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O papel do Defensoria pública como garantidora do direito à saúde: uma análise da potencialidade da resolução extrajudicial

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FACULDADE DE DIREITO

CAROLINE CORREIA KRUGER

O PAPEL DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO GARANTIDORA DO DIREITO À SAÚDE: UMA ANÁLISE DA POTENCIALIDADE DA RESOLUÇÃO

EXTRAJUDICIAL

NITERÓI 2017

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O PAPEL DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO GARANTIDORA DO DIREITO À SAÚDE: UMA ANÁLISE DA POTENCIALIDADE DA RESOLUÇÃO

EXTRAJUDICIAL

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito.

ORIENTADOR: PROF. DR. CLEBER FRANCISCO ALVES

NITERÓI 2017

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Universidade Federal Fluminense Superintendência de Documentação

Biblioteca da Faculdade de Direto K94 Kruger, Caroline Correia.

O papel do Defensoria pública como garantidora do direito à saúde: uma análise da potencialidade da resolução extrajudicial / Caroline Correia Kruger. – Niterói, 2017.

60 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Federal Fluminense, 2017.

1. Acesso à justiça. 2. Defensoria pública. 3. Direito à saúde. 4. Litígios. 5. Saúde. 6. Judicialização da política. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Direito, Instituição responsável. II. Título.

CDD 341.2

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O PAPEL DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO GARANTIDORA DO DIREITO À SAÚDE: UMA ANÁLISE DA POTENCIALIDADE DA RESOLUÇÃO

EXTRAJUDICIAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Cleber Francisco Alves

Aprovada em 20/12/2017.

_________________________________________ Orientador: Profº. Drº. Cleber Francisco Alves

_________________________________________ Examinador: Renan Vinícius Sotto Mayor de Oliveira

_________________________________________ Examinadora: Giselle Picorelli Yacoub Marques

NITERÓI 2017

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A palavra amor é capaz de descrever cada um dos destinatários dos meus agradecimentos, seja por como são, pelo que fazem ou pelas atividades honráveis e inspiradoras que exercem.

Em primeiro lugar, agradeço com todo o meu coração à minha querida mãe, Fátima, quem jamais mediu esforços para me ajudar a alcançar tudo o que sonhei, sempre demonstrado o enorme orgulho que sente por mim. Da mesma forma agradeço meu pai, Pindaro, pela dedicação e carinho na minha criação e educação. O amor que vocês me ensinaram desde sempre permanece vivo no meu coração.

Ao Raphael, meu companheiro de todos os momentos, por ser o melhor presente que a vida poderia me proporcionar. Por tudo e mais um pouco: pelo apoio, pela amizade, pelo amor, pela companhia, pelo incentivo. Que os muitos anos que teremos juntos pela frente sejam sempre de conquistas compartilhadas.

Ao Antonio, amigo mais fiel, quem entende cada sentimento que passa por mim, irmão de outra família, que initerruptamente me dá forças para continuar. À Beatriz, por estar sempre disposta, com uma palavra de carinho, nas horas em que mais precisamos. Aos demais amigos da Faculdade de Direito, a companhia de vocês foi fundamental para que esses cinco anos tenham corrido da melhor forma possível, meu muito obrigada

Aos amigos e supervisores dos meus estágios, em especial na Defensoria Pública da União, instituição pela qual nutro extrema admiração. Agradecimento especial ao Defensor Público Federal Renan Sotto Mayor, e à Carol, da CRLS, pela ajuda com material e esclarecimentos a respeito da Câmara de Resoluções de Litígios em Saúde no Rio de Janeiro.

Ao meu orientador, professor e Defensor Público Cleber Francisco Alves, pelas inspiradoras obras a respeito da atuação Defensorial, que me fizeram optar pela escolha do tema, bem como pela acurada orientação.

Por fim, meu muito obrigada a todos os que me ajudaram de forma direta ou indireta nesta jornada: minhas famílias – a de sangue e a que me acolheu como parte, meus professores de todo o curso e meus velhos amigos.

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A Defensoria Pública possui a nobre função de promover o acesso à justiça daqueles que não possuem recursos para tal, sem prejuízo de seu sustento, por meio da assistência jurídica integral e gratuita. Em que pese não estar completamente consolidada como previu a Constituição Federal, é responsável pela efetivação dos direitos fundamentais de milhares de indivíduos. Dentre esses direitos, especial relevo assume o Direito à Saúde, que, a despeito de amparar-se na dignidade da pessoa humana, é sistematicamente menosprezado por parte dos Poderes Públicos na atualidade, de modo a ensejar a intervenção direta da Defensoria Pública para garantir o direito subjetivo dos cidadãos. Dessa forma, a partir da combinação de material doutrinário, com a observação prática e os posicionamentos dos Tribunais Superiores, buscou-se, após breve histórico e questionamentos sobre cada um desses direitos, delinear as principais características da intervenção da Defensoria Pública como garantidora do acesso à justiça para promoção do direito à saúde, em particular no que se refere à assistência farmacêutica. Tal abordagem se dará a partir da organização e efetividade proporcionadas pela resolução extrajudicial desse tipo de demanda, seguindo uma tendência de desjudicialização, realizada especialmente pela Câmara de Resolução de Litígios em Saúde.

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The Public Defender Service has the noble function of promoting access to justice for those who does not have the resources to do so, through full legal assistance. Although not fully consolidated as foreseen in the Federal Constitution, it is responsible for protecting fundamental rights of thousands of individuals. Among these rights, the Public Health assumes an important position, which, despite protecting the dignity of the human being, is systematically underestimated by the Public Authorities nowadays. For this reason, it allows a direct intervention by the Public Defender Service to guarantee the subjective right of citizens. Based on the combination of a doctrinal analysis, with the practical observation and the positions of Supreme Court, this papers aimes to describe the main features of the Public Defender's intervention as the guarantor of access to justice in order to promote the right to public health, with special focus to pharmaceutical assistance. The approach consists in the analysis of organization and effectiveness provided by the extrajudicial resolution of this type of demand, following the trend of lessening of the jurisdiction, applied by the Extrajudicial Chamber of Health Conflict Resolution.

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ADCT: Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT: Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADI: Ação direta de inconstitucionalidade

CBAF: Componente Básico da Assistência Farmacêutica CEAF: Componente Especializado da Assistência Farmacêutica CESAF: Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica CRLS: Câmara de Resolução de Litígios em Saúde

DPE: Defensoria Pública do Estado DPU: Defensoria Pública da União

INPS: Instituto Nacional de Previdência Social OEA: Organização dos Estados Americanos ONU: Organização das Nações Unidas

PCDTs: Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas

PIDESC: Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais RENAME: Relação Nacional de Medicamentos Essenciais

STF: Supremo Tribunal Federal STJ: Superior Tribunal de Justiça SUS: Sistema Único de Saúde UBS: Unidade Básica de Saúde

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Gráfico 1

Principais áreas de atuação dos Defensores Públicos Estaduais entre 2009-2014 – Página 40

Gráfico 2

Principais áreas de atuação dos Defensores Públicos Federais entre 2009-2014 – Página 41

Tabela 3

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INTRODUÇÃO ... 10

1. ACESSO À JUSTIÇA E A DEFENSORIA PÚBLICA ... 14

1.1. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ... 15

1.2. ORIGEM E TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA E O SURGIMENTO DA DEFENSORIA PÚBLICA ... 16

1.2.1. Pré-inserção Constitucional ... 16

1.2.2 Pós-inserção Constitucional ... 18

1.3. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA DEFENSORIA PÚBLICA ... 20

