• Nenhum resultado encontrado

3. A NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DA DEFENSORIA PARA GARANTIR O

3.1. INTERVENÇÃO EXTRAJUDICIAL:

3.1.1. A experiência da Câmara de Resolução de Litígios em Saúde CRLS

Merece especial destaque a experiência do Estado do Rio de Janeiro, que adotou uma postura colaborativa ente os entes federativos e as instituições relacionadas, a fim de criar uma Câmara que pudesse analisar, de forma conjunta e integrada, as demandas de saúde, promovendo resolução administrativa dos casos que assim comportem resolução.

Trata-se da Câmara de Resolução de Litígios em Saúde (CRLS), criada pelo Termo de Convênio nº 003/0504/2012, de 12 de junho de 2012, reunindo a Procuradoria Geral do Estado, a Secretaria de Estado de Saúde, a Defensoria Pública do Estado, o Tribunal do Justiça do Estado, o Município do Rio de Janeiro, sua respectiva Procuradoria e Secretaria Municipal de Saúde, a União Federal e a Defensoria Pública da União. Deve notar-se que nem a Advocacia Geral da União, e nem o próprio Ministério da Saúde, embora signatários do protocolo de intenções, não compõem a iniciativa.

O espectro de atuação abrange todas as demandas de saúde, incluindo aquelas a respeito de oferta de medicamentos, foco do presente estudo, mas também o agendamento de consultas médicas e procedimentos cirúrgicos, bem como de exames médicos, além de internações, transferências, fornecimento de insumos e outros equipamentos, home care, dentre outros.

Tal iniciativa tem como atribuições a especialização e personalização do atendimento do assistido, que tem acesso por meio da DPE ou DPU, bem como o acesso ao provimento justo mais célere e resolutivo, diminuição do número de ações judiciais, em conjunto com uma maior racionalidade nas ações necessárias. Além disso, também é uma atribuição da Câmara fornecer um norte ao poder público para quando da elaboração dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), seja por meio da formulação de propostas, ou mesmo por meio dos relatórios divulgados periodicamente.

Cerca de sessenta e sete profissionais atuam na Câmara, entre assessores, médicos, farmacêuticos, enfermeiros, nutricionistas, assistentes sociais, defensores públicos e estagiários, das Secretarias Estadual e Municipal de Saúde e das Defensorias do Estado e da União.

O procedimento de atendimento segue um fluxo específico, no qual o primeiro contato do assistido é com o assistente social, responsável po realizar uma triagem prévia, verificando a atribuição da Defensoria Pública do Estado ou da União, bem como analisando a presença de documentos importantes para cada demanda, sendo que o laudo médico e a prescrição do referido medicamento são fundamentais para a adoção de qualquer medida. Além disso, reputa- se como de relevante importância os documentos capazes de comprovar a hipossuficiência da parte, o que, entretanto, não é fundamental para toda e qualquer medida.

Essa divisão de atribuição é realizada pelas próprias Defensorias, de modo que à DPU reservam-se os casos abaixo:

i) Quaisquer atendimentos relacionados aos pedidos de medicamentos e insumos nas hipóteses em que o assistido já recebe tratamento em instituições de saúde e hospital federais, independentemente do ente federativo responsável pelo fornecimento do produto pretendido;

ii) Quaisquer atendimentos relacionados aos pedidos de medicamentos em que não exista PCDT estabelecidos;

iii) Atendimentos com apresentação de laudo médico com suspeita ou diagnóstico de câncer de qualquer tipo, independente da pretensão.

Por outro lado, reserva-se à DPE os atendimentos relacionados aos pedidos de medicamentos e insumos em que já exista PCDT estabelecido, ainda que o medicamento pretendido não conste nas listas de dispensação do Estado ou Município.

