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AUTOLICENCIAMENTO AMBIENTAL NO DF 182 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

1 O SUPERPODER DO PODER E O RISCO DO AUTOLICENCIAMENTO AMBIENTAL

1.6 O AUTOLICENCIAMENTO AMBIENTAL

1.6.3 A FALTA DE NEUTRALIDADE DO LICENCIADOR

Outro ponto a ser considerado é a ausência de neutralidade do licenciador. A sua influência a partir do poder discricionário torna a situação já desconfortável ainda pior. Pois a mesma pessoa faz o papel de proponente e julgador do projeto. Mesmo se o ato administrativo fosse totalmente vinculado, não havendo influência da vontade humana, ainda restaria a questão ética e moral, mas “haveria um alento em face da padronização, rigidez e inflexibilidade do processo licenciatório” (ALONSO JR., 2000, p. 52).

Entretanto, Alonso Jr. (2000) entende que, sem amarras absolutas, o autolicenciamento torna-se perigoso. Na medida em que fica sujeito a interferências, passa

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Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. (DECLARAÇÃO DO RIO-92, Princípio 15).

68 a ser desacreditado. Além disso, falha como mecanismo de controle, sendo impossível reconhecer, nas pessoas que avaliarão o projeto apresentado, critérios básicos para qualquer julgamento, como isenção e neutralidade. Muitas vezes os interesses dos seus superiores hierárquicos estarão em jogo, gerando pressão sobre os integrantes do órgão licenciador. Assim, o princípio da isonomia fica comprometido. O particular leva grande desvantagem em relação ao empreendedor público.

Nesse contexto, torna-se de grande importância a atuação do Ministério Público, assim como a participação popular no processo de licenciamento ambiental. Sobre esse aspecto, Farias (2011, p. 56) adverte sobre a necessidade de “o terceiro setor de uma forma geral e aqueles que forem diretamente atingidos pelos impactos ambientais da atividade possam participar do licenciamento na condição de parte, com direito a todas as garantias do processo administrativo”.

O licenciamento deve ter regras claras, com impessoalidade e tratamento igualitário entre empreendedor público e privado, devendo ambos estar sujeitos ao mesmo regime. Daí a necessidade de lisura e prestígio por parte da Administração Pública, em se tratando de licenciamento ambiental, uma vez que qualquer vinculação deste dá margem à insegurança do patrimônio ambiental (ALONSO JR., 2000).

Além disso, diante da flexibilidade da legislação ambiental nacional, o autolicenciamento concede à Administração alto grau de subjetividade, visto que ao não estabelecer critérios mínimos de interpretação, procedimental e julgamento, todo e qualquer procedimento está sujeito a interferências (D’OLIVEIRA, 2004). Ainda assinala o autor que, como ninguém pode julgar a si mesmo, o Estado, por meio do autolicenciamento, também afronta as regras da boa administração, o que pode ocasionar desvios de finalidade no procedimento.

Como argumenta Alonso Jr. (2000), o autolicenciamento é um exemplo típico em que a legalidade não é suficiente para a legitimidade e regularidade de ato administrativo. Isso porque as regras da boa administração, o senso comum de retidão e de gestão pública, deixam claro que a sociedade não pretende correr riscos, por possuir plena noção das dificuldades ou impossibilidades inerentes à reparação das degradações perpetradas aos recursos naturais.

Neste subcapítulo foi apresentado o autolicenciamento no contexto do licenciamento ambiental como um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, mostrando suas diretrizes básicas, assim como o funcionamento do procedimento licenciatório em geral. Observa-se que o licenciamento ambiental no Brasil é um procedimento bastante complexo, que envolve uma legislação ampla e rigorosa. A isto acrescentam-se as especificidades das atividades sujeitas ao licenciamento ambiental. Portanto, o tema ainda oferece muita discussão, já que no dia a dia dos órgãos ambientais surgem situações não vivenciadas, dando origem a dúvidas e inquietações em relação aos procedimentos, havendo a

69 necessidade de se fazerem ajustes constantes tanto na legislação, quanto na própria estrutura desses órgãos.

Foi verificado que, devido aos conflitos de competências e à discricionariedade do poder público na tomada de decisão em relação à concessão da licença ambiental, o autolicenciamento fica sujeito a ingerências políticas e torna-se um procedimento perigoso devido à fragilidade na observância dos princípios da Administração Pública, assim como do princípio que lhe deu causa, o da prevenção69 ambiental.

