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A pós-modernidade é globalizada. Por globalização entende-se uma distensão global das relações sociais que se dá em todo território e em todos os povos do planeta inteiro.200

Este processo de redução de espaços e de aproximação dos homens teve início ainda no processo de expansão da cultura e do modo de pensar e viver europeu, na época das grandes navegações e das grandes conquistas. Não que o fato de um povo de terras distantes vir a conquistar e levar sua cultura e seu modo de existir para os povos dominados não seja uma constante na história da humanidade, mas é efetivamente com as grandes navegações e as grandes conquistas, par e passo com a revolução comercial, que este processo de aproximação e de redução da realidade dos espaços começa a tomar corpo. Em seguida, pode-se verificar o próprio processo de crescimento e de conquistas do império britânico, que se construiu em meio ao neocolonialismo ocorrente principalmente na África e a Ásia.

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O germe da globalização pode ser encontrado na intenção colonialista do homem, que aproximou povos distantes. Esta distância tornou-se mais curta, também, em razão das conquistas favorecidas pela ciência, que permitiu ao homem chegar cada vez mais longe de forma mais rápida. O princípio da globalização coincide, como se pode ver, com os processos históricos de construção e afirmação da modernidade, mas é exatamente no período atual, na pós-modernidade, que ele atinge seu apogeu, transformando o mundo em um lugar menor, acessível a quem tem condições para vivenciar experiências de lugares longínquos.

Filha da modernidade, a globalização definiu a independência em relação ao espaço e a virtualidade das relações que se despregam do condicionante físico. Um pressuposto desta redução de espaços, velocidade dos acontecimentos e abandono da noção física de espaço é a existência de uma ciência que dá suporte a esta aproximação de pensares distantes. O desenvolvimento tecnológico fornece as bases necessárias para que realidades distantes façam de seus sujeitos convivas próximos.

O espaço se contraiu. Hoje é possível estar rapidamente em local muito distante do ponto de origem, fazendo com que as condições sociais existentes em dado lugar do globo possam fazer parte do amálgama de relações de uma outra sociedade. É exatamente esta intensificação das relações sociais entre pessoas que estão muito longe que caracteriza o mundo globalizado, fazendo com que homens venham a sentir as conseqüências sociais de eventos que se realizaram a milhares de quilômetros, em outra sociedade, em outro continente, em outra – até bem pouco tempo – realidade.201

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É possível chegar distante e velozmente, causando a sensação natural de que o mundo é menor do que parecia ser anos atrás. Esta sensação de amplitude, embora tenha principiado com a modernidade, atinge seu apogeu na pós- modernidade.

A redução dos espaços e modificação dos limites do mundo faz com que não a história, mas a geografia seja posta em xeque. A redução dos espaços e a velocidade das coligações terminam por modificar os limites naturais que separavam os homens uns dos outros. Na pós-modernidade, tais limites são impostos por outras razões, que não as razões físicas e geográficas que justificavam os distanciamentos até a modernidade.

Mas tal velocidade construtora da proximidade tem por pressuposto os resultados do desenvolvimento tecnológico e científico que foram conquistados com a modernidade. Somente é possível falar em interface entre sociedades distantes porque as conquistas da ciência permitiram tal aproximação.

A internet, os meios de transporte e as diversas formas de comunicação que aproximam todos são produtos da ciência e são construídos e justificados por um modo de vida que é fruto da modernidade.

O domínio da natureza pelo homem e as grandes conquistas científicas tornaram possível este modo de vida. A ciência moderna trouxe benefícios, agradabilidades e facilidades que nunca antes puderam ser conhecidas ou aproveitadas pelo homem. A velocidade e a redução de espaços são filhos da ciência moderna. São subprodutos da razão, conseqüências da modernidade. Se na pós-modernidade elas se tornam situações de destaque e assumem papel definidor do conceito de sociedade pós-moderna, isto somente se dá em antítese ao período do apogeu da modernidade, em meados do século XX, mas devem ser pensados

como uma exacerbação ou uma conseqüência deste mesmo período, como de resto é toda a pós-modernidade.

Por ser globalizada, a pós-modernidade modifica o sentido do termo espaço, e o faz principalmente em função da revolução informática que, juntamente com os meios de transporte e de telecomunicações forneceu acesso e à pessoas distantes a fatos e a culturas fisicamente distantes, além de criar um espaço que não deriva do dado físico, que é o espaço virtual. Esta característica do século XXI é completamente diferente daquela do século XIX.202

Esta difusão global, este fluxo de informações e de trocas de experiências e vivências com um volume e uma velocidade nunca dantes pensada gerou uma sociedade mundial que pode ser considerada e pensada de forma diferente daquela limitada aos confins do território do Estado-nação.203

Esta redução de espaços, criando uma sociedade mundial, globalizada e veloz, serve aos intentos econômicos ou, como quer Ulrich Beck, fornece as condições necessárias ao globalismo – globalização neoliberal - permitindo o que se pode chamar de ‘macdonaldização’ do mundo.

Esta redução de espaços se vê radicalizada de uma forma bastante perceptível no que se pode denominar não apenas de fim da geografia, mas também de virtualização do espaço, ou abandono da concepção de local, no sentido que lhe deu o pensar moderno.

O homem da modernidade é um homem atrelado ao seu lugar, ao espaço físico onde a sua sociedade se desenvolveu. O homem pós-moderno é virtual, é desatrelado de conceitos e de idéias como as de território.

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ZOLO, Danilo. Globalizzazione: um mappa dei problemi. Bari: Laterza, 2004, p. 51.

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A idéia de localidade passa a ser uma idéia limitadora das potencialidades que são oferecidas pela pós-modernidade. O neoliberalismo assenta-se nesta característica da sociedade: a virtualidade das conexões de poder, ou ausência de interesse no espaço pensado como território. É caso de se dizer que além da redução de espaço, a própria noção de espaço foi alterada, deixando de existir a sua compreensão como lugar físico de realização de algo. O século XX assistiu á independência da sociedade em relação ao espaço. 204

Esta característica pode ser perceptível quando, v.g., as empresas desprezam o Estado como referencial de fixação dos seus próprios negócios. A idéia moderna do Estado-nação, fixado em um território e com características definidas deixa de ser minimamente relevante porque a virtualidade do mercado faz o espaço reduzir-se e, mais que isso, deixar de existir enquanto limite para qualquer atuação.

De acordo com Bauman,

Cabe a elesportanto, mover a companhia para onde quer que percebam ou prevejam uma chance de dividendos mais elevados, deixando a todos os demais – presos como são à localidade – a tarefa de lamber as feridas de consertar o dano e se livrar do lixo. A companhia é livre para se mudar, mas as conseqüências da mudança estão fadadas a permanecer. Quem for livre para fugir da localidade é livre para escapar das conseqüências. Esses são os espólios mais importantes da vitoriosa guerra espacial.205

O pensamento deixa latente uma questão que dá a tônica desta virtualização do espaço e desconsideração do território: o fato de tal desconsideração não ser acessível a todos, não ser disponível para aqueles que, mesmo querendo, vão estar condenados à suas existências como locais, alijados de

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BAUMAN, Zigmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 15.

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BAUMAN, Zigmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, 15.

todo progresso da ciência, desconectados da virtualidade reinante e desacoplados da realidade redutora de espaços e veloz no fornecimento de informações sobre as sociedades do mundo.