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3. A NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DA DEFENSORIA PARA GARANTIR O

3.2. JUDICIAL

Esse fenômeno deriva da afirmação do direito à saúde como mínimo existencial e não é por outra razão que não constitui qualquer afronta à separação dos poderes, tendo em vista que a jurisdição constitucional se presta, justamente para efetivar os direitos constitucionalmente garantidos. Apesar disso, deve ser entendido como última medida a fim de garantir o acesso à justiça e, consequentemente, à saúde, apenas quando restaram infrutíferas as tentativas extrajudiciais de resolução.

Os casos de judicialização extremamente desnecessários, com provimentos positivos ao cidadão em praticamente todos os casos, são os que pleiteiam medicamentos incluídos na RENAME, ou nas listas de dispensação de medicamentos de cada ente, que possuem o fornecimento irregular ou ausência de estoque. Nesses casos, o ente já se comprometeu a fornecer o medicamento, de modo oficial, e não está cumprindo com seu dever.

Em alguns desses casos, até mesmo após a condenação, por parte do Poder Judiciário, ao fornecimento do medicamento, os poderes públicos mantem-se inertes, alegando, reiteradas vezes, a ausência de estoque, ou eternos procedimentos de compra que jamais se efetivam. Em regra, nessa situação, não é raro que a Defensoria Pública solicite ao magistrado o bloqueio de contas do entre responsável (ou dos demais, considerando que há responsabilidade solidária, já analisada), ou a expedição de Requisição de Pequeno Valor (RPV) para que o assistido realize a compra do insumo de que necessita.

Há, ainda, os casos em que a simples judicialização da pretensão já foram suficientes para fornecimento do medicamento por parte do Poder Público, antes mesmo de uma ordem judicial que os obrigasse a disponibilização (ALO, 2017, p. 80)46.

Esses provimentos individuais não são a melhor saída. Existem muitas críticas, mas que diante de um quadro de total ineficiência das políticas públicas, é por meio delas que tem se garantido alguns dos direitos relativos a dignidade da pessoa humana.

Assim, da mesma forma em que existem restrições, há também os excessos na concessão de tutelas, ocasionando em uma falta de segurança jurídica ao cidadão, eis que não existem critérios decisórios claros, ou mesmo vinculantes. Existe, dessa forma, a possibilidade de um cidadão solicitar o medicamento específico de que necessita e obter um provimento

46 Levantamento realizado pelo Defensor Público Federal Bernard dos Reis Alo, lotado no núcleo Regional de

Niterói, em tese de mestrado, intitulada “O papel da Defensoria Pública na desjudicialização do direito à saúde”, apresentada na Universidade Federal Fluminense, no programa de Pós Graduação Em Sociologia e Direito., já mencionado anteriormente.

jurisdicional positivo, inclusive mediante tutela de urgência, enquanto outro, que pleiteia o mesmo medicamento, padecendo da mesma patologia, ao deparar-se com um juízo mais restritivo receber apenas decisões negativas.

Diante da previsão recente legitimadora da Defensoria Pública à proposição de ação civil pública, urge constatar que a opção pelas ações coletivas, em especial nas hipóteses de medicamentos não dispensados pelo SUS, faz-se mais adequada, tendo em vista que tem por objeto não a prestação individualizada, mas a inclusão dos medicamentos mais relevantes e solicitados pelos assistidos nos protocolos de tratamento.

Desse modo, a atuação da Defensoria Pública via judicial ainda é consideravelmente expressiva, em especial na Defensoria Pública da União, em razão dos casos em que o Poder Público ou recusa-se a adimplir obrigação firmada nos decretos e regulamentos que tratam das responsabilidades de cada ente para assistência farmacêutica, ou na dificuldade de conciliar os interesses particulares e os públicos sem um provimento judicial. Apesar disso, cada vez mais relevância assumem as tentativas que buscam a desjudicialização da saúde, a exemplo da CRLS, devendo receber estímulos constantes para crescimento e desenvolvimento.

CONCLUSÃO

No presente trabalho, buscou-se analisar o efetivo papel desempenhado pela Defensoria Pública como garantidora do direito à saúde para a população hipossuficiente, mediante a concretização do acesso à justiça, em especial de forma extrajudicial, com descrição da iniciativa da Câmara de Resoluções de Litígios em Saúde do Estado do Rio de Janeiro.