A partir desse momento de definição de atribuição, há independência de cada Defensoria para tratar da demanda, em observância ao princípio institucional de independência funcional. De fato, há alguns pontos em que não há identidade entre o tratamento das demandas por parte de cada Defensoria, como será objeto de análise a seguir.

3.1.1.1.PROCEDIMENTO ADOTADO PELA DPE

Inicialmente, trataremos da condução do procedimento por parte da Defensoria Pública do Estado, na qual após encaminhamento da triagem, o assistido é atendido por profissionais vinculados à Secretaria Municipal de Saúde. Nesse momento, é realizada uma análise técnica, com emissão de parecer a respeito da pretensão do cidadão, mediante análise dos documentos apresentados, bem como se o referido medicamento pode ser obtido de forma administrativa sem maiores problemas. Caso a resposta para a última pergunta seja positiva, o assistido é direcionado a um centro de distribuição do medicamento pleiteado, mediante carta de direcionamento, e não chega a ter contato com os funcionários da Defensoria Pública em si, de modo que não se torna assistido. Até este momento, portanto, não há análise efetiva da condição de hipossuficiência daquele que é atendido.

Caso contrário, na hipótese de impossibilidade do fornecimento de forma administrativa, ou mesmo nos casos de retorno do cidadão que não obteve o medicamento mediante a carta de direcionamento, o caso passa a ser tratado diretamente com os funcionários da DPE, que por sua vez elaboram, no próprio atendimento, a petição inicial do caso do assistido, e procedem à distribuição após assinatura do Defensor Público de plantão. Para tal medida, se faz necessária análise da hipossuficiência, para concessão ou não da assistência jurídica gratuita.

O acompanhamento do assistido, no caso de necessidade de retornos, é realizado em local distinto, no próprio prédio da Defensoria Pública Estadual, não muito distante do local da CRLS. De qualquer forma, esses casos já saem da esfera da CRLS, e passam a ser tratados exclusivamente pela Defensoria.

É um procedimento mais célere do que o adotado pela DPU, que será analisado no tópico seguinte, porém, ocasiona em pouco controle por parte da Defensoria a respeito da obtenção ou

não da pretensão de cada assistido. Isso se justifica em razão de não haver, em âmbito estadual, um sistema de informações próprio, utilizando-se apenas do sistema integrado da CRLS.

3.1.1.2.PROCEDIMENTO ADOTADO PELA DPU

No procedimento da Defensoria Pública da União, existem certas particularidades, que podem ser verificadas em razão da existência de um sistema próprio de informações, denominado de SISDPU. Dessa forma, logo após a triagem, é um funcionário – em geral, terceirizado, ou estagiário de direito, que realiza o atendimento do assistido. Nesse sistema é realizado um novo cadastro, independente do realizado no sistema da CRLS, em que se detalham, por meio da narrativa, as pretensões do assistido. Logo após ocorre a distribuição imediata e automática a um Defensor Público.

Interessante observar que no prédio da CRLS não se encontra nenhum Defensor Público Federal, de modo que todos têm seus locais fixos de trabalho na sede, a poucas ruas de distância, mas em todo caso, já pode-se perceber certo distanciamento destes para com o assistido. Tal situação é possibilitada pelo sistema informatizado, que permite a rapidez na comunicação, bem como ao processamento eletrônico de eventuais petições iniciais.

Após tal cadastro, o assistido retorna à sala de espera, onde será chamado para apresentação do parecer técnico, sendo liberado logo após. É importante observar que até este momento, em razão de não haver, em regra, manifestação do Defensor Federal neste intervalo curto de tempo, não é realizada análise da condição de hipossuficiência do assistido. Assim, apesar de haver a necessidade de apresentação de documentos relativos à comprovação de renda, os mesmos não foram analisados, e considerando que apenas o Defensor Público natural que pode deferir ou não a assistência jurídica, essa análise passa a ser realizada em momento posterior à análise pelo corpo técnico da CRLS.

