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O presente estudo teve como objetivo analisar a atuação do Ministério Público em relação ao autolicenciamento ambiental no Distrito Federal, a partir do exemplo do Setor de Habitações Coletivas Noroeste/Área de Expansão Urbana Noroeste. A análise foi realizada a partir dos principais mecanismos de atuação do Ministério Público no processo de autolicenciamento ambiental; dos procedimentos de autolicenciamento ambiental do Distrito Federal; da atuação do MPDFT e do órgão ambiental do DF no processo de licenciamento do Setor Noroeste; e das possibilidades de tornar o autolicenciamento ambiental mais isento em relação aos princípios da Administração Pública. Além disso, foram considerados os princípios ambientais da prevenção, da precaução, do poluidor-pagador e do usuário- pagador e, ainda, o princípio da participação popular.

Foram também consideradas as opiniões dos gestores, empreendedores, promotores de justiça, Procurador da República e representantes da sociedade civil entrevistados, assim como as respostas e opiniões colhidas nos questionários aplicados aos analistas do órgão ambiental do DF e aos Analistas Peritos do MPDFT, cujos resultados foram descritos ao longo da tese.

Partiu-se da hipótese de que o Ministério Público é, hoje, o principal órgão de controle do autolicenciamento ambiental, mas a sua atuação não tem assegurado a estrita observância dos princípios da Administração Pública, em especial a impessoalidade e a moralidade, nem dos princípios norteadores do licenciamento ambiental.

As perguntas norteadoras da pesquisa foram: há ingerência política nos procedimentos de autolicenciamento ambiental? Como se dá a relação do MPDFT com o órgão do DF responsável pelo licenciamento ambiental? A intervenção do Ministério Público nos procedimentos de autolicenciamento ambiental do DF está contribuindo para a preservação ambiental? O que poderia ser feito para tornar o procedimento de autolicenciamento ambiental mais isento?

Há que se considerar que, historicamente, o licenciamento ambiental tem sido um instrumento de política pública marginalizado nas prioridades dos governos e dos governantes, porque na pressa de realizar obras e empreendimentos definidos de última hora, sem planejamento, muitas vezes, para cumprir promessas de campanhas eleitorais ou mesmo defender interesses de minorias privilegiadas, os governos entendem o licenciamento ambiental como um obstáculo à prática das suas ações. No Brasil, essa afirmativa vale para todos os níveis de governo, quer seja federal, estadual ou municipal. O Distrito Federal não foge à regra e isso reflete o embate entre expansão urbana e sustentabilidade ambiental gerado pelo polo de atração regional que se tornou a capital federal. A história dos órgãos ambientais do Distrito Federal também reflete essa realidade. Ela tem sido permeada por instabilidade e fragilidade. Desse modo, o autolicenciamento

193 ambiental fica refém dessa ausência de solidez, uma vez que no órgão ambiental falta todo tipo de infraestrutura, quer seja técnica, procedimental, funcional e de pessoal.

A ingerência política sobre os processos de autolicenciamento ambiental é, visivelmente, em função da pressa em se obter as licenças. Os empreendimentos de governo, em geral, são de grande porte e causadores de significativos impactos ambientais. Assim, esses empreendimentos dependem de estudos ambientais complexos, geralmente o EIA/Rima, que estão sujeitos à audiência pública. Além disso, o procedimento licenciatório envolve uma legislação ampla e rigorosa, que exige a oitiva de diversos órgãos, num sistema burocrático intrincado, constituído de instituições frágeis e mal estruturadas. Ademais, ainda há falta de planejamento das ações de governo.

