effet d’une bombe. Les thèses contenues dans ses mille pages serrées ont de quoi choquer les maternalistes de tous bords qui tiennent le haut du pavé. L’ampleur de succès de ce livre tient en partie aux circonstances de sa publication mais surtout au fait que Simone de Beauvoir exprime l’esprit de toute une génération, celle qui dès le milieu des années 1950 va renouveler le féminisme, et dont il devient vite l’étendard‖. (CHAPERON, 2000 b)

A obra de Simone de Beauvoir anunciava os combates das mulheres nestas décadas num corte com a tradição sufragista, colocando as questões das sexualidades, da maternidade e da família a debate, numa profunda ruptura com as concepções dominantes. Recorde-se a época em que foi publicado O Segundo Sexo: quatro anos após o final da segunda guerra mundial, uma grande pressão pró-natalista dos governos, um grande apelo para o regresso das mulheres ―ao doce aconchego do lar‖. O pensamento libertador de Simone de Beauvoir faz ruptura com tudo isto. Opõe-se ao puritanismo e ao maternalismo do pós-guerra. Rasga o véu do determinismo biológico e explica que as mulheres não têm que estar amarradas a nada, a não ser a elas próprias como sujeitos autónomos e senhoras do direito de decidir sobre as suas vidas.

Os movimentos de libertação das mulheres da década de 1970 pegaram em muitas dessas causas, ampliando-as e dando-lhes um novo suporte teórico. Deste modo,

No documento Feminismos em Portugal (1927-2007) (páginas 52-83)