1.3.1. Da existência de autonomia ... 21

1.3.2. A legitimidade para propositura de ação civil pública ... 23

1.4. A NÃO EFETIVAÇÃO COMPLETA DA DEFENSORIA ... 24

1.4.1. Superação das adversidades e efetivação de direitos ... 26

2. O DIREITO À SAÚDE E A RESPONSABILIDADE ESTATAL ... 27

2.1. BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA ... 28

2.2. ARCABOUÇO NORMATIVO E POLÍTICAS PÚBLICAS ... 30

2.2.1. Previsão constitucional ... 30

2.2.2. Previsão infra-constitucional ... 32

2.2.3. Atos normativos essenciais à assistência farmacêutica ... 33

2.3. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ... 36

2.4. ATUAL ESTADO DA SAÚDE PÚBLICA: JUDICIALIZAÇÃO ... 37

3. A NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DA DEFENSORIA PARA GARANTIR O ACESSO À SAÚDE ... 40

3.1. INTERVENÇÃO EXTRAJUDICIAL: ... 42

3.1.1. A experiência da Câmara de Resolução de Litígios em Saúde - CRLS ... 43

3.1.2. Outras práticas de resolução extrajudicial ... 50

3.2. JUDICIAL ... 51

CONCLUSÃO ... 53

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INTRODUÇÃO

A Defensoria Pública é instituição essencial à justiça na medida em que lhe foi conferida, pela Constituição da República vigente, a função típica primordial de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. É, dessa forma, um claro e inquestionável instrumento de acesso à justiça e de incremento da cidadania. Suas atribuições são expressões diretas de um regime democrático em que se busca a promoção dos direitos humanos e defesa dos direitos fundamentais.

Além disso, constitui um marco na efetivação dos direitos individuais – sejam estes civis, políticos ou sociais, bem como dos direitos coletivos. De acordo com mandamento constitucional, atua de forma ampla, não se limitando às resoluções de conflitos na esfera judicial, mas também desempenhando papel importante na órbita preventiva de conflitos, orientando juridicamente e atuando de forma extrajudicial.

É evidente, porém, que a Instituição não foi implantada de forma plena e satisfatória, como previa a Carta Constitucional, para que pudesse efetivar todas as suas funções e atribuições, em especial no que refere à integralidade da assistência a ser prestada. Em assim sendo, mesmo nas Defensorias mais estruturadas do país, como é o caso percebido no âmbito da Defensoria Pública Estadual do Rio de Janeiro, é perceptível a falta de infra-estrutura adequada, bem como do devido aparelhamento e desigualdade de tratamento com as demais funções de Estado.

Tal conjuntura pode encontrar explicação diante da função de prestação assistencial à população mais vulnerável da sociedade brasileira, que, em razão de um acesso não igualitário à instrução, falta de oportunidades e escassas políticas de inserção, dentre diversos outros fatores, permanece afastada da participação popular e da verdadeira influência na elaboração de políticas públicas. Tendo em vista os mais diversos óbices, associados, também, à falta de divulgação do trabalho realizado por esta Instituição, é possível inferir que o acesso à justiça, ainda não é uma realidade para grande parte da população brasileira.

Apesar disso, à população hipossuficiente que alcança a Defensoria Pública, é desempenhado o papel de garantir o acesso à justiça nos mais variados casos, não se limitando, para tanto, o entendimento de acesso à justiça como ingresso no Poder Judiciário, mas sim como uma acepção mais ampla, considerando o acesso à ordem jurídica justa.

No mesmo contexto encontra-se o direito à saúde, que está previsto também na Constituição Federal como um direito fundamental de segunda dimensão, sendo um direito de

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todos e um dever do Estado, devendo este assegurá-lo por meio de formulação de políticas públicas que garantam o acesso universal e igualitário. Esse conjunto de ações e serviços de saúde, desempenhados por todos os entes federativos de forma hierarquizada e regionalizada constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). A participação da comunidade, aliada ao atendimento integral a à descentralização constituem as diretrizes do sistema, que, ainda, concede espaço à iniciativa privada para atuar de forma complementar.

Atualmente, o conceito de saúde deve ser analisado por meio de uma visão ampliada, agregando fatores sociais, econômicos, e outros para a garantia do bem-estar físico, mental e social. É relevante apontar que o Direito à Saúde é entendido a partir de três dimensões principais: de promoção, proteção e de recuperação, conforme extrai-se do texto constitucional que o rege.

Em que pese o SUS ter como principal pilar o desenvolvimento de ações e estratégias para a promoção e proteção da saúde, o presente estudo tem como foco o aspecto de recuperação. O que se justifica por ser, a princípio, a mais básica das prestações, tendo em vista considerar o conceito de saúde em sua análise negativa – a ausência de doença, sendo a mais antiga das concepções adotadas no que se refere à saúde, nem por isso, porém, a que goza de plena efetivação.

É evidente, que da mesma forma que o acesso à justiça – promovido pela Defensoria Pública – o Direito Saúde, ambos direitos fundamentais, não foram efetivados da forma que pretendia a Constituição da República. As inúmeras falhas de gestão, bem como políticas públicas ineficientes não garantem o direito à saúde de forma universal e integral.

Em razão disso, considerando a fundamentalidade do Direito à Saúde, surge o fenômeno conhecido como judicialização da saúde, que consubstancia no ajuizamento de demandas prestacionais relacionadas à saúde perante o Poder Judiciário, seja no que se refere à marcação de consulta médica, transferência hospitalar, internação emergencial, fornecimento de insumos e medicamentos, dentre outros. A amplitude dessas demandas aponta para uma falha generalizada da inserção, gestão e aplicação das políticas públicas do SUS, em especial na sua dimensão de recuperação.

Tendo em vista que, apesar de seu caráter universal, a população que mais depende do SUS é a hipossuficiente, resta clara a conexão entre a atuação Defensoria Pública e a garantia do Direito à Saúde, na medida em que esta Instituição busca assegurar e efetivar o acesso dessa população social e economicamente vulnerável aos meios de saúde, tão precarizados.

É importante notar, nesse momento, que a atuação da Defensoria Pública relativa às demandas de saúde pode ser repartida em dois grandes núcleos principais: a atuação que visa

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garantir o direito do consumidor contratante de plano de saúde omisso e a atuação voltada à efetivação do direito universal à saúde por meio do próprio Sistema Único de Saúde. Essas demandas voltadas ao SUS, por sua vez, também podem ser divididas em diversas espécies, a depender da pretensão, tais como a obtenção de medicamentos, agendamento de consultas médicas, realização de transferência hospitalar, fornecimento de insumos, entre outros.

O foco do presente estudo encontra-se na atuação da Defensoria Pública no âmbito da saúde pública, efetivada por meio do SUS, e da análise de apenas uma dentre essas variedades, que consiste na assistência farmacêutica, efetuada por meio da disponibilização de medicamentos para tratamento das mais diversas condições de saúde.

Além disso, será conferido maior destaque às resoluções extrajudiciais – ou administrativas – desse tipo de litígio, em especial da Câmara de Resolução de Litígios em Saúde (CRLS), no Estado do Rio de Janeiro, com descrição e análise detalhada de seu funcionamento e dos procedimentos relativos à disponibilização de medicamentos, de maneira a frear a intensa judicialização da saúde.

