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2 O CONTROLE INSTITUCIONAL DO AUTOLICENCIAMENTO AMBIENTAL

2.4 AGÊNCIAS REGULADORAS

Uma das formas de tornar o autolicenciamento ambiental mais isento é por meio do fortalecimento institucional do órgão ambiental licenciador. Esse fortalecimento pode ser alcançado utilizando-se o modelo de agência independente, como veremos a seguir.

As agências independentes se dividem em duas categorias, executivas e reguladoras. As agências executivas ocupam-se da execução técnica das leis e da implementação de programas governamentais, variando segundo os governos se alternam no poder. As reguladoras trabalham na regulamentação de setores a fim de que os mercados sejam competitivos, logo, exercem uma função mais permanente, executando políticas de Estado, sem que se alternem de acordo com as prioridades de diferentes governos (BRESSER PEREIRA, 1997, 2000).

As agências reguladoras de serviços de infraestrutura surgiram no panorama brasileiro a partir dos anos de 1990 como um novo modelo de gestão. Elas representam um modelo institucional moderno, trazido pelo processo de reforma do Estado, preconizando “[...] uma das principais inovações organizacionais do Estado brasileiro nos anos 90” (MELO, 2001, p. 247). Contudo, a agência ainda é um tipo de instituição cujas definição e autonomia ainda são questionadas no meio político, não estando muito claro se a sua autonomia é suficiente para torná-la imune às ingerências políticas.

Entretanto, as agências reguladoras podem ser uma solução para o autolicenciamento, se for considerado o leque de critérios que as norteiam, conforme o documento “Conselho da Reforma do Estado”, no anexo “A Construção do Marco Legal dos Entes Reguladores” (BRASIL, 1997), a saber: autonomia e independência decisória; ampla publicidade de normas de regulação; celeridade processual; simplificação das relações mantidas entre ente regulador, consumidores, usuários e investidores; participação de interessados na elaboração de normas regulamentares em audiências públicas; e limitação da intervenção do Estado aos níveis indispensáveis a sua execução.

As agências reguladoras fazem parte da administração pública indireta, como autarquias sob regime especial, com processos decisórios colegiados. Com elas existe uma maior credibilidade regulatória, com maior estabilidade das regras (ABRÚCIO & PÓ, 2006).

96 No entendimento de Bandeira de Mello (2011), as autarquias em geral apresentam independência funcional, autonomia administrativa, autonomia financeira e patrimonial da gestão de recursos humanos, autonomia nas suas decisões técnicas e ausência de subordinação hierárquica. O que pode acontecer é um grau mais ou menos intenso dessas características. No caso das autarquias ‘sob regime especial’, “o único ponto realmente peculiar em relação à generalidade das autarquias está nas disposições atinentes à investidura e fixidez do mandato dos dirigentes destas pessoas” (op. cit. p. 174).

A regulação tem como objetivos promover e garantir a competitividade do mercado; garantir direitos de consumidores e usuários de serviços públicos; estimular investimentos em empresas concessionárias e em atividades correlatas; buscar a qualidade e a segurança dos serviços públicos ao menor custo possível; dirimir conflitos entre consumidores, usuários e empresas prestadoras de serviços; e prevenir o abuso do poder econômico dos agentes prestadores de serviços (BRASIL, 1997).

As agências reguladoras dos diversos tipos de serviços públicos foram instituídas com base, principalmente, no modelo institucional norte-americano, que viu suas primeiras agências florescerem a partir da década de 1930. Como afirma Melo (2001, p. 247), o padrão de regulação foi espalhado para diversos países: “A criação das agências regulatórias não constitui fenômeno isolado, mas, na realidade, representou um movimento fortemente marcado pela difusão internacional de um paradigma institucional”.

Na compreensão de Nunes (2001), as agências reguladoras são entidades que combinam funções executivas, legislativas e judiciárias, “[...] que apontam para a existência de um Estado dentro do Estado” (op. cit. p. 3) ou ainda, “[...] como se fossem um quarto poder emergente que anuncia uma maneira nova de olhar a coexistência entre os poderes tradicionais” (op. cit. p. 11). Para o autor, ao estabelecê-las, o Legislativo delegou-lhes funções complexas e mandatos imprecisos, havendo uma necessidade premente de se designar melhor suas competências, atribuições e posicionamentos dentro da estrutura do Estado.

