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A formação do Movimento Democrático de Mulheres

No documento Feminismos em Portugal (1927-2007) (páginas 179-194)

PARTE II – DO ANTIFASCISMO A UMA NOVA AGENDA FEMINISTA

CAPÍTULO 5 Anos 60, os ventos para uma nova vaga dos feminismos não chegam a Portugal

6. O alargamento da oposição ao regime e a participação das mulheres 1 A longa agonia do regime

6.3. A formação do Movimento Democrático de Mulheres

Em 1968, foi formado o Movimento Democrático de Mulheres (MDM). Após um longo período de ausência de associações de mulheres, o MDM veio preencher uma lacuna política e social nesta área.351 Um ano após a sua formação, o MDM participou no VI Congresso Mundial da FDIM – Federação Democrática Internacional de Mulheres em Helsínquia, em Junho de 1969.352 Esta organização internacional promoveu, no ano seguinte, uma ―semana de solidariedade com a luta das mulheres portuguesas‖ através de actos públicos, em dezenas de países em frente às embaixadas ou consulados de Portugal, exigindo a libertação dos presos políticos e o fim da guerra colonial. ―Cartas e telegramas de protesto foram enviados ao governo português por organizações de mulheres da África do Sul, Ceilão, Bulgária, Angola, Vietnam, RDA, Guiné-Bissau, Finlândia, França, Grécia, Israel, Itália, Japão, Camarões, Republica Popular do Congo, Nigéria, Áustria, Suiça, Suécia, URSS, Hungria, Polónia‖.353

A necessidade de um movimento de mulheres não era um dado adquirido mesmo junto dos sectores da oposição. A defesa da existência de um movimento de mulheres é feita publicamente por Helena Pato, do MDM, no jornal República em Outubro de 1969 na seguinte base:

―Defendemos o movimento de mulheres como meio de dinamização desse sector da população menos politizado, que carece de métodos específicos de mobilização. Defendemos o movimento de mulheres como meio de levar as mulheres a partirem dos problemas que mais directamente vivem e de que têm maior consciência para, integrando-os num contexto geral, sentirem, discutirem, tomarem consciência de todos os problemas inseridos nesse contexto. Defendemos o movimento de mulheres como método pedagógico

350 Torre do Tombo, Arquivo da PIDE/DGS, proc. 51/54 SR, NT 2736. 351 O MDM foi formado por influência do PCP- Partido Comunista Português.

352 Neste Congresso participaram como delegação do MDM: Cecília Areosa Feio e Maria José Ribeiro,

pela direcção do PCP Sofia Ferreira, pela Rádio Portugal Livre, Maria da Piedade Morgadinho e como representante do MDM na FDIM Luísa Costa Dias.

353 Notícia publicada no jornal Portugal Democrático nº 157, de Abril de 1971, com o título ―A luta das

mulheres portuguesas‖. O MDM enviou a 9 de Março de 1971 uma carta de agradecimento À FDIM. (Arquivo da PIDE/DGS, Torre do Tombo, proc. 51/54 SR NT 2736, caixa referente à Federação Democrática Internacional das Mulheres).

para atingir mais rapidamente e eficazmente os fins que todos nos propomos atingir‖.354

A base de argumentação utilizada por Helena Pato revela a concepção de um movimento de mulheres construído para os fins mais gerais de luta contra o regime, secundarizando-se os objectivos de luta das mulheres pela conquista dos seus próprios direitos.

É um facto que o MDM ocupou um papel importante na luta contra o regime através do apoio aos presos políticos, da sensibilização das mulheres contra a guerra colonial e na luta pela paz. Em 1969, o MDM tornou público um relatório com depoimentos de Sofia Ferreira, presa durante 12 anos, de Alda Nogueira com 9 anos de prisão e de Olívia Sobral, presa durante 8 anos, com denúncias das torturas, abusos e arbitrariedades das autoridades. Ainda em 1969, o MDM dinamizou um abaixo- assinado de mulheres contra a guerra colonial que recolheu milhares de assinaturas e em 1970, nas comemorações do 8 de Março, o MDM retoma o tema da guerra colonial. A maioria das mulheres estava contra a guerra colonial, apesar do esforço que a elite feminina da classe dirigente fazia, apelando ao dever patriótico da sua defesa.355 Do lado da oposição a crítica à guerra colonial foi bandeira de luta não só das mulheres organizadas no MDM, como dos católicos progressistas, do movimento estudantil e dos partidos e organizações políticas de esquerda.