Tal iniciativa se revela em um conjunto de órgãos e entidades que, por meio do diálogo institucional, tem o objetivo de promover atendimento aos necessitados por demandas de saúde, buscando, prioritariamente, a solução administrativa para a oferta de medicamentos e outras prestações. Assim, evita-se o ajuizamento de ações judiciais para os casos que podem ser facilmente resolvidos de forma administrativa.

As tentativas de frear a judicialização justificam-se na medida que que esta deve ser entendida como um problema social e, porque não, econômico, tendo em vista que causa ônus a todos os envolvidos: os assistidos, que precisam esperar por meses para ter o acesso ao medicamento de que necessitam, por vezes interrompendo o tratamento até o fornecimento efetivo que lhes permita reinicia-lo, e ao Estado, que no fim, custeia todas as instituições envolvidas no litígio e arca com os custos de adquirir medicamentos após decisão judicial, impactando no orçamento de forma não planejada.

Assim, a Defensoria Pública tem desempenhado um papel central de redirecionar as políticas públicas que são ineficazes, seja em razão da má gestão ou da insuficiência de recursos, atuando como última garantidora do direito fundamental à saúde, seja por meio extrajudicial, ou judicial. Importante ter em vista que em alguns casos, nem mesmo por todo o esforço é possível a obtenção de uma resolução administrativa favorável, de modo que a

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judicialização da saúde, em que pese ser um mal, ainda é um mal necessário1, pois é por meio desta que a população mais vulnerável pode ter acesso ao mínimo de seus direitos relativos à saúde garantidos.

Nesse processo de investigação, foi utilizado suporte em pesquisa doutrinária, bem como artigos científicos e jurisprudência dos tribunais superiores. No que diz respeito ao funcionamento da CRLS, salienta-se que a ótica conferida à tal análise parte da vivência desta autora junto às instalações da CRLS, como estagiária de direito, tendo contato direto com a população assistida e aos procedimentos institucionais.

Frisa-se, porém, que o presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto a que se propõe, tendo em vista a complexidade do tema relacionado ao Direito à Saúde e ao Acesso à Justiça, ambos fartamente normatizados, porém não necessariamente efetivados. Portanto, o objetivo deste estudo é analisar e chamar atenção para a atuação da Defensoria Pública como garantidora institucional do direito à saúde, por ser expressão democrática do acesso à justiça, sendo que, especial destaque merece sua atuação extrajudicial, por meio da CRLS, exercendo papel relevante no redirecionamento das políticas públicas de saúde, de forma coletiva, mas também, em último caso, sua atuação judicial na efetivação desses direitos, hipótese na qual deve ser privilegiada a solução coletiva.

1 Expressão utilizada por Ricardo Perlingeiro, em uma palestra ministrada no Curso de Iniciação dos Magistrados,

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1. ACESSO À JUSTIÇA E A DEFENSORIA PÚBLICA

O acesso à justiça é um direito humano consagrado nos principais documentos internacionais2 e é considerado pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro como um direito fundamental, ao conter previsão no artigo 5º, incisos XXXV e LXXXIV3. Importante considerar, ainda, que a garantia à assistência jurídica integral e gratuita no Brasil integra o núcleo imodificável da Constituição da República, tendo em vista tratar-se de cláusula pétrea, e que, além disso, destina-se a garantir a fruição de outros direitos, bens e interesses reconhecidos pelo ordenamento jurídico.

Para ilustrar, nos valemos da expressão cunhada por Mauro Cappelletti (1988, p. 11)4, autor-referência na matéria, em razão dos estudos realizados no Projeto Florença, mais a seguir detalhados, ao dispor que “o acesso à justiça é o mais básico dos direitos humanos”, tendo em vista que atua como um garantidor do exercício dos demais direitos fundamentais que não tiveram seu cumprimento espontâneo.

Nesse sentido, considerando que ao poder público é imposta a obrigação de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, extrai-se a necessidade de demarcar os conceitos utilizados quando do debate do acesso à justiça, a fim de que se evite qualquer imprecisão.

A assistência jurídica integral e gratuita a qual se refere a Carta magna consubstancia-se na forma mais ampla do fornecimento de assistência, abrangendo não somente a atuação em juízo, com patrocínio das causas dos hipossuficientes, mas também a educação e orientação jurídicas, a realização de consultorias, e também a assistência extra e prejudicial, com acesso aos meios alternativos de resolução de conflitos. Por outro lado, a assistência judiciária gratuita limita-se ao patrocínio em juízo, de maneira que pode ser considerado como uma espécie do gênero assistência jurídica.

2 A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, consagra em seu artigo 8º que “toda a pessoa tem

direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição e pela Lei”. Além disso, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em seu artigo 6º aborda a assistência gratuita.

3 Artigo 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito”.

Artigo 5º, LXXIV: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

4 “De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital

entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir e não apenas proclamar os direitos de todos”. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 11-12).

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Um terceiro conceito é o da gratuidade de justiça, que por sua vez é instituto de direito processual, ainda mais limitado, que se restringe ao não pagamento, ou pagamento diferido de honorários advocatícios, perícias, custas judiciais ou extrajudiciais e demais despesas processuais. Importa frisar que esta última não tem relação de dependência com a assistência gratuita prestada pela Defensoria pública ou outros órgãos de assistência gratuita, podendo ser requerida mesmo por cidadão com patrocínio de advogado particular. Este benefício5 relaciona-se com a insuficiência de recursos de pessoa natural, jurídica, nacional ou estrangeira, para ingresso em juízo, cuja competência para sua concessão é do próprio órgão do poder judiciário. Diante do exposto, portanto, necessário concluir que o acesso à justiça não se esgota no acesso ao Judiciário, mas deve ser entendido como pressuposto indispensável a um sistema jurídico que vise garantir a eficácia de seu ordenamento, viabilizando o acesso à ordem jurídica justa.

1.1. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Sem a intenção de esgotar o tema da origem e desenvolvimento dos conceitos de Estado e democracia, necessária breve constatação acerca do significado de algumas expressões e seus desdobramentos. A expressão “Estado de Direito” tem origem na democracia liberal moderna e relaciona-se intimamente com a ideia de constitucionalismo, assumindo a feição de mecanismo de limitação do poder, em confronto com o Estado absoluto (ALVES, 2006, p. 16). Em um segundo momento, em que se faz necessária uma presença mais intervencionista do Estado para a promoção que questões sociais, é cunhada a expressão “Estado Social de Direito” (BONAVIDES, 2004). Finalmente, na segunda metade do século XX passou a ser utilizada uma nova nomenclatura, que se entendia mais adequada face a todas as aspirações da sociedade, “Estado Democrático de Direito”, atual formato de organização jurídico-política da República Brasileira, sendo este reconhecido como o período da consagração dos direitos fundamentais.

Diante desse breve histórico, é possível perceber que as mudanças de paradigmas das sociedades influenciam diretamente na produção e interpretações dos textos constitucionais e

5 Conforme o entendimento de Cleber Francisco Alves, a gratuidade de justiça não deve ser entendida como um

benefício, sob pena de sujeitar-se aos mais diversos tipos de objeções à sua concessão, mas deve, por outro lado, ser compreendida como um dever do Estado, um direito subjetivo do cidadão. Apesar disso, toda a legislação faz uso da expressão benefício ao se referenciar à justiça gratuita, o que se entende como opção por falta de expressão mais adequada.

