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2. O DIREITO À SAÚDE E A RESPONSABILIDADE ESTATAL

2.4. ATUAL ESTADO DA SAÚDE PÚBLICA: JUDICIALIZAÇÃO

Em que pese alguns juristas considerarem a normatização um dos pontos positivos do sistema de saúde brasileiro, pode ser apontado que a consecução dos objetivos fundamentais do Sistema Único de Saúde resta prejudicada diante da visão extremamente normatizadora, que não goza da fluidez necessária ao tema, de maneira que o arcabouço jurídico seria avesso à velocidade e transdisciplinaridade (SILVA, WAISSMANN, 2005).

Logo, apesar do SUS consistir no maior e mais regulamentado sistema de saúde do mundo, existem dificuldades crescentes na materialização desse direito social que impedem uma cobertura realmente integral.

Uma das causas apontadas por TORRES (2008) para o sub-financiamento do SUS refere-se ao anômalo sistema de contribuições sociais, que não encontraria paralelo no direito comparado. Por outro lado, Vial e Oliveira37 (2008, p. 284), ao analisarem o relatório elaborado pela Comissão Nacional de Determinantes Sociais em Saúde, atentam para o fato de que há uma baixa articulação entre programas e ações de saúde, percebendo uma fragmentação e redundância das ações, além de baixa coordenação entre os executores.

Evidentemente podem ser destacados diversos outros entraves que impedem a plena efetivação do Sistema Único de Saúde, tais como as dimensões continentais do país, o histórico de desenvolvimento do acesso à saúde, tendo deixado, por muitos anos, uma parcela considerável da população longe da saúde pública, o próprio modelo de financiamento público adotado em relação aos planos de saúde, na modalidade de isenções fiscais, dentre outros.

37 Profª, Drª Sandra Regina Martini Vial, diretora da Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul, e Christiano

Augusto Seckler de Oliveira, advogado, ao elaborarem artigo para a Revista da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no ano de 2008.

Percebe-se um verdadeiro Estado de Coisas Inconstitucional38, tendo em vista a existência de um quadro de violações generalizadas e sistêmicas do direito fundamental à saúde, a um grupo significante de indivíduos, com potencialidade de congestionamento da justiça mediante o recurso individual, apesar de ainda não declarada pela Suprema Corte.

Dessa forma, considerando que a execução de ações de assistência médica terapêutica e, especialmente, farmacêutica não é adequada, aliado ao entendimento conferido pela Constituição da República que é obrigação do Estado o fornecimento de saúde, lato senso, a todo e qualquer cidadão brasileiro e estrangeiro aqui domiciliado, de forma igualitária e isonômica, na ausência desse fornecimento, considerando as funções e princípios que regem o Poder Judiciário, é certo afirmar que este está compelido a conferir efetividade às normas contidas no artigo 5º da Constituição da República, notadamente os direitos fundamentais, sem que isso acarrete em ofensa ao princípio da separação dos poderes, a fim de garantir o mínimo existencial.

Perlingeiro (2013, p. 542), na análise do tema em questão, traça um paralelo entre a reserva do possível e o mínimo existencial, ressaltando que aquela está relacionada à uma prerrogativa do legislador para escolha de priorização entre benefícios sociais para financiamento, o que não implica na limitação ou restrição de direitos subjetivos existentes e exigíveis. Dessa forma, conclui que a margem de discricionariedade do legislador é de incogitável oposição em face de um mínimo existencial39.

Tal entendimento é o que dá origem à judicialização da saúde, que tem origem na demanda por fornecimento gratuito de medicamentos relativos à pacientes com HIV/AIDS, sendo, à época garantido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em decisões40 que afirmavam a obrigação do poder público às prestações na área da saúde, em face no mínimo existencial. Porém, ao invés de determinar-se a adoção das políticas públicas necessárias e apropriadas, o que passou a ser adotado foi a adjudicação individual dos bens de saúde.

No entender de Ricardo Lobo Torres, “a insistência do judiciário brasileiro no

adjudicar bens públicos individualizados, ao revés de determinar a implementação da política

38 Instituto originário na Corte Constitucional da Colômbia, em 1997 para descrever uma vulneração massiva e

generalizada de direitos fundamentais de um grande número de pessoas. Para aprofundamento na temática, sugere- se: CAMPOS, 2015

39 O autor ainda realiza um paralelo com o plano internacional, a fim de delimitar o que se entende por deveres

mínimos do estado, os dividindo sob dois pontos de vista: direitos procedimentais e direitos substantivos. No que toca aos procedimentos de saúde, afirma que são considerados patamares mínimos a disponibilidade e a acessibilidade, enquanto que como direitos substantivos encontram-se obrigações de efeito imediato, como a garantir de acesso aos componentes materiais essenciais, tais quais o fornecimento de medicamentos.

pública adequada, tem levado à predação da renda pública pelas elites (...)”. Tal entendimento

não pode ser desconsiderado, pois traz uma visão crítica da concessão não balizada dessas demandas, porém, por outro lado, não pode ser desconsiderado que existe um direito subjetivo, previsto constitucionalmente, consolidando verdadeiras políticas públicas que não são efetivadas pelo Poder Público, o que gera a necessidade da intervenção jurisdicional, na maior parte dos casos.

É em razão desse posicionamento que é possível perceber as faces negativas da judicialização, tendo em vista que é apenas mediante o acesso à justiça que alguns cidadãos conseguiam concretizar seus direitos. Levando-se em consideração as falhas de implantação do próprio acesso à justiça, o direito à saúde, por sua vez, passou a ser cada vez mais mitigado e de difícil acesso.

3. A NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DA DEFENSORIA PARA GARANTIR

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