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1.2 NEOLIBERALISMO: O GLOBALISMO CAPITALISTA NA PÓS-MODERNIDADE

1.2.1 As origens do neoliberalismo

Para os europeus, a idéia de neoliberalismo está fincada na compreensão de estado mínimo e de justificativa à direita para políticas de exclusão social. Já o grande público norte-americano - conforme W. McChesney - vê o termo identificado como “políticas de mercado livre”, incentivadoras das liberdades e das escolhas do consumidor, e responsável pelo afastamento da incompetência crônica do Estado.117

Neoliberalismo e globalização geram o conceito de globalismo, que significa a atuação global de um capitalismo projetado por um planejamento apoiado nas grandes alterações de paradigmas que o mundo passou a viver, principalmente, após a década de 1980.

Para Beck:

Globalismo designa a concepção de que o mercado mundial bane ou substitui, ele mesmo, a ação política; trata-se, portanto da ideologia do império do mercado mundial, da ideologia do neoliberalismo. O procedimento é monocasual, restrito ao aspecto econômico, e reduz pluridimensionalidade da globalização a uma única dimensão - a econômica - que, por sua vez, ainda é pensada de forma linear e deixa todas as outras

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BECK, Ulrich. O que é globalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 22.

116

SOROS, George. Globalização. Rio de Janeiro: Campus, 2003, p. 27 e 31.

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dimensões - relativas à ecologia, à cultura, à política, e à sociedade civil - sob o domínio subordinador do mercado mundial.118

Esse é o processo de ‘economização’ da vida em sociedade, a partir da compreensão de que o mercado tudo resolve e de que a abertura para capitais circularem livremente deve ser feita sem a regulamentação do Estado, assim como as privatizações. O afastamento do Estado - ao menos o Estado subdesenvolvido - da esfera de decisão causa exclusão da política do mundo pós-moderno.

Neste sentido, neoliberalismo e globalismo podem significar um amálgama de idéias, mas todas elas no caminho da minimalização do Estado e da liberdade para a fluência de mercadorias e capitais.

Assim, ao se tratar de neoliberalismo não se estará, a rigor, utilizando termo com conotações e sentidos unívocos e que possa relatar um estado de coisas ou uma situação de fato diferenciadora de outras tantas.

Talvez por esta razão, o Presidente cubano Fidel Castro afirme que por hora há a insistência em chamar o Estado de fato do mundo atual de economia de mercado ou de neoliberalismo, quando na verdade o que existe, com todos os sinônimos que possam a isto ser articulados, é capitalismo.

A expressão neoliberalismo parece ter surgido pela primeira vez em documentos oficiais na Conferência de Bretton Woods, em julho de 1944, e a sua função, como política econômica e social do pós-guerra, era adaptar o liberalismo econômico aos novos tempos, em que um Estado regulador e assistencialista se fazia necessário para a reconstrução do mundo após a guerra global.

Como tantos termos que navegam com o tempo, e não raro atravessam o espaço para significar seu oposto, neoliberalismo nasceu como uma adaptação

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keynesiana do pensamento liberal clássico, cuja política significava controle rigoroso de transações internacionais de capital e utilização de instituições criadas no pós- guerra para facilitar o comércio e os investimentos internacionais, direcionadas não para países em desenvolvimento, mas para países destruídos pelo colapso europeu.119

A crise econômica que surgiu justificava uma ação global que impedisse a repetição da crise que o mundo suportara anos antes, durante a depressão da década de 1930. Neste sentido, a conferência de Bretton Woods tinha por pressuposto a convicção de que os mercados não funcionavam bem120, e que, em última análise, tendiam ao desequilíbrio.121

Quase sessenta anos após o seu surgimento nos anais da política internacional, o termo neoliberalismo significa basicamente o oposto. As idéias de Joohn Maynard Keynes já significam tudo aquilo que não representa o neoliberalismo, e o keynesianismo, tão criticado - por seu reformismo crônico - pela esquerda internacional passou a ser hoje uma pauta de reivindicação presente, contra os neoliberais que agora defendem o Estado mínimo, um quase não-Estado, e a canonização da liberdade de mercado sem rédeas ou limites.

Em que momento as promessas da política econômica do pós-guerra tornaram-se vazias de conteúdo e de sentido e em que ponto do mar da contemporaneidade o barco da política simplesmente mudou a proa, adernando para a direção de uma certa liberdade iluminista que carrega consigo todas as mazelas e misérias de uma política global excludente?

119

SOROS, George. Globalização. Rio de Janeiro: Campus, 2003, p. 44.

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STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios: a promessa não-cumprida de benefícios globais. Trad. Bazán Tecnologia e Lingüística. São Paulo: Futura, 2002, p. 38.

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Em primeiro lugar é preciso perceber que os desafios de Bretton Woods foram vencidos, e que o intento de reconstruir os países desenvolvidos momentaneamente destruídos pela guerra logrou êxito com relativa velocidade. As instituições criadas no pós-guerra - Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional - cujo perfil idealizado por Keynes era o de agentes financiadores globais para a restauração de economias destruídas cumpriram seu papel e se voltaram para outros horizontes: O financiamento de políticas dos países em desenvolvimento.