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legais. Nesse sentido, Alves (2006, p. 19) aponta que enquanto no primeiro momento, houve um protagonismo do Poder Legislativo, no segundo este passou a ser exercido pelo Poder executivo, vez que se dependia mais das ações dos governos.

Por outro lado, no atual Estado Democrático de Direito é nítido o maior realçamento do Poder Judiciário, diante da possibilidade de não somente garantir a eficácia de direitos, mas também a de intervir na criação de políticas públicas para concretizar os direitos fundamentais – o que pode ser apontado como uma das origens para o fenômeno da judicialização das políticas públicas, conforme se delineará nos capítulos seguintes. Diante deste novo papel de destaque, em consonância com os movimentos e tendências mundiais, tem início o movimento de acesso à justiça, eis que em um Estado Democrático de Direito, o poder público tem o dever de assegurar a efetiva igualdade no acesso à justiça para todos os cidadãos.

1.2. ORIGEM E TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA E O SURGIMENTO DA DEFENSORIA PÚBLICA

Considerando que o movimento de acesso à justiça e sua instrumentalização no Brasil ocorreram em diversas etapas, faz-se necessário um breve apanhado de sua trajetória histórica, demonstrando, assim, o surgimento da Defensoria Pública e sua adoção como órgão estatal encarregado de prestar assistência jurídica gratuita e integral aos mais necessitados.

1.2.1. Pré-inserção Constitucional

Segundo Alves (2006, p. 237), a questão do acesso dos pobres à justiça no caso brasileiro é percebida desde o início da colonização portuguesa, ocasião na qual a assistência judiciária era considerada uma obra de caridade, um dever honorífico e moral do advogado. Somente no final do século XIX é que a assistência jurídica passou a ser considerada um dever jurídico aos advogados, com o advento do Decreto nº 2.457/1897, que estabeleceu as regras para o serviço de assistência judiciária, tanto na esfera cível quanto criminal, atendendo autores e réus. Ocorre que como se tratava de um dever dos advogados e não do Estado, os profissionais somente teriam direito à remuneração caso o adversário fosse condenado ao pagamento de honorários, e, além disso, a recusa da prestação dos serviços implicaria em diversas sanções.

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Segundo a análise do Defensor Público Federal, Daniel Chiaretti (2012, p. 12), tal decreto formatou algumas das características da assistência judiciária no Brasil, dentre as quais destaca:

“i) a possibilidade de concessão do benefício indistintamente a autores e réus em processos civis e criminais;

ii) adoção de um critério relativo para aferição da hipossuficiência; iii) garantia da gratuidade de praticamente todos os custos processuais; iv) garantia de assistência por um advogado”.

Tal observação vai ao encontro do que defende Douglass. North (1990, p. 96-200), ao cunhar a expressão “path dependence”6 defendendo que a medida em que ocorre o estreitamento das opções disponíveis, somos levados à adoção de certas políticas através do tempo. Portanto, nosso modelo institucional para prestação da assistência jurídica gratuita é um resultado de todas as opções feitas ao longo de nossa história.

A concepção da assistência jurídica como um dever jurídico do advogado perdurou até a Constituição de 1934, quando esta passou a reconhecer que a assistência judiciária gratuita7 seria um direito fundamental ao cidadão e um dever constitucional de prestação por parte da União e dos Estados, mencionando, ainda, a necessidade de criação de órgãos específicos para tal finalidade. Importante ressaltar que, segundo Moreira (1993, p. 207) a garantia genérica de acesso ao Poder Judiciário foi somente estabelecida constitucionalmente em 1946, sem, contudo, trazer expressamente a necessidade de criação de órgãos específicos.

Em 1950 foi promulgada a Lei nº 1.060, responsável por uniformizar nacionalmente o tratamento da assistência judiciária. Nesta lei também não há qualquer menção à necessidade da criação de órgão específico. Importante observação é a de que, até então, todos os dispositivos legais abordam a assistência judiciária, e não a assistência jurídica, como mais tarde foi nominada pela Constituição Federal.

Merece destaque, ainda, a observação realizada por Alves (2006, p. 250), quando da análise do posicionamento dos advogados em relação à prestação de assistência judiciária, quando comparada com outros países, apontando para a existência de certo consenso acerca da forma de prestação de assistência jurídica por parte do Estado como órgãos especificamente encarregados, o que divergiu da posição adotada pela mesma classe em outros países.

6 Termo utilizado para descrever a poderosa influência do passado no presente e no futuro (tradução livre) 7 O termo utilizado pela Constituição de 1934, “assistência judiciária gratuita”, no artigo 113, conforme já disposto,

significa que era reconhecido como um direito subjetivo ao cidadão apenas o patrocínio gratuito de advogado para causas judiciais.

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No intervalo entre os anos de 1950 e 1988, houve um dos maiores estudos em nível internacional sobre o acesso à justiça, de autoria de Mauro Cappelletti e Bryan Garth, denominado como Projeto Florença, que tinha como objetivo apontar um diagnóstico aos problemas referentes ao acesso à Justiça.

Conforme os resultados foram divulgados, outros diversos estudos acadêmicos e doutrinários passaram a tratar da temática do acesso à justiça, tais como as obras de Kazuo Watanabe (1988, p. 128), responsável pela expressão “acesso à ordem jurídica justa”, Ada Pellegrini Grinover (1990, p. 118), mencionando a necessidade de que a assistência não se limitasse à judiciária, e Candido Rangel Dinamarco (2009, p. 118), afirmando que “receber justiça significaria receber um provimento jurisdicional consentâneo com os valores da sociedade”.

Diante de tais estudos, aliados à representação dos membros da Defensoria Pública na Constituinte, em 1988 foi promulgada a Constituição Federal Cidadã, vigente atualmente, na qual consta, pela primeira vez, a inserção da Defensoria Pública em seu texto constitucional, responsável pela consagração da Instituição, indispensável ao exercício da função jurisdicional e com a função de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados.

1.2.2 Pós-inserção Constitucional

Apesar da inserção constitucional ser um marco na história da Defensoria Pública, é evidente que, diante do exposto, não se deve desprezar todo o desenvolvimento progressivo da legislação infraconstitucional, que permitiu que a instituição alcançasse o status constitucional almejado, especialmente considerando a força já mencionada conhecida pela doutrina como

path dependence.

A redação original conferida pelo artigo 134, da Constituição dispunha que “a defensoria é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados na forma do art. 5º, LXXIV”. Recentemente, no ano de 2014, por meio da Emenda Constitucional nº 80, a redação desse artigo foi alterada, passando a atribuir mais ênfase à amplitude da Instituição, a empoderando constitucionalmente, como se vê:

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Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

Na mesma Emenda Constitucional, diversas outras alterações foram percebidas. Primeiramente, a Instituição, que era tratada na seção junto à advocacia, passou a ser prevista em apartado, tendo seção própria. Em segundo lugar, foi acrescentado o artigo nº 98 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) determinando o prazo de 8 anos para organização da Defensoria Pública em todas as unidades jurisdicionais, de forma proporcional à demanda.

Seguindo a redação original desse artigo constitucional, o mandamento contido em seu parágrafo primeiro era referente à competência legislativa da União para legislar, mediante lei complementar, sobre a organização da Defensoria Pública União e do Distrito Federal e prescrever normas gerais para sua organização nas Defensorias Públicas Estaduais. A Lei Complementar nº 80, de 1994, conhecida como Lei Orgânica da Defensoria Pública, surge de modo a cumprir tal mandamento Constitucional, e permanece vigente até a atualidade.