Além da complexidade desse procedimento, há ainda as visões multifacetadas dos diversos atores, cada um com uma opinião diferente. Há pressões vindas de todos os lados, dos empreendedores, dos empresários, da sociedade civil organizada, do setor imobiliário, entre outros. O órgão ambiental que, em tese, é obrigado a agir legalmente e com impessoalidade, acaba se submetendo aos diferentes interesses, ficando, em alguns casos, sujeito a pressões políticas. Isso acaba por prejudicar o processo, que, por vezes, perde a isenção, deixando de observar alguns princípios da Administração Pública, como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, além dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Deixa ainda de observar os princípios norteadores do licenciamento ambiental, como o princípio da prevenção, o da precaução, o do poluidor- pagador e o do usuário-pagador, assim como o princípio da participação popular.

No caso específico do Setor Noroeste, o processo de licenciamento ambiental foi iniciado em 1997, para o Setor Habitacional Noroeste, e se arrastou por vários anos. Primeiramente, em função da atuação do MPDFT a partir de representações feitas pela sociedade civil organizada e, posteriormente, devido à falta de definição do próprio governo e a conflitos de competência. O Setor, que inicialmente era apenas habitacional, foi definido como Área de Expansão Urbana Noroeste, no plano de governo da gestão 2003-2006 do GDF. A partir dessa definição, o processo ficou mais ágil, mas ainda assim a Licença Prévia só foi concedida em dezembro de 2006 (quase nove anos depois de iniciado o processo), no ‘apagar das luzes’ desse Governo. Já a Licença de Instalação foi emitida quase dois anos depois da primeira LP, e isso se deveu à ação do MPF e MPDFT, que atuaram exigindo a oitiva de alguns órgãos que deveriam ter se manifestado antes da emissão da LP, além do cumprimento de condicionantes e exigências que estavam pendentes. Apesar dessa demora, foram observados, em diversos momentos do processo, atitudes e procedimentos que demonstram o caráter de urgência aplicado, devido à pressão política.

A partir do observado no procedimento licenciatório do Setor Noroeste, das entrevistas e questionários aplicados aos principais atores envolvidos no processo, é possível concluir que o Ministério Público tem um papel fundamental no processo de licenciamento ambiental,

194 devido a sua total autonomia e independência para agir e cobrar da Administração Pública o cumprimento da lei, e, especialmente, nos processos de autolicenciamento. Sua atuação ocorre, principalmente, em acatamento e apuração das denúncias oriundas da sociedade civil. Todavia, sua infraestrutura não está adequada ao cumprimento de suas atribuições, como fiscal da lei, de maneira que possa agir em tempo hábil e de forma eficiente.

Além disso, os instrumentos processuais utilizados pelo MP não cumprem o seu papel de forma eficiente. As Recomendações nem sempre são cumpridas e a assinatura de TAC não garante o seu cumprimento pelo Poder Público, partindo-se para outros tipos de estratégias como reuniões e parcerias, de forma a evitar a via judicial e não interromper as obras/empreendimentos de interesse do governo.

As Ações Civis Públicas nem sempre são exitosas, além de serem muito morosas. Quando se dá o julgamento, muitas vezes o empreendimento já está totalmente implantado, tornando-se quase sempre impossível reverter a situação.

Em que pese a pouca estrutura e os instrumentos utilizados apresentarem deficiências, é inegável que a atuação do MP tem contribuído para imprimir mais rigor aos processos de licenciamento ambiental em geral, e de autolicenciamento ambiental, em particular, bem como para a melhoria da qualidade ambiental das atividades licenciadas e para a preservação ambiental. Essa contribuição se dá, especialmente, a partir dos questionamentos relativos aos estudos ambientais apresentados (EIA/Rima, Riac e Rivi); da atenção em relação à realização de audiência pública; e do acompanhamento das condicionantes constantes das licenças ambientais emitidas pelo órgão ambiental do DF. Já que, por falta de estrutura, o órgão ambiental está mais focado na emissão da licença do que no monitoramento dessas condicionantes.