O Movimento Democrático de Mulheres foi muito marcado, segundo Luísa Amorim, dirigente do movimento, na altura do 25 de Abril, ―por posições políticas gerais, como a luta contra a guerra colonial, o apoio aos presos políticos; era um movimento onde existia muita acção reivindicativa numa luta de carácter geral356.

Nas campanhas eleitorais de 1969 e de 1973, onde participaram candidatas do MDM como Luísa Amorim e Helena Neves, esta organização teve um importante papel na elaboração de manifestos, de programas eleitorais e na participação em sessões públicas.

Helena Neves, também fundadora do MDM, considera que esta organização de mulheres foi uma grande escola:

354 PATO, Helena, ―Defendemos o movimento como meio de dinamização das mulheres‖, in República

de 16 de Outubro de 1969.

355 Foi o caso do Movimento Nacional Feminino (MNF) formado em Agosto de 1961, presidido por

Cecília de Supico Pinto. (Ver VARGAS, E.S. Sílvia, “Adeus até ao meu regresso”, o Movimento

Nacional Feminino na Guerra Colonial (1961-1974), Lisboa, Livros Horizonte, 2003)

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―Foi o movimento e foi o jornalismo. O jornalismo também foi uma profunda escola, devido ao contacto que me permitiu ter com muitas mulheres. O movimento só por si não me deu uma consciência feminista. O próprio MDM, que teve uma importância fundamental, estava muito voltado (não quer dizer que não existisse uma ou outra ideia feminista) para a guerra colonial, o trabalho, a mulher e os sindicatos, a mulher e o direito ao voto e o derrube do regime. Contudo, houve uma altura em que no MDM, organizámos uns cursos sobre História das Mulheres. É aí que me apercebo da importância da recuperação da memória histórica. O historiador Oliveira Marques tinha uma cronologia da História de Portugal, onde fazia referências à Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Então, eu fui para a Biblioteca Nacional ler o que era a Liga Republicana das Mulheres e comecei também a interessar-me pelas revistas do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas. Percebi que eu tinha uma História, que nós tínhamos uma História e foi aí que eu ganhei consciência feminista, embora ela já existisse em termos dos direitos das mulheres, mas não numa perspectiva do feminismo‖. 357

Em 1970, o MDM lançou duas campanhas. Uma pela libertação de Angela Davis, lutadora pela causa dos negros e das mulheres. Uma outra campanha pelo ensino pré-primário. Protagonizou também diversas iniciativas comemorativas do 8 de Março, em torno da situação da mulher e da criança, e do protesto contra a guerra colonial. Foi debaixo da repressão do anterior regime, que esta associação realizou algumas das suas iniciativas, como o seu 1º Encontro Nacional, a 21 de Outubro de 1973, na Cova da Piedade com a participação de 300 mulheres. Uma acção reivindicativa na luta mais geral do povo português contra o regime de ditadura caracteriza esta fase de vida do MDM. O seu percurso como organização de mulheres será reflectido mais adiante na história dos movimentos de mulheres nas décadas de 1970 e 1980.

6.4 A oposição dos (as) católicos (as) progressistas ao regime e a acção do GRAAL

De realçar nesta vaga mais alargada de contestação ao regime o papel dos sectores ―católicos progressistas‖. Centrados, inicialmente, na denúncia da injustiça social e da repressão, orientam-se depois para o protesto contra a guerra colonial, baseados nas encíclicas papais de João XXIII e de Paulo VI. O Concílio Vaticano II (1962-1965) forneceu referências teóricas e práticas, que serviram para questionar a hierarquia da Igreja e o regime ditatorial, em especial no que se refere à liberdade de associação e à guerra colonial. A Juventude Universitária Católica (JUC) e a Juventude Operária Católica (JOC) desempenham papel de relevo nesta corrente de oposição ao

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regime, assim como os católicos e as católicas ligados à publicação do Tempo e o Modo, do Direito à Informação e à Cooperativa de Difusão Cultural e Acção Comunitária para além dos que, estando ligados a estas iniciativas, também faziam parte da Junta Central da Acção Católica.