Logo, possível perceber que a Constituição determinou a existência da Defensoria Pública da União, da Defensoria Pública de cada Estado e da Defensoria Pública do Distrito Federal, conferindo, desde já, a competência normativa a cada Estado para organização de sua própria Defensoria. Além disso, as atribuições e responsabilidades de cada variam em relação ao escopo de atuação, considerando que a DPU atua nas justiças federal e especializadas, nos tribunais superiores e nas instâncias administrativas federais, permanecendo a matéria residual às Defensorias estaduais.

Por meio da Emenda Constitucional nº 69, tal disposição foi alterada, passando a conter previsão de competência da União para organizar e manter apenas a Defensoria Pública da União e dos Territórios, enquanto que o Distrito Federal teria competência para organizar sua própria Defensoria. Buscou-se conferir, dessa forma, maior autonomia ao Distrito Federal, em consonância com a divisão de competências adotada para as outras matérias constitucionais.

Além das alterações já listadas, foi por meio da EC 80/2014 que foram inseridos os princípios institucionais, unidade, indivisibilidade e independência funcional8, mais adiante analisados, bem como foi reconhecida expressamente a simetria constitucional entre a

8 Evidentemente, tais princípios buscam dotar a instituição de eficiência, na medida em que considera que os

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Defensoria Pública, Magistratura e Ministério Público. Percebe-se, então, que as Emendas Constitucionais até então observadas tiveram por objetivo sempre conferir maior relevância à Defensoria Pública, buscando ampliar sua função garantidora de direitos humanos, bem como conferir autonomia9, dentre outras características.

Todos estes buscam dotar a instituição de eficiência, na medida em que considera que os membros podem substituir-se uns aos outros, e, principalmente, possuem liberdade de ação. Foi acrescentado, ainda, pela LC nº 132/2009, alterando a LC nº 80/94, que a Defensoria Pública deve dar prioridade para a solução extrajudicial dos litígios, de modo a reduzir a grande tendência de judicialização em diversos aspectos. O Código de Processo Civil de 2015 seguiu o mesmo caminho e privilegia, em todo o âmbito processual, a resolução administrativa.

Em assim sendo, a Defensoria Pública é a principal responsável pela prestação de assistência jurídica no quadro jurídico institucional brasileiro, o que a torna um dos órgãos essenciais à justiça, e para melhor compreender seu papel na atualidade, se faz necessária uma análise das principais características, bem como do seu funcionamento, e dos princípios institucionais.

1.3. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA DEFENSORIA PÚBLICA

A missão constitucional da Defensoria é viabilizar o direito à assistência jurídica integral e gratuita aos cidadãos necessitados10, sendo não o único, mas o principal órgão voltado para tal. Cabe ressaltar que as Faculdades de Direito das Universidades Públicas também prestam o serviço de assistência judiciária gratuita, porém, não o têm como uma missão institucional, nem muito menos como principal atividade. Por outro lado, isso não importa em dizer que a Defensoria possui o monopólio da assistência jurídica, eis que também ocorre a prestação por meio de advogados dativos, escritórios modelos de faculdade, dentre outros, na seara privada.

9 Sobre a autonomia da Defensoria, tema que será desenvolvido mais adiante, recomenda-se, para uma leitura

aprofundada, ver: LUPETTI BATISTA e ALVES, 2013.

10 Por necessitado compreende-se o hipossuficiente, que não possui condições de arcar com as despesas dos

serviços jurídicos, sem prejuízo de seu sustento próprio e de sua família. Há certo debate sobre a abrangência desta palavra frente ao ordenamento jurídico atual, sendo o posicionamento mais amplo o que admite a inclusão da pessoa juridicamente vulnerável. O que importa ser compreendido é que a análise da hipossuficiência é realizada no âmbito de cada Defensoria Pública.

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A Defensoria, por ter objetivos muito claros no que diz respeito à primazia da dignidade da pessoa humana e da redução das desigualdades, da afirmação do Estado Democrático de Direito, da prevalência e efetividade dos direitos humanos, e da garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório11, é a instituição mais preparada, inclusive em termos de aportes financeiros, para a devida prestação da assistência jurídica.

Por essa razão, foi entendida pelo constituinte, como a principal instituição com tal responsabilidade. Em assim sendo, necessária a análise de alguns dos pontos mais relevantes sobre sua atuação, em especial no que toca à análise da sua autonomia frente aos Poderes do Estado, a legitimação para propositura de ação civil pública, e, por fim, os problemas relevantes à sua organização.

1.3.1. Da existência de autonomia

A questão da autonomia da Defensoria Pública é tema polêmico não só na doutrina, mas também na jurisprudência, apesar de constituir elemento imprescindível para atuação independente. Sua análise é de fundamental importância no contexto desta pesquisa, tendo em vista que, em se tratando do Sistema Único de Saúde, os litigantes serão sempre pessoas jurídicas de direito público interno – os entes federativos.

Nesse sentido, a Emenda Constitucional nº 45/2004, alterando o artigo 134 da Constituição Federal, conforme já apontado, garantiu às Defensorias Públicas Estaduais a autonomia funcional e administrativa, bem como a iniciativa de sua proposta orçamentária.

A Defensoria do Distrito Federal foi contemplada com a autonomia nos mesmo termos – funcional, administrativa e de iniciativa de proposta orçamentária, com a Emenda Constitucional nº 69/2012, que, não alterou artigo constitucional, mas apenas fez referência à aplicabilidade de tal benesse. Foi apenas com o advento da EC 74/2013 que foi garantido expressamente no texto constitucional a autonomia às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal.

Em sede normativa, portanto, não há dúvidas a respeito da autonomia de que goza da Defensoria Pública, porém, há intensa discussão em sede jurisdicionais, a qual, inclusive, conta com entendimento dissonantes entre os dois maiores Tribunais nacionais: Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ).

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Enquanto o STJ possui entendimento sumulado12 no sentido de que a Defensoria seria órgão da pessoa jurídica de direito público, portanto, pertencendo à mesma, o STF possui, por outro lado, entendimento reiterado que a Instituição é autônoma, sem vinculação a outros poderes13, inclusive com possibilidade de condenação em honorários advocatícios destes entes. A grande questão afeta ao tema fica por conta da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.296, tendo como requerente a Presidência da República, que contesta a autonomia conferida à DPU, sob alegação de suposta usurpação de competência, pendente de julgamento definitivo até a presente data, porém com acórdão indeferindo a medida cautelar pleiteada14.

12 Sumula nº 421 do STJ, que trata especificamente da inexistência do direito à percepção de honorários pela

Defensoria Pública quando a parte sucumbente seja o ente público, a qual é, supostamente, vinculada contrariando a redação expressa da LC 80/90, que dispõe que tais honorários, mesmo com pessoa jurídica de direito público como sucumbente, são devidos. Ampliando o entendimento restritivo, o STJ defendeu que também não seriam devidos os honorários advocatícios quando sucumbente as entidades da administração pública indireta (STJ. Corte Especial. REsp 1199715/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 16/02/2011).

13 STF. Plenário. ADI 4056, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 07/03/2012; e STF. Plenário. ADPF

339, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 18/05/2016.