Por outro lado, as ações do MP não têm sido suficientes para a observância dos princípios da Administração Pública, em especial a impessoalidade e a moralidade, nem tampouco dos princípios norteadores do licenciamento ambiental, como o princípio da prevenção, o da precaução, o do poluidor-pagador, o do usuário-pagador e o da participação popular. Essas ações também contribuem para a morosidade dos processos de autolicenciamento ambiental, devido às interrupções no procedimento, em função das suas diversas intervenções. Cabe esclarecer que a morosidade inerente ao licenciamento ambiental também está associada à necessidade de oitiva de um grande número de instituições, nos níveis federal e do Distrito Federal, que em geral também não estão aparelhadas para o desempenho dessa função.

Deve-se, ainda, considerar que a morosidade do processo de licenciamento ambiental não está associada apenas à falta de aparelhamento do órgão ambiental ou à atuação do Ministério Público ou à oitiva de diversos órgãos da Administração Pública, que, em geral, não estão estruturados para responderem as demandas em tempo hábil. Essa morosidade também está relacionada a uma diversidade de fatores, dentre os quais se destacam:

195 estudos ambientais de má qualidade, o que, em muitos casos, está relacionado a Termos de Referência mal elaborados e gera o pedido de complementações, que demanda tempo; falta de seriedade dos empreendedores públicos, que deixam de atender às demandas do órgão ambiental nos prazos estabelecidos, o que é agravado em função da impunidade; conflitos de competência; falta de clareza da legislação; e, no Distrito Federal, em especial, a questões dominiais e fundiárias.

Por outro lado, a preocupação com a morosidade não pode ser motivo de negligência no processo de licenciamento ambiental, deixando de cumprir os ritos legais e desrespeitando o princípio da prevenção. Portanto, torna-se necessário instituir o planejamento das ações do Poder Público de maneira que seus empreendimentos possam ser licenciados sem pressa, em tempo hábil e com qualidade, cumprindo o seu papel preventivo em relação aos impactos ambientais.

Contudo, um maior controle sobre os processos de autolicenciamento ambiental, inevitavelmente, promoverá a morosidade do procedimento licenciatório, mesmo que haja infraestrutura adequada no órgão licenciador e nos órgãos que são objeto de oitiva. Dessa forma, torna-se necessário o estabelecimento de critérios para a definição de empreendimentos de interesse ambiental e social, com a instituição de procedimentos mais ágeis para o seu licenciamento. Como exemplos citam-se empreendimentos, cuja implantação é mais benéfica ao meio ambiente e à saúde pública do que a sua não instalação, tais como: sistemas de abastecimento de água; sistemas de esgotamento sanitário; redes de drenagem pluvial, entre outros.

O comprometimento da eficiência verificada na atuação do MPDFT não se reduz a sua falta de estrutura adequada, nem à ineficiência dos seus instrumentos processuais, está também relacionado a um problema de natureza crônica que envolve tanto o desaparelhamento do órgão ambiental do DF quanto à complexidade do procedimento licenciatório em função de uma legislação ampla e rigorosa, além da ausência de definição de procedimentos mais claros e objetivos. Mas, acima de tudo, relaciona-se à falta de um canal de comunicação mais ágil entre o MPDFT e o órgão ambiental.

A atuação do MPDFT também pode prejudicar o andamento dos processos de autolicenciamento ambiental porque desvia a atenção dos analistas para responderem suas demandas. Isso, igualmente, está mais relacionado à falta de estrutura do órgão ambiental do DF, uma vez que este deveria estar preparado tanto para licenciar, quanto para acompanhar o cumprimento das condicionantes colocadas nas licenças e ainda atender às demandas do MPDFT em tempo hábil.

Uma questão que está relacionada à deficiente estrutura do órgão ambiental do DF e é merecedora de destaque é a existência da força-tarefa no âmbito desse órgão. Ficou claro no decorrer da pesquisa que esse mecanismo utilizado pelo Governo para agilizar o andamento dos processos dos empreendimentos de seu interesse torna o

196 autolicenciamento pessoalizado, desrespeitando o princípio da impessoalidade, além de não ser condizente com uma postura ética e moral, ferindo assim o princípio da moralidade.