Fica evidente que o autolicenciamento não fere o princípio da legalidade70, já que

segundo Alonso Jr. (2000) e Farias (2011) não há embasamento legal que descredencie o ente federativo a licenciar seus próprios empreendimentos. Entretanto, o autolicenciamento, de acordo com os doutrinadores referenciados (ALONSO JR., 2000; FARIAS, 2011; MACHADO, 2011; MEIRELLES, 1993; BENJAMIN & MILARÉ, 1993; D’OLIVEIRA, 2004), deixa de cumprir, pelo menos, dois dos princípios básicos da Administração Pública, estabelecidos no art. 37 da Carta Magna: a impessoalidade e a moralidade. A impessoalidade está relacionada à falta de neutralidade, pois além de o poder discricionário permitir o subjetivismo, permite ainda que a pessoa jurídica de direito público proponha e julgue seu próprio projeto. Já a moralidade se constitui de um atributo indissociável da legitimidade do procedimento administrativo e a sua ausência no autolicenciamento viola o próprio direito, ocasionando irregularidade e tornando inválidos a conduta e o resultado. Portanto, não é suficiente que o ato seja legalmente permitido, é imprescindível que se alcance o enfoque moral e ético.

Constata-se que essa situação está diretamente relacionada com o superpoder atribuído ao Poder Público enquanto responsável pelo licenciamento ambiental, já que está legalmente habilitado para licenciar seus próprios empreendimentos. O Estado possui tanto poder que, além de se autolicenciar, se autofiscaliza.

Portanto, faz-se necessária a utilização de mecanismos que possam de alguma forma controlar esse poder. De acordo com os doutrinadores aqui apresentados, vislumbram-se algumas possibilidades para tornar o autolicenciamento ambiental mais isento, minimizando os riscos de inobservância dos princípios da impessoalidade e da moralidade.

Uma das possibilidades colocadas por Farias (2011) seria de que o licenciamento ambiental dos empreendimentos públicos de maior impacto ambiental fosse acompanhado por outro ente federativo.

Essa é uma questão complexa porque envolve o exercício do poder do Estado, que está repartido nas unidades federativas e estas, evidentemente, não querem abrir mão

69 O princípio da prevenção deve ser aplicado quando se está diante de riscos certos, conhecidos e

identificáveis, que podem ser reduzidos ou eliminados; quando o nexo causal é cientificamente comprovado e se sabe quais as consequências de se iniciar determinado ato, prosseguir com ele ou suprimi-lo (YOSHIDA, 2009).

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O princípio da legalidade é “a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade com a lei” (BANDEIRA DE MELLO, 2011, p. 100). Isso quer dizer que qualquer ação da Administração Pública deve estar prevista em lei.

70 desse poder. Ademais, envolve a questão da repartição de competências. A LC 140/2011 estabelece que o licenciamento será feito por um único ente federativo, dentro dos critérios nela estabelecidos. E diz mais, os entes federativos interessados poderão se manifestar aos órgãos responsáveis pela licença ou autorização de maneira não vinculante. Ou seja, podem oferecer contribuições, podem fazer objeções, mas isso não será de maneira vinculante. Além disso, estabelece que quem licencia fiscaliza. Portanto, esse acompanhamento não teria poder deliberativo. Se ao invés de acompanhamento fosse feito o licenciamento por outro ente federativo, num nível superior, também haveria problemas, já que quando se tratasse de empreendimento de interesse federal, não haveria um ente em um patamar superior para licenciar esses empreendimentos.

Outra possibilidade, apresentada por Machado (2011), é a utilização do duplo ou tríplice licenciamento ambiental. Ora, como foi verificado o licenciamento ambiental é um processo muito complexo e moroso, mesmo realizado em um único nível de competência. Considerando que esse tipo de procedimento em geral conta com instituições mal aparelhadas, o duplo ou triplo licenciamento, provavelmente, inviabilizaria a instalação dos empreendimentos públicos, que na maioria das vezes são de interesse social e geradores de emprego e renda.

Mas, se essas possibilidades não se aplicam, surge a questão: quais seriam as melhores possibilidades de controlar o poder da Administração Pública de maneira a tornar o autolicenciamento ambiental mais isento?

No próximo capítulo serão apresentadas algumas possibilidades de controle do autolicenciamento ambiental, com ênfase na atuação do Ministério Público e, em especial, no controle efetuado junto ao órgão ambiental do Distrito Federal, pelo MPDFT.

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