14 Conforme extrato da ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR.

ART. 134, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, INCLUÍDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 74/2013. EXTENSÃO, ÀS DEFENSORIAS PÚBLICAS DA UNIÃO E DO DISTRITO FEDERAL, DA AUTONOMIA FUNCIONAL E ADMINISTRATIVA E DA INICIATIVA DE SUA PROPOSTA ORÇAMENTÁRIA, JÁ ASSEGURADAS ÀS DEFENSORIAS PÚBLICAS DOS ESTADOS PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. EMENDA CONSTITUCIONAL RESULTANTE DE PROPOSTA DE INICIATIVA PARLAMENTAR. ALEGADA OFENSA AO ART. 61, § 1º, II, “c”, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. USURPAÇÃO DA RESERVA DE INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO. INOCORRÊNCIA. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 2º E 60, § 4º, III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. SEPARAÇÃO DE PODERES. INOCORRÊNCIA. FUMUS BONI JURIS E PERICULUM IN MORA NÃO DEMONSTRADOS. 1. No plano federal, o poder constituinte derivado submete-se aos limites formais e materiais fixados no art. 60 da Constituição da República, a ele não extensível a cláusula de reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, prevista de modo expresso no art. 61, § 1º, apenas para o poder legislativo complementar e ordinário – poderes constituídos. 2. Impertinente a aplicação, às propostas de emenda à Constituição da República, da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à inconstitucionalidade de emendas às constituições estaduais sem observância da reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, fundada na sujeição do poder constituinte estadual, enquanto poder constituído de fato, aos limites do ordenamento constitucional federal. 3. O conteúdo da Emenda Constitucional nº 74/2013 não se mostra assimilável às matérias do art. 61, § 1º, II, “c”, da Constituição da República, considerado o seu objeto: a posição institucional da Defensoria Pública da União, e não o regime jurídico dos respectivos integrantes. 4. O art. 60, § 4º, da Carta Política não veda ao poder constituinte derivado o aprimoramento do desenho institucional de entes com sede na Constituição. A concessão de autonomia às Defensorias Públicas da União, dos Estados e do Distrito Federal encontra respaldo nas melhores práticas recomendadas pela comunidade jurídica internacional e não se mostra incompatível, em si, com a ordem constitucional. Ampara-se em sua própria teleologia, enquanto tendente ao aperfeiçoamento do sistema democrático e à concretização dos direitos fundamentais do amplo acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e da prestação de assistência jurídica aos hipossuficientes (art. 5º, LXXIV). 5. Ao reconhecimento da legitimidade, à luz da separação dos Poderes (art. 60, § 4º, III, da Lei Maior), de emenda constitucional assegurando autonomia funcional e administrativa à Defensoria Pública da União não se desconsidera a natureza das suas atribuições, que não guardam vinculação direta à essência da atividade executiva. Fumus boni juris não evidenciado. 6. Alegado risco de lesão aos cofres públicos sem relação direta com a vigência da norma impugnada, e sim com atos normativos supervenientes, supostamente nela calcados, é insuficiente para demonstrar a existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, requisito da concessão de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Eventual exegese equivocada ou abusiva não conduz à inconstitucionalidade da emenda constitucional, somente inquinando de vício o ato do mau intérprete. Periculum in mora não demonstrado. Medida cautelar indeferida. (ADI 5296 MC, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 18/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 10-11-2016 PUBLIC 11-11-2016)

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É inegável que a efetiva autonomia da Defensoria Pública, seja de qual âmbito for, é essencial, tendo em vista que retira a possibilidade de submissão ao Poder Executivo, atuando livremente em nome do melhor interesse do assistido, no desempenho de sua função constitucional. Além disso, é importante que não dependam de qualquer tipo de oscilação dos programas político-partidários dos governantes em exercício, por ser um instrumento de efetivação de direitos humanos (LUPETTI BAPTISTA et ALVES, 2015, p. 202)

Mesmo após seu reconhecimento judicial pela Suprema Corte, impulsionado pela pressão realizada pelos membros das Defensorias, no que se refere à autonomia na submissão de proposta orçamentária, constata-se, em especial no que concerne às Defensorias Públicas Estaduais, que em cerca de 61% das vezes, houve corte da proposta pelo Executivo, antes mesmo do envio do Projeto de Lei. Por outro lado, na face funcional da referida autonomia, aproximadamente 80% dos Defensores estaduais acreditam possuir liberdade de atuação nos casos de prestação de assistência jurídica contra o Estado. Essas proporções se mantêm, com pouca ou nenhuma alteração, à nível Federal, na perspectiva dos Defensores Públicos Federais15.

1.3.2. A legitimidade para propositura de ação civil pública

Instituto afeto às demandas de saúde, as ações coletivas são as adequadas a propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Ocorre que assim como a autonomia, sua possibilidade de ajuizamento por parte da Defensoria Pública restou controvertida durante alguns anos, tendo em vista que houve um veto à redação original do art. 4, XII, da LC 80/94, que previa tal possibilidade.

A despeito do veto, porém, era entendimento recorrente16 do Superior Tribunal Federal

aceitar a legitimidade da Instituição para tal demanda, considerando, sobretudo, a atuação no âmbito do código do consumidor17.

15 Segundo dados obtidos no IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, às folhas 32.

16 Conforme os precedentes REsp 181.580-SP, julgado em 2004 e REsp 555.111-RJ, julgado em 2006.

17 Conforme ementa do precedente selecionado: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

OMISSÃO NO JULGADO. INEXISTÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA COLETIVA DOS CONSUMIDORES. CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ATRELADOS A MOEDA ESTRANGEIRA. MAXIDESVALORIZAÇÃO DO REAL FRENTE AO DÓLAR NORTE-AMERICANO. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE ATIVA DO ÓRGÃO ESPECIALIZADO VINCULADO À DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO. I – O NUDECON, órgão especializado, vinculado à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, tem legitimidade ativa para propor ação civil pública objetivando a defesa dos interesses da coletividade de consumidores que assumiram contratos de arrendamento mercantil, para

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Em 2007, por meio da Lei nº 11.448, foi alterada a redação da Lei de Ação Civil Pública, nº 7.347/1985, para que passasse a constar expressamente a Defensoria Pública no Rol dos legitimados à propositura de ações coletivas, encerrando, de uma vez por todas, qualquer questionamento nesse sentido.

Diante disso, portanto, pode a Defensoria Pública ajuizar demandas de saúde de forma coletiva, objetivando, por exemplo, que determinado medicamento essencial passe a constar nas listas de dispensação do SUS. A adoção dessa forma de ajuizamento de demandas de saúde pode colaborar para reduzir consideravelmente a excessiva quantidade de ações individuais que pleiteiam o mesmo medicamento, em razão daquela, ao final, possuir efeitos mais amplos, não meramente restritos às partes no caso de inclusão nas listas de fornecimento,

1.4. A NÃO FETIVAÇÃO COMPLETA DA DEFENSORIA

O modelo brasileiro, por toda a sua fundação sólida de legislação é objeto de estudo pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA), visto ser um dos mais estruturados e funcionais modelos da atualidade na perspectiva comparada. Merecendo destaque, ainda sua desvinculação constitucionalmente garantida frente a outros órgãos ou poderes, o que não é comum de ser observado em outros países.