Entretanto, não há embasamento legal que descredencie o ente federativo a licenciar seus próprios empreendimentos. Portanto, torna-se necessário o desenvolvimento de um conjunto sinérgico de mecanismos e condutas, a partir de procedimentos apropriados e da edição de leis que regulem expressamente o autolicenciamento ambiental, de maneira a tornar o procedimento mais isento, igualitário e justo.

Nesse sentido, conjecturam-se algumas possibilidades aceitáveis, que podem ser adotadas, isolada ou cumulativamente, quais sejam:

1. Criar um canal de comunicação entre o MPDFT e o órgão ambiental do DF, de maneira a disponibilizar a esse órgão em tempo hábil, as informações relativas ao autolicenciamento, de forma que a sua atuação possa acontecer também em tempo hábil. Esse canal de comunicação pode ser concretizado com a completa implantação do Sistema Nacional de Informação sobre o Meio Ambiente (Sinima), disponibilizando, em meio virtual, a todos os segmentos da sociedade, inclusive ao MP, todas as informações constantes dos processos de licenciamento ambiental, fazendo valer a Lei de Acesso às Informações Públicas;

2. Munir o órgão ambiental licenciador de um quadro de pessoal efetivo de maneira a se adequar à definição constante do art. 5º, Parágrafo único da Lei Complementar nº 140/2011, que define órgão ambiental capacitado;

3. Vetar a análise de processos de autolicenciamento por técnicos vinculados aos empreendedores;

4. Limitar a discricionariedade da Administração Pública, definindo entendimentos e métodos de avaliação e compensação;

5. Transformar o órgão ambiental licenciador em uma agência com modelo próprio, com Diretoria Colegiada sujeita à aprovação da Câmara Legislativa e mandato fixo, não coincidente com o do Governador, conferindo-lhe maior autonomia e independência, para agir com mais isonomia e com menor suscetibilidade a ingerências políticas;

6. Condicionar a deliberação quanto à concessão ou não da licença ambiental ao Conselho de Meio Ambiente do Distrito Federal (Conam/DF), nos casos de autolicenciamento;

7. Reestruturar o Conam/DF, conferindo-lhe paridade entre os membros do Governo e os da sociedade civil organizada e, ainda, dando mais espaço aos representantes das organizações ambientalistas.

Torna-se ainda necessária uma atuação mais eficiente do Ministério Público, já que este, como fiscal da lei, apresenta um papel da maior importância, seja acompanhando os

197 processos de licenciamento, seja instigando o poder público a elaborar leis mais efetivas e ainda a estruturar o órgão ambiental de maneira a atuar com eficiência e isenção. O acompanhamento de processos de autolicenciamento ambiental pelo Ministério Público, como foi mostrado no Capítulo 2, está fundamentado nas próprias funções constitucionais a ele atribuídas, entre elas a defesa do meio ambiente, o que justifica a adoção de medidas extrajudiciais e judiciais diante de eventuais lacunas, omissões ou falhas ocorridas nos procedimentos licenciatórios, objetivando a defesa preventiva do meio ambiente. Assim, o MP tem um papel essencial no sentido de pressionar o governo para adoção das medidas necessárias à implementação das sugestões aqui apresentadas. Para tanto, esse órgão precisa se estruturar de modo a atuar com eficiência e agilidade, fazendo valer seus instrumentos de atuação.

O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) também pode ter um papel importante, auditando com mais frequência a gestão financeira do órgão ambiental licenciador e dos empreendedores públicos cujas atividades causem impactos ambientais, já que o autolicenciamento ambiental envolve gasto de dinheiro público em duas vertentes, tanto no âmbito do órgão ambiental, quanto no âmbito do empreendedor.

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