Já em 1941, o padre Abel Varzim tinha fundado o Centro de Estudos Sociais e Acção Social em que participaram jovens universitários, rapazes e raparigas da Juventude Universitária Católica. ―No bairro da Quinta da Curraleira, foi montado o seu laboratório: duas barracas, uma para a consulta médica, outra para a alfabetização, onde estudantes universitários (as) atendiam, participavam com a população e realizavam inquéritos directos‖.358

Em 1948, o padre Abel Varzim escrevia que ―o Estado-Salazar é quem manda na Igreja, confundem-se quase neste país e o mal avança cada vez mais (...). Estou infelizmente convencido de que os nossos chefes hierárquicos estão a cometer, ou melhor, vêm cometendo, desde há muito, um gravíssimo erro.‖359 A 10 de Julho de 1948 foi proibido o jornal O Trabalhador, órgão da LOC e da JOC, dirigido pelo Padre Abel Varzim.

A reflexão católica sobre os problemas sociais e o direito de intervir na sociedade, assim como a valorização da democracia como forma de organização dos Estados iria conduzir, a partir dos anos 50 a uma confrontação dos sectores católicos mais intervenientes contra o regime. Segundo o investigador Albérico Afonso Costa, existiram sectores católicos progressistas que tiveram um percurso de afrontamento contra o regime em iniciativas pela defesa dos direitos humanos e contra a guerra colonial, e outros sectores que, não pondo em causa a legitimidade do regime, apostavam em reformá-lo por dentro.360

Uma das primeiras expressões dessa necessidade de reflexão e de intervenção social seria a organização das chamadas Semanas Sociais Portuguesas e do primeiro Congresso da JUC/JUCF, este último realizado no Instituto Superior Técnico, em 1953, sob a presidência de Maria de Lurdes Pintasilgo e de Adérito Sedas Nunes. 361 De entre os objectivos deste Congresso destacam-se: ― Estudar o papel das classes intelectuais na organização e condução da sociedade; determinar a influência da Universidade como

358 MOURA, Helena Cidade, ―Padre Abel Varzim‖, artigo escrito no Público, de 27 de Agosto de 1994,

quando se assinalavam os 30 anos da morte do padre Abel Varzim.

359 Citado por Helena Cidade Moura, no artigo anteriormente referido, com base em DOMINGOS

RODRIGUES, Abel Varzim, Lisboa, edição Rei dos Livros, 1990.

360 COSTA, Albérico Afonso (2008), ―Em nome de Deus e do Desenvolvimento‖, in Os anos de Salazar,

Planeta DeAgostini, vol. 23, pp. 82-89.

361 Maria de Lourdes Pintasilgo era presidente da Juventude Universitária Católica Feminina (JUCF) e

formadora de intelectuais, como depositária do saber, como investigadora da verdade; estabelecer as bases em que deve estruturar-se a universidade; auscultar as preocupações dos universitários portugueses e promover a solução dos problemas‖.362

Um inquérito aos jovens e às jovens universitárias seria orientado por Adérito Sedas Nunes, Manuela Silva, Maria Isabel Soares, Sara Forte e Armando Nogueira. Este congresso ―marcou a emergência de uma «vanguarda» católica que, dotada de um novo código de leitura do social, se afirmará mais tarde na sociedade portuguesa‖.363

De salientar a grande participação de jovens universitárias na preparação deste congresso e a importância do envolvimento de Maria de Lurdes Pintasilgo como se depreende da consulta às suas notas pessoais sobre este congresso.364 A participação das raparigas varia consoante as faculdades. Da Faculdade de Letras de Coimbra participam 52 raparigas e apenas 18 rapazes.365 O mesmo acontece na Faculdade de Letras de Lisboa: 95 universitárias e 35 universitários. A situação inverte-se no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa com 65 rapazes e 6 raparigas ou no Instituto Superior de Economia em que participam 83 estudantes do sexo masculino e 24 estudantes do sexo feminino ou ainda na Faculdade de Direito de Lisboa com 86 rapazes e 26 raparigas. Já das escolas superiores de Farmácia de Lisboa e Porto participam 78 raparigas e 13 rapazes. Da Faculdade de Ciências de Lisboa são 55 as estudantes que participam e 42 os estudantes. Da mesma faculdade do Porto são já 54 os rapazes e 41 as raparigas. Da Faculdade de Medicina do Porto vêm ao congresso 69 universitários e 31 universitárias. De Belas Artes de Lisboa e Porto participam 41 rapazes e 23 raparigas. Da Faculdade de Engenharia do Porto apenas 30 universitários. Esta análise por sexo da participação dos estudantes foi possível através das notas pessoais de Maria de Lurdes Pintasilgo sobre este congresso e permite observar a elevada participação de mulheres, cerca de 47%, apesar das diferenças por curso, reflexo ainda do estatuto das mulheres na sociedade, mesmo tratando-se das elites que tinham acesso à Universidade nos anos 50.