Ocorre que, não obstante seu status constitucional, a efetividade do acesso à justiça, na prática, acaba por se revelar bastante limitada, particularmente no caso das camadas sociais mais vulneráveis. A despeito de toda a base normativa e dos esforços do poder constituinte originário, o panorama atual da Defensoria Pública ainda está muito aquém do idealizado, com um número muito reduzido de defensores públicos, prerrogativas não isonômicas em relação às outras atividades de Estado e pouco investimento.

aquisição de veículos automotores, com cláusula de indexação monetária atrelada à variação cambial. II - No que se refere à defesa dos interesses do consumidor por meio de ações coletivas, a intenção do legislador pátrio foi ampliar o campo da legitimação ativa, conforme se depreende do artigo 82 e incisos do CDC, bem assim do artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, ao dispor, expressamente, que incumbe ao “Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor”.III – Reconhecida a relevância social, ainda que se trate de direitos essencialmente individuais, vislumbra-se o interesse da sociedade na solução coletiva do litígio, seja como forma de atender às políticas judiciárias no sentido de se propiciar a defesa plena do consumidor, com a conseqüente facilitação ao acesso à Justiça, seja para garantir a segurança jurídica em tema de extrema relevância, evitando-se a existência de decisões conflitantes. Recurso especial provido. (REsp 555111. Julgado em 18/12/2006, Min. Rel. Castro Filho)

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Conforme levantamento realizado pela Folha de São Paulo, em abril de 2017, enquanto existem cerca de 5.842 Defensores Públicos Estaduais, para a mesma esfera de atuação existem 11.807 juízes e 10.874 promotores18.

Os dados do ano de 2016, obtidos no IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil19, apontam que apenas quatro estados possuem Defensorias Públicas em todas as suas comarcas, sendo estes os Estados do Rio de Janeiro, Roraima, Tocantins e Distrito Federal. Interessante apontar, por outro lado, que os estados cujas Defensorias Públicas recebem maior aporte de recursos, inclusive oriundos do Tesouro Nacional, são: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais

Dado mais alarmante é no que toca à presença da DPU nos municípios brasileiros: apenas 61 dos municípios possuem sedes da DPU, o que faz com que 95,8% dos Defensores Federais acreditem na enorme dificuldade de cumprir a meta estabelecida na EC nº 80/2014. Dessa forma, a interiorização da Instituição permanece um desafio.

Ainda em relação aos dados colhidos pela pesquisa, cerca de 83,3% dos Defensores Públicos Estaduais consideram que o volume de trabalho sob sua responsabilidade é excessivo ou muito excessivo, enquanto que no âmbito da DPU esse percentual sobe para 91,8%, tendo em vista que o número de Defensores para todo o Brasil é o total de 557 cargos, dado suficientemente expressivo para que se compreenda a gravidade da situação.

No caso do Estado da Paraíba20, a Instituição paralisou grande parte de seus serviços em razão da asfixia orçamentária a que vem sendo submetida pelo governo estadual, inclusive sem que tenha ocorrido qualquer tipo de reajuste às verbas repassadas desde o ano de 201521.

18 Levantamento realizado no âmbito da reportagem “Quando a Justiça não alcança: faltam quase 10 mil defensores

públicos no Brasil”, por Juliana Dal Piva, publicada em 19/04/2017, disponível em < http://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2017/04/19/falta-defensoria-publica-brasil/>

19 Pesquisa elaborada no âmbito do Projeto Fortalecimento do Acesso à Justiça no Brasil, firmado entre o

Ministério da Justiça, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Agência Brasileira de Cooperação, com o objetivo de levantamento de dados consolidados sobre a Instituição.

20Conforme noticiado pela própria página institucional, no dia 27 de novembro de 2017.

21 Neste momento, imperioso constatar que apesar de ser normativamente reconhecida a autonomia das

Defensorias Públicas, o fato de receberem a parcela que lhes cabe do orçamento por meio de duodécimos, já descaracteriza, de certa forma, tal independência. É o caso da Defensoria Pública do Estado da Paraíba, no qual o governo do Estado disponibiliza valores inferiores ao previsto, mesmo que atuando apenas como órgão arrecadador, cuja receita não lhe pertence.

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1.4.1. Superação das adversidades e efetivação de direitos

Apesar de todo o exposto, a respeito da dificuldade de efetivação, especialmente motivado pelo déficit orçamentário que atinge a Defensoria Pública, esta é, ainda, a instituição responsável por, além do que já foi exposto, estimular as políticas públicas afirmativas de cidadania, intimamente interligadas com a concretização dos direitos fundamentais, e no presente estudo, com foco nos direitos sociais. Tal estímulo pode ser entendido como o controle judicial e extrajudicial das políticas implementadas, visando aferir se os interesses sociais estão sendo, de fato, observados.

Deve-se considerar, em especial, que a atuação extrajudicial da Defensoria Pública contribui não só para a redução das demandas de alcançam o judiciário, mas também da redução da própria demanda de trabalho do Defensor Público, em razão da desnecessidade de acompanhamento e de realização de todos os demais atos judiciais. Dessa forma, é possibilitado que mais cidadãos tenham acesso à Defensoria Pública, e, consequentemente, à Justiça.

É neste contexto, de superação das adversidades a que sobrevive, que a Instituição garante o exercício dos mais diversos direitos subjetivos à população hipossuficiente. Dentre esses direitos, impossível não conferir maior relevo no que se refere ao direito fundamental de acesso à saúde, também negligenciado por todos os entes federativos. Percebe-se, nesse momento, que se tratam de dois direitos fundamentais de segunda geração – sociais, sendo ambos de suma importância à uma sociedade que se diz democrática de direito, fartamente normatizados, porém, não verdadeiramente efetivados.

É desse cenário que se extrai a atividade da Defensoria Pública, buscando a garantia do acesso aos meios públicos de saúde, sendo que sua atuação abrange, inclusive, a interdisciplinaridade, a fim de que seja garantido não somente a propositura de demandas judiciais individuais, mas também uma solução que possa evitar, ou pelo menos, frear, a grande judicialização da saúde, conforme será abordado nos próximos capítulos.

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2. O DIREITO À SAÚDE E A RESPONSABILIDADE ESTATAL

Segundo definição da OMS, de 194622, a saúde é “um estado de completo bem-estar

físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”. Diante dessa concepção, pode-se considerar a saúde como uma matéria transdisciplinar, que supera o direito sanitário e alcança diversos apontadores sociais. Silva e Waissmann (2005) asseveram que, de diante da amplitude de sua concepção,

(...) saúde se torna tudo que afeta a forma como o indivíduo e o seu grupo experimentam a sua existência em determinada circunstância. Para os institutos estatais relacionados a este assunto, é saúde a maneira como se planeja a família, se organiza o ambiente de trabalho e seu entorno; é saúde o estado psicológico do indivíduo e, portanto, a segurança pública, que, como exemplo, se transforma em dados epidemiológicos importantes, não apenas por morbidade e mortalidade aferidos diretamente pelos dados obtidos na rede assistencial hospitalar, mas também pelo mal-estar psíquico que a falta de segurança causa. São saúde, também, todas as descobertas da biotecnologia que possam afetar direta ou indiretamente este bem-estar, seja físico, psicológico ou social. Assim, é de interesse da saúde assuntos como clonagem, produtos transgênicos, técnicas eugenéticas, trocas de sexo fenotípico, entre outros temas.

É evidente que a conceituação de saúde a nível mundial sofreu diversas modificações até chegar no mais amplo e aceito atualmente, proposto pela OMS, tendo sofrido influências econômicas, políticas, religiosas, sociais, dentre outras ao longo dos séculos. Relevante, ainda, observar, que diante de uma conceituação tão ampla, permanece o questionamento sobre quem, efetivamente, possui acesso a saúde e o tamanho da responsabilidade estatal para seu integral provimento e garantia. Em razão disso, para o presente estudo, foi necessário determinar a abordagem mais básica do direito saúde, que, em uma análise superficial, deveria ser a mais bem garantida, sem falhas em sua prestação, que é o tratamento de doenças mediante o fornecimento de medicamentos pelo poder público.

