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Este reduzido universo onde o conceito de espaço se transformou, onde as distâncias diminuíram, onde as pessoas se divorciaram da política e seguem carregando consigo todo o peso do mal estar pós-moderno, também gera homens desacoplados dos benefícios que a ciência e a tecnologia produziram.

Hoje é possível perceber milhares de pessoas – a grande maioria localizada na periferia geográfica do mundo e a minoria localizada na periferia social dos países centrais – que não possuem condições mínimas de viverem os benefícios da ciência, as vantagens da globalização e as conseqüências benéficas da modernidade.

Estes excluídos – prioritariamente localizados na América do Sul, na África e na Ásia - vivem em condições pré-modernas e nem sequer têm condições ou possibilidades de ascender às mínimas condições de vida da minoria.

A representação social da modernidade pode ser feita por Marx com a famosa divisão dos homens em proletários e capitalistas, estes últimos derivados dos burgueses, gerados a partir da revolução comercial e do alvorecer da modernidade. Em tal divisão, é importante perceber que os proletários, embora subjugados, estavam incluídos em qualquer equação que explicasse a sociedade. A existência do proletário dependia da existência capitalista e, o mais importante, a

existência do capitalista dependia radicalmente do trabalho e conseqüentemente da existência do proletário.

Na sociedade atual, que pode ser pensada também como uma sociedade de consumo, os excluídos sociais da África não tem nenhuma relação de pertinência com os midiáticos ou com os dirigentes ou acionistas de grandes empresas que dominam o espaço decisório do mercado fluido. As relações de dependência cederam lugar para relações de ignorância, no sentido de que para a existência das grandes corporações e das pessoas que virtualmente as dirigem, os excluídos nada representam (por isso dizer que são ‘excluídos da sociedade’), não havendo razão econômica para que continuem a existir.

Tal exclusão se dá porque estas pessoas não são consumidores, não são produtores e não trabalham. Elas são apenas objetos de caridade privada ou de políticas estatais insuficientes, na medida em que um espaço decisório ocupado pelo mercado nada tem a oferecer para quem não está incluído na lógica econômica neoliberal.

A exclusão não se dá, na pós-modernidade, por sexo, raça, cor ou religião, mas por riqueza. Se o mercado está hipertrofiado e ele domina o espaço de decisão, é natural que a sua lógica reine sobre a lógica ideológica, ou ética ou da moral que dominava a construção de políticas públicas do Estado. Não havendo relação de consumo, ou de produção, o excluído torna-se um estorvo para o mercado, e o Estado deixa de ter força para minimizar as condições desumanas – no forte sentido ético da palavra – a que estão legadas.

A exclusão pode ser fruto da imensa explosão demográfica que assola o globo terrestre, mas é filha da lógica neoliberal pós-moderna, construindo-se sobre as ruínas do Estado, e sobre o desenvolver do individualismo contemporâneo.

O Estado, que poderia proteger o Homem do mercado, apenas exerce funções paliativas, quando não protege o mercado da isolada reação de uma sociedade de excluídos.

A atrofia estatal permite que decisões humanitárias, ou mesmo éticas, sejam impossíveis de ser tomadas pelos líderes governamentais, porque o bastão do poder na sociedade já migrou para as mãos do mercado e das grandes empresas. A exclusão social termina sendo uma conseqüência, também, da falência do Estado na pós-modernidade.

A exclusão social pode ser vista como a mais clara demonstração da falência do projeto da modernidade, ou, como querem alguns, de uma distorção que não nega o projeto da modernidade, e deve ser suprimida, resgatando o sentido original.206

A economia cada vez mais virtual e a utilização cada vez maior de tecnologia para a produção de bens fizeram de uma massa muito grande de homens pessoas completamente dissociadas da equação econômica.

De outra banda, a falência do Estado social, ou do Estado providência e sua substituição por um Estado mínimo desconstruiu toda a estrutura vigente que permitia ao poder público minorar as conseqüências sociais que o neoliberalismo trazia a reboque.

A economia neoliberal, com toda a leveza de sua virtualidade, criou um universo de pessoas que se dissociaram de todos os benefícios da modernidade e convivem com os avanços da ciência observando-os desde o seu lugar, um lócus que não tem acesso aos lugares comuns do progresso e da felicidade.

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Uma das características mais marcantes dos tempos pós-modernos é a exclusão social. Além de uma característica, ela é a conseqüência tanto da desmaterialização do espaço, quanto da virtualização da economia e do abandono da agora.

Se de um lado a globalização pode significar ‘comer salsichas no Havaí’, ou ‘assistir a um filme ainda não lançado nos cinemas estando no Kênia’207, por outro lado a globalização também significa, estar atrelada consigo a localização de pessoas confinadas à vivência da barbárie em tempos de pós-modernidade.208

A globalização não foi capaz de homogeneizar a condição humana. Não é possível viver nas mesmas condições em todo o globo. Esta redução de espaços, esta velocidade nas comunicações acarreta uma emancipação de uma parcela de seres humanos, que se tornam livres das restrições locais podendo tomar contato com culturas e vivenciar realidades fisicamente distantes. Entretanto, é apenas uma parcela dos viventes que se encontra em condições de ascender a estes benefícios.