A etapa seguinte consiste na análise, por parte do Defensor, do parecer técnico elaborado, quem, por sua vez tem a possibilidade de envio de ofícios, bem como de solicitar ao assistido que compareça a determinado endereço em que porventura seja disponibilizado o medicamento buscando efetivar sua pretensão. No caso de insucesso, ou mesmo do apontamento, por parte do Parecer técnico do não fornecimento do medicamento ou da sua disponibilização apenas para outro grupo de patologias, o Defensor procederá à elaboração da petição inicial relativa àquela demanda, mantendo o assistido informado, via de regra por meio

de contato telefônico, a respeito de todas as movimentações realizadas no processo. Além disso, tudo será registrado no sistema próprio.

Os retornos dos assistidos são realizados no mesmo local, a única particularidade é que não será necessária nova análise por parte da triagem, nem mesmo realização de nova análise técnica recebendo senha de chamada para atendimento diferenciada. Todavia, continua-se utilizando ambos os sistemas para cadastramento desses retornos, mesmo que seja para simples atualização de laudos e prescrições médicas, por exemplo.

Percebe-se, assim, que o procedimento adotado pela DPU, talvez por lidar com casos mais dificultosos de resolução administrativa, é dotado de maiores formalidades, que permite, tanto ao Defensor quanto ao próprio assistido, um maior controle da demanda. Além disso, todo e qualquer atendimento relativo à saúde, no Município do Rio de Janeiro, é realizado neste local, não se utilizando da sede da DPU para tais demandas.

3.1.1.3.PARECER TÉCNICO

Após o atendimento inicial, conforme delineado acima, da DPU ou da DPE, é procedida a análise técnica, com posterior emissão de parecer, a respeito da demanda daquele assistido. Tal parecer pode ser elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) ou pela Secretaria Estadual de Saúde (SES), a depender do tipo de medicamento cujo fornecimento está sob sua gestão, seguindo a regra: à SES cabe análise dos medicamentos constantes na CEAF, e à SMS cabe os medicamentos constantes na CBAF, além de exames pré-requisito para o CEAF.

Existem quatro situações possíveis que os Pareceres podem englobar:

i) O medicamento pleiteado encontra-se na lista de dispensação de um dos entes e possui fornecimento regular, de forma que há o mero encaminhamento do assistido ao local de dispensação do medicamento, com orientações para retirada;

ii) O medicamento pleiteado encontra-se na lista de dispensação de um dos entes, porém, conta com fornecimento irregular, tornando-o indisponível. O acesso das Secretarias de Saúde é imediato ao estoque, para possibilitar o fornecimento de informações mais precisas aos assistidos.Tais casos, em geral, são passíveis de ajuizamento de demandas judiciais;

iii) O medicamento pleiteado não se encontra em lista de dispensação de nenhum dos entes, não sendo, portanto, padronizado pelo SUS. Via de regra, tais casos também tem a ação judicial como destino;

iv) O medicamento pleiteado é fornecido pelo SUS, por um dos entes, porém, não é disponibilizado para a patologia descrita no laudo médico.

No primeiro caso, resta uma evidente maior facilidade de resolução extrajudicial, tendo em vista que se há dispensação do medicamento em determinado local para a patologia que acomete o assistido, não há qualquer necessidade de demandar judicialmente. Nos demais casos, há uma tentativa de substituição da medicação, para aquela que é padronizada e possui fornecimento regular, a ser realizada pelo médico que assiste o assistido em qualquer Unidade Básica de Saúde (UBS) ou Hospital que frequente.

No caso de possibilidade de substituição sem prejuízos ao tratamento, encontra-se mais um dos casos de resolução extrajudicial, em que não foi necessária a inclusão de demanda judicial em razão de negociação das partes. As estatísticas de resolução administrativas apontadas pela CRLS são ótimas, conforme se demonstrará a seguir, tendo como base esses tipos de casos mencionados até então.