No Brasil, foi apenas na Constituição Federal de 1988 que o direito à saúde foi consagrado como direito fundamental de todo cidadão, sendo considerando um direito social, de segunda dimensão, que, simultaneamente, consubstancia em um dever para do Estado, tendo em vista depender de sua atuação. A perspectiva adotada pela Carta de 1988 se aproxima do conceito utilizado pela OMS, na medida em que dispõe que a recuperação, a proteção e a

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promoção da saúde também são deveres impostos ao Estado, devendo este, por sua vez, realiza-las por meio de políticas públicas.

Além disso, após a reforma sanitária, a legislação brasileira passou a contar com disposições que tratam não apenas do atendimento das necessidades médicas e hospitalares da sociedade, mas também do combate à pobreza e desigualdade social, em obediência aos princípios e normas programáticas contidas na Constituição Federal. Houve, dessa forma, uma tentativa de inclusão dos grupos mais vulneráveis ao sistema de saúde, com base na premissa da integralidade do sistema proposto. Essa característica representa um grande marco e, de certa forma, uma ruptura histórica no que toca ao tratamento do acesso à saúde.

Muito embora a Constituição e a legislação brasileiras tornem o arcabouço normativo do direito à saúde extremamente amplo e sólido, apresentando o claro objetivo de promover um sistema universal e integral, na prática, sua efetivação tem encontrado diversos obstáculos. O atual cenário da saúde pública no país é de profundo descaso por parte das autoridades públicas, tendo em vista que seus usuários constituem a grande, porém vulnerável, parcela da sociedade que não tem acesso aos meios privados.

Portanto, para uma melhor análise da atual condição da saúde pública brasileira, garantido por meio do Sistema Único de Saúde, necessário realizar breves considerações a respeito de sua trajetória histórica, bem como analisar a legislação aplicável, a divisão de competência entre os entes federativos, seu financiamento e, por fim, a judicialização decorrente da prestação inadequada de assistência por parte dos Entes Federados e insuficiência de políticas públicas.

2.1. BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA

Inicialmente, cumpre apontar que a trajetória histórica das políticas de saúde está intimamente relacionada com o cenário político-social de uma sociedade, de modo que para efetiva compreensão de sua transformação, é necessário que se considere o pensamento dominante à época. Partindo desse pressuposto, em um primeiro momento a concepção a respeito da saúde partia de uma premissa religiosa, no contexto da Idade Média, no qual as iniciativas voltadas para a saúde pública, sobretudo dos mais pobres, situavam-se no âmbito da caridade e filantropia. Posteriormente, evoluiu para a perspectiva cientifica a partir do Iluminismo, e desenvolveu-se década após década, mantendo, contudo, a definição de saúde como a “ausência de doença”.

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O ano de 1920 foi um primeiro marco no que toca a aproximação do conceito de saúde da forma como é entendida atualmente, tendo em vista que foi a partir deste momento que passou a ser tratada como um conceito positivo e não mais a mera “ausência de doença”, como era entendida até então. Nesse sentido, na esteira dos ensinamentos de Winslow, citado por Maria Zélia Rouquayrol23 (2003, p. 29) extrai-se que:

Saúde Pública é a ciência e a arte de prevenir doenças e incapacidades, prolongar a vida e desenvolver a saúde física e mental, através de esforços organizados da comunidade para o saneamento do meio ambiente, o controle de infecções na comunidade, a educação dos indivíduos nos princípios da higiene pessoal e a organização de serviços médicos e paramédicos para o diagnóstico precoce e o tratamento precoce de doenças e o aperfeiçoamento da máquina social que irá assegurar a cada indivíduo, dentro da comunidade, um padrão de vida adequado à manutenção da saúde.”

No caso brasileiro a transformação do pensamento seguiu moldes similares, segundo Barroso (2009) no período inicial, a atividade estatal resumia-se a uma atuação meramente sanitária, combatendo doenças epidemiológicas. Posteriormente, em outro contexto histórico, a partir da década de 30 foi estruturado um sistema de saúde por meio dos Institutos de Previdência – tal tendência de vincular a previdência social à saúde se manteve por longos anos, encontrando, ainda, alguma sobrevivência nos dias atuais por meio da expressão “seguridade social”. É evidente que o acesso a estes serviços curativos era restrito aos contribuintes da previdência.

Após unificação dos referidos Institutos de Previdência, no contexto da ditadura militar, foi criado o Instituto Nacional da Previdência Social (INPS) que apesar de ampliar a previdência social no país, manteve o caráter restritivo do atendimento, excluindo grande parte da população que não trabalhava no mercado formal. Na vigência deste modelo, conforma aponta Ocké-Reis (2009, p. 25), teve início o movimento de realização de convênios entre o próprio INPS e as empresas privadas de saúde.

Finalmente, no contexto da redemocratização, no qual o paradigma da justiça social ganhava forças, foi promulgada a Constituição Federal de 1988, responsável por criar o Sistema Único de Saúde, considerando a saúde uma questão de interesse público. No cenário internacional, o tema afeto ao direito à saúde também ganhou relevância, de modo que passou a constar em diversos instrumentos normativos. Pode-se citar o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), ratificado pelo Brasil e internalizado no

23 Farmacêutica, docente e autora de livros sobre Saúde Pública, matéria na qual possui especialização pela USP

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ordenamento jurídico por meio do Decreto nº 591 de 199224. Por meio de sua redação, percebe-se a adoção do conceito utilizado pela OMS em sua Constituição, considerando a maior amplitude possível.

Além disso, a saúde também encontra relevante prestígio ao constar no Protocolo de San Salvador – adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também ratificado no Brasil, por meio do Decreto nº 3.321 de 1999.

Nesse diapasão, a saúde, como direito social que é, constitui um dos mecanismos para que ocorra a verdadeira satisfação da cidadania, assim como o é o acesso à justiça como já detalhado. Tais direitos em sua concepção demandam a realização de prestações positivas por parte do Estado25, seja por meio de políticas públicas voltadas para tal, ou, na ausência da efetividade destas, por meio do poder judiciário. Necessário, portanto, analisar os fundamentos normativos – constitucionais e legais- a que se submetem e organizam o direito à saúde na perspectiva contemporânea.

2.2. ARCABOUÇO NORMATIVO E POLÍTICAS PÚBLICAS

2.2.1. Previsão constitucional

A Constituição Federal, ao dispor a respeito dos princípios fundamentais do Estado Brasileiro, elege a dignidade da pessoa humana como um fundamento da República26, valorizando os direitos fundamentais, e, em especial, o direito à vida. O direito à saúde nada

24 PIDESC: ARTIGO 12. 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar

o mais elevado nível possível de saúde física e mental. 2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:

a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento é das crianças; b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;

c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças;

d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade.

25 Não será abordada a diferenciação entre as dimensões dos direitos fundamentais neste trabalho, porém,

importante dar lugar à ressalva apontada pelos professores Cass Sunstein e Stephen Holmes, na obra “The Cost of Rights”, que defendem que até mesmo os direitos políticos e individuais demandam uma atuação do Estado, consumindo recursos públicos para sua efetivação.

26 CRFB/88: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios

e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III. A dignidade da pessoa humana.

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