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2. O DIREITO À SAÚDE E A RESPONSABILIDADE ESTATAL

2.2. ARCABOUÇO NORMATIVO E POLÍTICAS PÚBLICAS

2.2.3. Atos normativos essenciais à assistência farmacêutica

O acesso universal aos medicamentos está previsto, inicialmente e de forma expressa, na Lei do SUS31. Além disso, na redação do decreto que regulamenta a Lei do SUS, é disposto que a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, RENAME, compreende a seleção e padronização de medicamentos indicados para tratamento de doenças no âmbito do SUS, cujo órgão competente para atualizar e dispor sobre é o Ministério da Saúde. A este órgão, portanto, corresponde a responsabilidade de elaboração da RENAME, por meio da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC), com atualização a cada dois anos a fim de considerar as tecnologias a serem incorporadas ou retiradas.

30 Art. 28. O acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica pressupõe, cumulativamente:

I - estar o usuário assistido por ações e serviços de saúde do SUS;

II - ter o medicamento sido prescrito por profissional de saúde, no exercício regular de suas funções no SUS; III - estar a prescrição em conformidade com a RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou com a relação específica complementar estadual, distrital ou municipal de medicamentos; e

IV - ter a dispensação ocorrido em unidades indicadas pela direção do SUS.

§ 1o Os entes federativos poderão ampliar o acesso do usuário à assistência farmacêutica, desde que questões de saúde pública o justifiquem.

§ 2o O Ministério da Saúde poderá estabelecer regras diferenciadas de acesso a medicamentos de caráter especializado.

31 Brasil. Lei nº 8.080/90. Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS)

A seleção dos medicamentos para composição desta relação baseia-se nas prioridades nacionais de saúde, na segurança e eficácia terapêutica comprovada, na qualidade e disponibilidades dos produtos (RENAME, 2017). É com base nesta relação que os entes federativos elaboram suas listas de dispensação oficial, observando, sobretudo, as necessidades locais, conforme análise da CONITEC. Dessa forma, cada ente terá sua própria relação de medicamentos essenciais.

Para estabelecimento das diretrizes nacionais da RENAME foi editada a Resolução nº 1 de 2012 da Comissão de Intergestores Tripartite, do Ministério da Saúde, que indica a composição da lista, dividida entre as espécies abaixo, sendo desconsideradas, nesta análise, as Relações de medicamentos uso hospitalar e de insumos farmacêuticos32:

a) Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF), cuja responsabilidade de financiamento é dos três entes federados33, porém a responsabilidade de aquisição e fornecimento à população é do MUNICÍPIO. Existem algumas a certos tipos medicamentos básicos que são de fornecimento por parte do Ministério da Saúde, tais como insulinas e contraceptivos.

b) Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica (CESAF), que destinam-se ao controle de doenças com potencial impacto endêmico, muitas vezes relacionadas a situações de vulnerabilidade social e pobreza. A responsabilidade de financiamento e compra é do Ministério da Saúde, enquanto que aos Estados cabe o recebimento e o armazenamento e aos Municípios, a distribuição;

c) Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), que se ocupa dos tratamentos cujo custo seja mais elevado ou de maior complexidade. A complexidade se repete na análise das regras de financiamento desse componente, que é dividido em grupos e subgrupos, mantendo uma espécie de divisão equânime de responsabilidades entre os três entes.

Deve-se levar em consideração, ainda, que para a utilização de cada medicamento destes listados, devem ser observadas as condições de uso dispostas nas diretrizes publicadas pelo

32 Redação do artigo 4º da referida resolução, elaborada pela Comissão Tripartite, em âmbito do Ministério da

Saúde. A opção pela desconsideração das duas últimas espécies de listas de padronização decorre da intenção do presente estudo em analisar apenas o fornecimento de medicamentos, que dependam de esforços do próprio paciente para aquisição, e não via administração hospitalar, no qual o paciente encontra-se sob responsabilidade daquele.

33 Segundo o ANEXO 1 da RENAME 2017, o governo federal deve repassar, no mínimo, R$ 5,10/habitante/ano,

Ministério da Saúde, por meio dos Formulários Terapêuticos, cujo objetivo principal é orientar as escolhas terapêuticas para o uso de medicamentos. Para tal, deve basear-se em evidências científicas, incluindo, ainda, indicação, contraindicação, precauções, efeitos adversos, interações medicamentosas, armazenamento e orientações específicas direcionadas aos profissionais de saúde (MANZINI et al, 2015).

Além desses formulários abordados acima, podem ser citados também os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs), que dispõem uma ordem de tratamentos a serem observados para cada patologia, criando linhas de opção, sendo a primeira linha consistente no tratamento mais indicado, com maiores índices de eficácia, analisado em conjunto com o custo do mesmo, evidentemente.

Nesse sentido, portanto, os Protocolos têm função de minimizar a variabilidade da prescrição de medicamentos por parte dos profissionais, o que é, de fato, almejado para melhor gestão da própria assistência farmacêutica. Ocorre que existem algumas patologias que nem mesmo a primeira linha de tratamento encontra-se disponibilizada pelo SUS, ou, ainda, em outros casos, o uso de um medicamento é previsto para uma condição de saúde específica, porém não padronizado para outra, sem que sejam previstos outros tipos de tratamento, ou que tenham se esgotado.

Pela análise da repartição de competências acima destacada, percebe-se que na maioria dos casos é extremamente dificultoso direcionar os pedidos administrativos, ou mesmo eventuais ações judiciais a apenas um ou outro ente federativo. Na obtenção dos medicamentos por parte do paciente, é necessária uma análise acurada por parte dos médicos assistentes, para corretamente direciona-lo – quando ocorre – a uma unidade de fornecimento adequada, de modo que a simples análise do RENAME não seria suficiente, devendo observação também dos PCDTs de cada patologia.

Em assim sendo, após análise dos atos normativos complementares, imperioso anotar observação realizada por Ordarcgy (2009, p. 25), quando da análise dos aspectos jurídicos das tutelas de saúde, reafirmando o entendimento defendido desde o princípio, mediante a defesa da tese de que devem considerar-se incluídas no direito fundamental à saúde também os medicamentos e tratamentos não contemplados administrativamente pelo SUS, sem que isso configure um uso irracional dos mesmos, em razão do caráter imperativo da norma constitucional face às normas regulamentares administrativas.

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