A perda de significação palpável para a localidade gera duas sortes de pessoas: os incluídos e os excluídos. Uns possuem liberdade para aproveitar a virtualidade dos espaços e estão libertos para quantas experiências desejarem e para compreender o que há de qualitativo para o bem estar produzido pelo progresso e pela ciência.

Já outros, os excluídos, não conseguem dominar ou compreender as forças que interagem no seu espaço físico, e estão confinados a eles segundo a própria sorte de sua condição de excluído.

207

BECK, Ulrich. O que é globalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

208

BAUMAN, Zigmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 7.

O espaço deixa de ter qualquer significado e isto acarreta a liberdade de uns e a prisão de outros. A esta prisão se dá o nome de exclusão social.

Bauman anota com clarividência que este processo de exclusão significa a liberdade de uns se sobrepondo – segundo complexas conexões á ausência de livre opção de tantos outros. Uns se tornam globais, os outros locais.

Com ‘as distâncias não significando mais nada’, as localidades, separadas por distâncias, também perdem seu significado. Isso, no entanto, augura para alguns a liberdade face à criação de significado, mas para outros pressagia a falta de significado. Alguns podem agora se mover para fora da localidade – qualquer localidade – quando quiserem. Outros observam, impotentes, a única localidade que habitam movendo-se sob seus pés.209

A exclusão social, embora seja uma conseqüência desta virtualização e redução de espaços, pode ser justificada pela razão de que, para a manutenção de um status de poder, faz-se mister um distanciamento físico, aonde o ser decisor nunca está presente nunca se refere ao lugar ou a espaço físico. Ele é sempre uma divindade virtual.

Assim, a separação entre o Poder e o espaço físico gera uma relação de exclusão até por necessidade de manutenção deste mesmo poder. A condição de não vizinhança, do maniqueísmo nós e eles, é uma forma de manutenção de uma força excludente que se utiliza da globalização, e ao mesmo tempo dela é tributária, para afirmar uma exclusão entre seres humanos que é uma das características desta pós-modernidade.

Em rica passagem Bauman assim se manifesta:

209

BAUMAN, Zigmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 25.

Com o poder de baixar vereditos investido na segurança do ciberespaço, os corpos dos poderosos não precisam ser corpos poderosos nem precisam se armar de pesadas armas materiais; mais do que isso, ao contrário de Anteu, não precisam de nenhuma ligação com seu ambiente terrestre para afirmar, fundar ou manifestar o seu poder. O que eles precisam é isolar-se da localidade, agora despojada de significado social, transplantada para o ciberespaço, e assim reduzida a terreno meramente ‘físico’. Precisam também da segurança deste isolamento – uma condição de ‘não vizinhança’, de imunidade face a interferências locais, um isolamento garantido, invulnerável, traduzido como ‘segurança’ das pessoas, de seus lares e playgrounds. A desterritorialização do poder anda de mãos dadas, portanto, com a estruturação cada vez mais estrita do território.210

Para completar o raciocínio do autor, faltaria dizer que a desterritorialização do poder e a estruturação cada vez mais estrita do território andam de mãos dadas, ambas, com a divisão da sociedade entre incluídos e excluídos. Aqueles, os incluídos, viventes do espaço virtual; estes, os excluídos, habitantes das localidades cada vez mais confinadas, invadidas e impotentes.

A virtualidade do capital, ou seja, o globalismo, utiliza-se da idéia eufemística de espaço apenas para significar uma unidade virtual onde o homem é menos importante que as conexões que geram valores materiais, contribuindo para relegar o ser vivente ao status de insignificante para a existência do capital.

Uma primeira olhada sobre a exclusão social revela a íntima conexão entre a virtualidade do capital e a exclusão social.

As grandes empresas que dominam a economia neoliberal, tornando-se a efetiva fonte de poder no globalismo, não possuem apego aos espaços físicos, não têm existência material. A relação de pertinência entre o trabalho, o trabalhador, a empresa e a produção deixa de ser entre estes e o espaço físico e passa a ser entre

210

BAUMAN, Zigmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 27.

estes e o mercado. Os acionistas ou sócios são livres destas conexões e, como institutos de mercado, a companhia lhes pertence e pode, inclusive, modificar as suas relações com o trabalho, com os trabalhadores e com a produção independentemente de qualquer relação com o espaço físico.

Os proprietários dos meios de produção que hoje definem as vidas das pessoas são livres - no sentido mais pós-moderno da palavra – para ir e vir, vender e comprar, demitir e empregar, independentemente das conseqüências que isto possa causar para as sociedades locais.211