A isso, de acordo com Abrúcio & Pó (2006), soma-se a percepção de uma expansão heterogênea do modelo regulador quando se observam as três principais gerações de agências reguladoras federais. Nos anos de 1996 e 1997 surgiram as agências ligadas aos setores privatizados, nos quais houve quebra de monopólio, como: no setor de energia elétrica, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel); no setor de telecomunicações, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); no setor do petróleo, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Na segunda leva relacionou-se à busca de eficiência e modernização do aparelho do Estado, nos anos de 1999 e 2000, com destaque para os setores de vigilância sanitária, com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e setor de saúde pública, com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Por fim, uma terceira geração, por volta de 2001 e 2002, apresentou uma

97 combinação de finalidades e áreas de atuação, como transportes terrestres, com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e transportes aquaviários, com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq); recursos hídricos, com a Agência Nacional de Águas (ANA); e cinema, com a Agência Nacional do Cinema (Ancine).

O modelo brasileiro de agência reguladora planejado para o nível federal, por meio da Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, tem como características mais marcantes a Diretoria Colegiada e a nomeação dos diretores pelo Presidente da República, após a sua aprovação pelo Senado Federal. Além disso, o Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente é nomeado pelo Presidente da República dentre os integrantes do Conselho Diretor ou da Diretoria, respectivamente, e investido na função com prazo fixado no ato de nomeação (Art. 4º e 5º).

Esse modelo estendeu-se aos níveis estadual e municipal. No Distrito Federal, esse modelo foi adotado com a criação da Agência Reguladora de Águas e Saneamento do Distrito Federal (Adasa) em 2004. Na sua Lei de criação95 fica estabelecida a Diretoria

Colegiada, cujo Diretor Presidente é nomeado pelo Governador do Distrito Federal, com mandato não coincidente de cinco anos, admitida uma única recondução. “Os diretores terão seus nomes previamente indicados pelo Governador do Distrito Federal para a arguição pública e aprovação da Câmara Legislativa do Distrito Federal, inclusive no caso de recondução” (Art. 16, § 2º).

O Ibram/DF, órgão responsável pelo licenciamento ambiental no Distrito Federal, criado por meio da Lei nº 3.984, de 28 de maio de 2007, é uma entidade autárquica com personalidade jurídica de direito público, que embora tenha autonomia administrativa, financeira e patrimonial, não tem diretoria colegiada, nem tampouco submetida à aprovação da Câmara Legislativa ou com mandato pré-fixado. Portanto, sua sujeição à ingerência política é ainda maior.

Considerando que o órgão ambiental licenciador não apresenta alguns dos objetivos inicialmente previstos para as agências reguladoras, como por exemplo, garantir a competitividade de mercado ou prevenir o abuso do poder econômico dos agentes prestadores de serviços, haveria a necessidade de se criar um modelo de agência próprio para um órgão dessa natureza. Essa agência deveria guardar, como característica imprescindível, o estabelecimento de uma Diretoria Colegiada, sujeita à aprovação da Câmara Legislativa do DF e com prazo de mandato fixo, não coincidente com o do Governador, de maneira que seu presidente e diretores tivessem mais autonomia, para a tomada de decisões.

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A Adasa foi crida por meio da Lei nº 3.365, de 16 de julho de 2004. Essa Agência foi restruturada por meio da Lei nº 4.285, de 26 de dezembro de 2008, passando a chamar-se Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal, ficando vinculada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Seduma). Passou a ser vinculada à Semarh/DF, por meio do Decreto n° 32.716, de 1° de janeiro de 2011, que deu nova estrutura administrativa ao GDF.

98 No próximo capítulo será analisado o caso do autolicenciamento ambiental do Setor Noroeste, a partir do procedimento licenciatório, que tramita no Ibram/DF, à luz da legislação ambiental federal e do Distrito Federal e considerando a atuação dos diversos atores envolvidos, com ênfase nos três principais atores, do ponto de vista deste trabalho, quais sejam: o órgão ambiental do DF, o empreendedor (Terracap) e o MPDFT. Será ainda considerada a participação popular, a partir da representação da sociedade civil ambientalista organizada, no Conselho de Meio Ambiente do Distrito Federal, da participação da sociedade civil em geral na audiência pública de apresentação e discussão do Relatório de Impacto de Ambiental e, ainda, nas representações apresentadas ao Ministério Público, em função de indícios de irregularidades encontrados no processo de licenciamento ambiental do Setor.

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