O Fundo Monetário Internacional (FMI), que hoje melhor encarna a concepção de política neoliberal, desvirtuou-se completamente do seu intento original. O que a princípio era uma instituição pública de financiamento para a reconstrução de economias destruídas pela segunda guerra mundial, transformou-se em agente de financiamento - e melhor dizendo de endividamento - de países emergentes, que se tornaram dependentes e controlados pelas políticas econômicas dos mesmos países que o criaram em Bretton Woods.

Conforme Stinglitz:

O FMI mudou bastante desde seu início. No começo, baseava-se no conceito de que, em geral, os mercados funcionam mal; agora defende a supremacia do mercado com fervor ideológico. Inicialmente fundamentado na crença de que era preciso pressionar os países para obter políticas econômicas mais expansivas, hoje o FMI concede recursos somente a países para obter políticas econômicas mais expansivas, hoje o FMI concede recursos somente se os países se engajarem em políticas como corte dos gastos, aumento de impostos e elevação das taxas de juros, medidas que levam a uma retração da economia.122

Igualmente, o Banco Mundial inverteu seu papel de financiador de economias em reconstrução e passou a ser apenas um impositor de políticas públicas condicionadas ao empréstimo fornecido. As denominadas

122

STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios: a promessa não-cumprida de benefícios globais. Trad. Bazán Tecnologia e Lingüística. São Paulo: Futura, 2002, p. 39.

‘condicionalidades’ são a contrapartida para empréstimos necessários à sobrevida das economias emergentes.

Ambas as instituições executam políticas, nos tempos atuais, completamente diferentes dos objetivos para a consecução dos quais foram criadas.

Em segundo lugar, é importante perceber que a completa guinada nas políticas econômicas internacionais e, mais precisamente, nas atuações do FMI e do Banco Mundial foi dada na década de oitenta pelos governos Ronald Reagan e Margareth Thatcher, nos EUA e Reino Unido.123

As instituições de Bretton Woods tornaram-se missionárias e passaram a implementar as políticas liberalizantes dos mercados financeiros, exigindo dos países subdesenvolvidos, ávidos por recursos, certas políticas de abertura de mercado e de capitais que apenas comprimem as economias emergentes em rotunda recessão, ao passo que fortalecem os mercados das empresas dos países desenvolvidos.

Desta forma, a política qualificada de neoliberal pelos burocratas da conferência no Estado de New Hampshire tornou-se algo inverso do que a princípio seria.

O que deveria ser uma estratégia para o desenvolvimento em nível global para que países pudessem resolver o problema da demanda agregada e da destruição de sua própria economia passou a ser uma política internacional de liberalização de mercados, fim da intervenção do Estado na economia e de afirmação da necessária volatização do capital, causando efeitos e conseqüências sociais aberrantes mundo afora, além de significar uma completa concentração de renda em poucas mãos.

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STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios: a promessa não-cumprida de benefícios globais. Trad. Bazán Tecnologia e Lingüística. São Paulo: Futura, 2002, p. 39.

Sob o pálio do discurso da liberdade para o crescimento, as políticas econômicas neoliberais desenvolvem-se em derredor do completo abandono das pautas sociais, exacerbando as idéias de liberdade do liberalismo europeu.

A liberdade a todo preço e custo é utilizada como discurso para compreender o capitalismo de mercado e livre concorrência como conseqüências da própria característica do Homem, que se faz livre para buscar sua realização.

Desta forma, a inversão das funções do FMI e do Banco Mundial e as políticas econômicas levadas a efeito pelos governos Ronald Reagan e Margareth Thatcher, deram o tom do que seria a partir da década de oitenta, o neoliberalismo como política econômica nos moldes em que é vista hoje.

Um marco na construção destas políticas neoliberais pode ser encontrado no que se convencionou chamar de ‘Consenso de Washington’, ocorrido em 1990 e que significou a consubstanciação de políticas liberalizantes uniformizadoras e todas elas levadas a efeito em países emergentes, com o patrocínio principal dos Estados Unidos, e realizadas pelo FMI e Banco Mundial.

Como afirmam José Luís Fiori e Maria da Conceição Tavares, este conjunto de medidas passou a ser imposto como condição para a liberação de empréstimos e tornou-se um consenso entre os países controladores do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. São, portanto, um pacote de medidas que se caracterizam por:

[...] um conjunto, abrangente, de regras de condicionalidades aplicadas de forma cada vez mais padronizada aos diversos países e regiões do mundo, para obter o apoio político e econômico dos governos centrais e dos organismos internacionais. Trata-se também de políticas macroeconômicas de estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes124.

124

TAVARES; Maria da Conceição; FIORI, José Luís. Desajuste global e modernização conservadora. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993, p. 18.

O Consenso de Washington serve como referencial de determinação das políticas iniciadas por Thatcher e Reagan e formaliza a inversão das atuações do FMI e do Banco Mundial, podendo ser utilizado como marco para a consolidação do neoliberalismo.