362 FERREIRA, Nuno Estevão (2006), A Sociologia em Portugal: da Igreja à Universidade, Lisboa, ICS,

p. 41.

363 COSTA, Albérico Afonso (2008), ―A juventude universitária católica organiza-se: o I Congresso

Nacional da JUC, em Abril de 1953, marcou a emergência de uma vanguarda católica‖, in Os anos de

Salazar, Planeta DeAgostini, nº 10 (1952-1952), pp. 36-47.

364 Consulta esta só possível de realizar através da Fundação Cuidar o Futuro que tem vindo a tratar do

espólio de Maria de Lourdes Pintasilgo.

365 Na década de 1950, segundo Joaquim Ferreira Gomes (A Mulher na Universidade de Coimbra,

Livraria Medina, 1987, p. 91), as raparigas constituíam a maioria dos estudantes nos cursos de Letras e Farmácia, sendo que constituíam uma minoria em Direito, Medicina e Ciências. No total as jovens constituíam 40,9% dos estudantes universitários em Coimbra.

De realçar, ainda, uma das comunicações ao congresso elaborada por Maria de Lourdes Pintasilgo: ―A mulher na universidade portuguesa‖366

e o debate protagonizado por diversas intervenientes nessa sessão. Segundo Maria Idália Correia não haveria na maioria das raparigas uma vocação universitária. Maria Helena Costa preconiza a substituição da universidade actual por uma instituição que corresponda às necessidades das muitas centenas de raparigas que a frequentam. Alguns participantes do sexo masculino teceram considerações sobre as motivações que animavam a ida das jovens para as universidades: ―maior valorização pessoal para se tornarem melhores educadoras e esposas‖, até porque quando uma rapariga pretende adquirir qualidades que a tornam mais completa, mais capaz de se bastar a si própria, isso ―leva a que os rapazes escolham para esposas raparigas de cultura média, não diplomadas para serem boas donas de casa‖. Existia por parte das jovens a responsabilidade de valorizar os maridos, pois ―há homens que se casam com mulheres de cultura inferior à sua por se sentirem por elas elogiados e admirados, já que por valor próprio não se impuseram na sociedade‖. Maria Helena Costa considerava que ―a mulher completa o homem no plano psicológico mas não foi criada para ele‖. Até porque ―o facto de algumas mulheres não casarem não teriam assim sido criadas para coisa alguma‖.367

Também a actividade de muitas jovens na JOC - Juventude Operária Católica influenciou e marcou preocupações e a sensibilização de muitas delas para os direitos das mulheres. Clarisse Canha, na altura com 16 anos, pertencia à JOC na Madeira e traz à memória essa experiência muito marcante na vida dela e nos caminhos futuros em defesa dos direitos das mulheres:

―Lembro-me de participar em reuniões na Madeira, em 1967/68 com rapazes e raparigas, embora eu fizesse parte da JOC- Feminina, já nessa altura existiam reuniões em conjunto. Existia alguma abertura por parte de alguns párocos. Havia muita ligação com a JOC Nacional e houve pessoas que nos marcaram muito. Uma delas, foi a Palmira, não me lembro bem do outro nome, mas parece-me que era Lopes. Era uma mulher muito aberta e sensível. Com ela nós debatíamos a situação das mulheres. Em especial das que viviam nos «bairros de lata». Nós tínhamos uma prática de ligação às pessoas e íamos dar passeios para observar a realidade em que vivíamos. A maioria de nós também pertencíamos a sectores desfavorecidos, por isso não

366 Outras comunicações no congresso: A Universidade e as Ciências Pedagógicas; Condições de acesso

às universidades; A Universidade perante o problema social e a crise de pensamento; A influência do meio na vocação universitária; Responsabilidade da Universidade na orientação ideológica da vida social. Existiram sete secções no congresso: organizações universitárias de estudantes; condições económicas e sociais dos estudantes; problemas religiosos e morais dos estudantes; o universitário e os problemas dos estudos; os problemas da vocação e da preparação profissional; tipos actuais de universidades; a mulher e a universidade.