A grande dificuldade de resolução administrativa por parte da CRLS se dá nos demais casos, em que não é possível substituir a medicação por outra que conste nas listas do SUS, seja por ineficácia, ou mesmo por reações adversas. Nesses casos, dificilmente existe a possibilidade de solução extrajudicial, tendo em vista que, segundo as normas de regência do tema, o gestor público não está autorizado a fornecer medicamentos fora da RENAME. Em que pese tal norma administrativa não dever comportar o esvaziamento do próprio direito subjetivo do cidadão (PERLINGEIRO, 2013), é o que eventualmente ocorre nestes casos, cuja solução pode ser encontrada por via judicial, a despeito de todas as suas problemáticas.

3.1.1.4.OS NÚMEROS DA CRLS

Por meio do relatório consolidado da CRLS, emitido pela Subsecretaria Jurídica, vinculada à SES, que trata do período de 2014 a 2017 (de janeiro a março), é possível perceber um aumento progressivo e relevante na taxa de resolução administrativa das demandas, conforme demonstra o quadro abaixo:

ANO TOTAL DE ASSISTIDOS TOTAL ENCAMINHAMENTO ADMINISTRATIVO (%) TOTAL ENCAMINHAMENTO DEFENSORIA (%) 2014 8.958 34,34% 65,66% 2015 10.827 45,19% 54,81% 2016 13.644 53,82% 46,18% 2017 (jan - mar) 14.106 54,60% 45,40%

Tabela 3: Relatório Consolidado CRLS

No que se refere aos produtos mais solicitados no ano de 2016, os medicamentos aparecem em 47,3% das demandas, um percentual considerável, eis que a Câmara lida com todo o tipo de pretensão de saúde. Desse total, 44,19% dos casos foram solucionados de forma administrativa, sem necessidade de provocação judicial.

Além disso, percebe-se também o aumento progressivo de pessoas que chegam à CRLS com suas demandas de saúde. Em três meses do ano de 2017 já houve superação do número total de assistidos recebidos no ano anterior. Esse quadro aponta que, há claro sucesso na resolução extrajudicial de conflitos, atingindo o objetivo da Câmara – diminuição de demandas judiciais, mas também denotam um comodismo acentuado por parte do Poder Público, que parece eximir-se de atuar sem que tenha sido percebida qualquer movimentação por parte do cidadão para obtenção de seus direitos.

Em assim sendo, o levantamento apresentado é eficaz também para permitir que se questione a respeito da eficiência do modelo atual de políticas públicas, levando-se em consideração que cada vez mais pessoas precisam recorrer à ação da DPE ou da DPU para que tenham seu direito à saúde efetivado – ou parte dele, considerando as dimensões e o conceito amplo de saúde.

3.1.1.5.PREMIAÇÃO

Na XI edição do Prêmio Innovare, no ano de 2014, a CRLS foi premiada com o primeiro lugar, tendo sua relevância reconhecida. As razões da premiação mencionam a inovação da prática adotada, a fim de diminuir a judicialização da saúde, mediante o encorajamento da resolução extrajudicial. Além disso, é apontado como um dos fatores de sucesso da prática a “consensualidade, empenho dos órgãos envolvidos e a despolarização dos atores envolvidos

nas demandas judiciais de saúde pública, a partir da construção de soluções de incorporam as visões de todos os órgãos”44.

Além disso, é assentado que a maior dificuldade encontrada reside na pouca confiabilidade da população na solução administrativa e consensual em face da crença depositada no título judicial. Para combater tal dificuldade, foi considerado, mediante estudo realizado pela PGE, a maior celeridade na resolução e fornecimento de medicamentos quando confrontado com as demandas judicializadas.

Por fim, assumiu-se, na premiação, que as demandas recebidas também contribuem para identificação dos problemas de abastecimento da rede, bem como eventuais inconsistências no atendimento, de modo a possibilitar aos gestores a correção das falhas.

Documentos relacionados