Para tal, inicialmente foi necessário abordar brevemente o histórico, processo de constitucionalização e normatização de cada um desses direitos sociais, de modo que, considerou-se que a paradigmática Constituição de 1988, em resposta ao apelo social, foi pioneira e inovadora ao reservar status de direito fundamental à diversos direitos subjetivos do ser humano, em especial o direito do acesso à justiça e o direito à saúde, ambos direitos sociais de segunda dimensão. Não apenas a referida Carta os elevou ao status de máximo prestígio dentro do ordenamento jurídico como também conferiu características amplas à tais direitos, tornando-se, em ambos os casos, uma expressão da vanguarda no tratamento à nível mundial: A Defensoria Pública, alçada e consolidada como instituição permanente, de defesa dos direitos humanos, e o Direito à Saúde, um direito universal e integral aos cidadãos, compreendendo a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Além disso, foi realizada constatação a respeito da materialização deficiente de ambos os direitos, que a despeito de ampla e brilhantemente normatizados, possuem severa dificuldade de efetivação, dependendo não só de uma postura da Administração Pública que de fato se preocupe com a elaboração de políticas sociais conscientes, mas também de uma postura ativa da própria sociedade, mediante o exercício da cidadania.

Nessa toada, foi analisada, ainda, parte da legislação aplicável à assistência farmacêutica, como parte integrante das políticas públicas de saúde, considerando, ainda, a distribuição de competência entre os entes, de forma não vinculante ao particular, denotando a responsabilidade solidária entre os entes públicos. Constatou-se que os programas de assistência farmacêutica surgem com a finalidade de efetivar parte do conceito de saúde proposto pela OMS, visando, evidentemente, aqueles pacientes que não possuem condições de arcar com os medicamentos de que necessitam, para dar continuidade aos seus tratamentos.

No âmbito da assistência farmacêutica, consolidou-se que para certos tipos de patologias, não se notam tantas dificuldades na obtenção dos mesmos, porém, quando se trata de uma multiplicidade de patologias, ou mesmo uma mais complexa, que demande insumos e medicamentos mais custosos, mesmo que estejam padronizados nas listas de dispensação por

meio do Sistema Único, sua obtenção é obstaculizada ao máximo. Afirmou-se, ainda, que tal cenário é agravado quando as normas regulamentares, editadas pelo próprio poder executivo, que restringem o conceito de integralidade imaginado pela Constituição, não contemplam os fármacos necessários aos tratamentos.

Em seguida, delineou-se as bases para justificar o fenômeno da judicialização da saúde, apontando algumas das falhas geradas por tal massividade de demandas, porém, concluindo pela a manutenção de sua utilização como última saída a fim de garantir o pleno exercício do direito à saúde, e, simultaneamente, pela adoção dos modelos de resolução extrajudicial de demandas de saúde como procedimento padrão.

Para tal, considerou-se que à população que não dispõe de vastos recursos financeiros, quando obstado o fornecimento de tratamento pela via pública, restam duas situações: não realização tratamento adequado, padecendo de todas as consequências que a falta de opção lhe encarregou, ou, nos casos mais privilegiados, busca de auxílio jurídico para que possa obter o fornecimento, pela administração pública, de forma compelida. Justificou-se que em razão de incompleta efetivação do acesso à justiça, não é toda a população hipossuficiente que alcança a Defensoria Pública, restando amparado o uso da expressão privilégio neste caso.

Foi apresentado, ainda, que a Defensoria Pública, nesse cenário, atua como importante instituição de promoção do acesso à justiça e de efetivação dos direitos à saúde, demonstrado, inclusive, por dados estatísticos atuais, ao mesmo tempo em que se consolida e reafirma institucionalmente. Em assim sendo, foi destacada a crescente atuação extrajudicial da Instituição, utilizada, em especial, para frear a intensa e repetitiva judicialização da saúde. Desse modo, apresenta-se como alternativa para que sejam evitados os infortúnios da jurisdição, mas, ao mesmo tempo, e principalmente, para que sejam garantidos os direitos subjetivos de seus assistidos, em especial na assistência farmacêutica, onde se percebe a maior parte das demandas, e, também, a maior parte da resolução administrativa.

Asseverou-se que a judicialização das demandas de saúde não pode ser vista como espécie de “vilã”, posto que ainda é a responsável por garantir à parte da população usuária e dependente do sistema público de saúde, seus direitos básicos quando impossíveis de resolução administrativa. Anotou-se esperar, por outro lado, que sejam priorizados os modelos que congregam esforços das Instituições e órgãos públicos, tal como o observado na Câmara de Resolução de Litígios do Rio de Janeiro, cujo funcionamento e estrutura foram examinados, para resolução extrajudicial de tais demandas, passando a considerar a necessidade de decisão judicial – alocativa de recursos por parte do Poder Judiciário – como uma exceção, ao mesmo tempo em que seja estimulado ao gestor público uma melhor condução do orçamento.

Pelo exposto, conclui-se que a Defensoria Pública exerce um papel de extrema relevância como garantidora da tutela da saúde, ao mesmo tempo em que busca afirma-se a si própria, inclusive por meio de iniciativas extrajudiciais, de modo a reduzir, progressivamente, o número de demandas sob o modelo de litigância, reduzindo-as aos casos excepcionais.

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