367 I Congresso da JUC e da JUCF, notas pessoais de Maria de Lourdes Pintasilgo, Fundação Cuidar o

era uma realidade totalmente desconhecida. Estas vivências despertaram em mim alguma consciência. Nas discussões havia aquelas posições mais conservadoras sobre a mulher ―rainha ou fada do lar‖, mas eu contestava sempre essas ideias:‖era rainha de quê, de lavar a roupa do marido?‖. A JOC em si não tinha nenhuma orientação de cariz feminista, mas a JOC-F estava muito atenta às problemáticas das mulheres. Em relação à sexualidade e ao planeamento familiar os nosso debates foram muito importantes. Nós confrontávamo-nos com mulheres pobres com muitos filhos. Havia uma abordagem à vontade das questões da sexualidade entre nós. E falávamos com as mulheres sobre o planeamento familiar. Como a Igreja tinha aquela posição contra a pílula isso revoltou-nos muito. Nós tínhamos também uma colega que era enfermeira a Fernanda Pereira e que tinha tirado uma especialização em obstetrícia. Como as mulheres não costumavam ter os filhos no hospital, mas sim em casa, e havia equipas de enfermeiras que iam às casas, nós íamos com ela. Havia esta vertente da situação das mulheres que tinham muitos filhos e por isso ficámos muito revoltadas com a posição da Igreja de só permitir os métodos naturais, por isso chegámos a ter discussões com a presença de alguns padres‖. 368

Na década de 1960 aumentam as tomadas de posição pública de crítica ao regime por parte dos católicos. Uma declaração369 assinada por católicos de diversas áreas entre os quais o padre Abel Varzim, o padre Adriano Botelho, Sophia de Mello Breyner, Maria Manuela Brito, Nuno Teotónio Pereira, João Bernard da Costa, Gonçalo Ribeiro Teles, F. de Sousa Tavares, pronunciava-se sobre a tendência de identificar a defesa da Igreja com a posição política dos católicos, o que ―nada tem a ver com o catolicismo‖. ―Os católicos têm o direito e o dever de se interessarem por política‖, afirmavam. Os mesmos protagonistas assinaram uma carta dirigida a Salazar contra a tortura e as prisões a 1 de Março de 1959.

É também do início da década de sessenta (1963) a publicação clandestina do

Direito à Informação370, da iniciativa de sectores católicos com particular destaque para

Maria Natália e Nuno Teotónio Pereira, mas que contou com a colaboração de Frei Bento Domingues, o então padre António Jorge Martins, Ana Vicente, Maria Vitória Pato, Maria da Conceição Neuparth, Joana Lopes, Eduardo Veloso, entre outras e outros. Os conteúdos desta publicação dizem por si do arrojo deste grupo de católicos ao tratar temas como: ―A consciência cristã perante a guerra de Angola‖; ―A miséria imerecida em Portugal‖; ―A viagem do papa a Bombaim‖371; ―A luta estudantil por uma

368 Entrevista a Clarisse Canha realizada em 13 de Abril de 2007. Clarisse Canha é dirigente da

UMAR/Açores.

369 ―As relações entre a Igreja e o Estado e a liberdade dos católicos‖, Fevereiro de 1959, Arquivo

Histórico da Fundação Mário Soares, pasta ―Católicos Progressistas‖.

370 A tiragem era de 3000 a 4000 exemplares e a publicação tinha o formato A5 até ao nº 13, tendo

passado a formato A4. A publicação cessou em 1969.

371 A viagem do Papa Paulo VI a Bombaim após a anexação de Goa pela União Indiana trouxe alguns

universidade livre‖; ―Mecanismos de censura à Imprensa‖; ―A Igreja comprometida com o regime‖; ―O assassínio de Humberto Delgado: a justiça espanhola incrimina agentes da PIDE‖; ―Prisões e presos políticos em Portugal‖ (LOPES, 2007:29). ―A grande maioria dos textos resultava da recolha de notícias, de artigos cortados pela censura e de traduções de documentos provenientes da imprensa estrangeira‖, afirma Joana Lopes uma das colaboradoras da publicação. Ainda, segundo Joana Lopes, uma iniciativa importante dos sectores católicos surgiu em Dezembro de 1964 e relacionou- se com a distribuição nas missas de todo o país de 20 000 exemplares de uma informação (―Igreja Presente‖) sobre a visita do Papa Paulo VI a Bombaim. O regime accionou os mecanismos da censura no sentido de cortar todas as notícias sobre o acontecimento por considerar essa visita como uma ofensa a Portugal dada a anexação de Goa por parte da União Indiana em 1961. A produção da ―Igreja Presente‖em

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