• Nenhum resultado encontrado

A fase prévia à expansão da frente da mineração

4 A FRENTE DE EXPANSÃO DA MINERAÇÃO NO SUDESTE PARAENSE

4.1 Evolução da Atividade de Mineração na Mesorregião

4.1.1 A fase prévia à expansão da frente da mineração

O primeiro marco da exploração mineral, no Sudeste Paraense, foi, em meados da década de 1930, a descoberta de diamante, próximo à embocadura do rio Tauiri, em terras do município de Marabá. Essa atividade – complementando a tradicional coleta de castanha-do-pará – iria contribuir, até o início da década de 1940, para a expansão do fluxo migratório e para alçar

85Além da análise de informações bibliográficas diversas e do levantamento de um conjunto de dados estatísticos de

fontes, como DNPM/MME, SECEX/MDIC, Tesouro Nacional, SIDRA/IBGE, e de relatórios da CVRD, a elaboração deste capítulo também contou com a realização de visitas ao Complexo de Carajás e à área de exploração do garimpo de Serra Pelada, onde foi possível colher impressões in loco e alguns depoimentos de dirigentes públicos e técnicos. (Ver lista de entrevistas realizadas, no apêndice 3)

86 Estudo feito pela CVRD e contido no relatório de Análise Territorial – Dimensão Econômica, no âmbito da

elaboração do “Plano de Gestão Integrada em Socioeconomia para os Empreendimentos da CVRD no estado do Pará”, editado em 2008. Os resultados desse estudo foram publicados, posteriormente, pelo professor Francisco de Assis Costa. (Ver referências a essas publicações na seção 4.3.)

eram incompatíveis, uma vez que a busca de diamantes no fundo dos rios era realizada no verão, quando as águas baixam. Surgiu, assim, um importante fator de fixação de mão-de-obra na

região” (VELHO, 1972:70).

Todavia, a elevada incidência de contrabando limitou em muito a contribuição dessa atividade para a receita municipal, de modo que, apesar de importante para a sobrevivência imediata da população, trouxe pouco desenvolvimento para Marabá. Como aponta Almir Moraes: “o número de garimpeiros no Tocantins ascendeu aos 30 mil homens, que não deixaram rastros,

nenhuma benfeitoria e nem novas residências em Marabá” (MORAES, 1998:73).

Durante a Segunda Grande Guerra, outra ocorrência mineral – de cristais de rocha – constituiu um fator decisivo para a sobrevivência econômica de Marabá e seu entorno. É que, no rasto do “esforço de guerra”, Marabá tornou-se fornecedor desses cristais87 para o mercado

europeu.

Findo o conflito mundial, a mineração ainda prossegue como atividade complementar à extração vegetal no Sudeste Paraense. Declina, porém, até perder espaço, a partir de meados da década de 1950, para a expansão da pecuária. A atividade mineradora ressurgirá daí em diante, em momentos de crise, por meio de pequenos garimpos (VELHO, 1972:71). Expressão maior só ocorrerá mais adiante, nos idos de 1980, com a exploração do garimpo de Serra Pelada.

Não obstante, a partir da década de 1950, na esteira da demanda mundial e nacional por minérios, algumas empresas multinacionais do setor iniciam prospecções minerais na Amazônia, das quais resulta a descoberta de extensos depósitos de bauxita e manganês. Nesse contexto, ressalta a primeira experiência empresarial de exploração mineral, em larga escala e moldes industriais, na Amazônia, com a descoberta de jazidas de manganês, ao final da década de 1940, na Serra do Navio (no então território do Amapá88). A partir de 1957, operacionaliza-se a

extração e a exportação desse minério, sob o comando da empresa brasileira Indústria e

Comércio de Minérios S.A. – ICOMI 89. Esse empreendimento constituiu um evento muito

87 Insumo essencial, no controle e estabilização de frequência das ondas sonoras do sistema de radiotransmissão. 88 O Amapá desmembrou-se do estado do Pará, em 1943.

89 Para maior detalhamento da experiência pioneira da mineração, na Serra do Navio, ver, entre outros: PORTO,

2007; MONTEIRO, 2005; e BRITO, 1994. Vale lembrar, como já foi mencionado no capítulo 2, que havia ocorrido uma tentativa frustrada, da Companhia Ford, de funcionamento de um projeto, em escala industrial, de plantação e beneficiamento de seringais (COSTA, 1993).

especializada em serviços de mineração, assim como uma referência para outros projetos mineradores.

A extração do minério de manganês da Serra do Navio permaneceu, até os anos de 1970, como a única atividade mineral expressiva, na Amazônia Oriental. Foi perdendo relevância, na medida do esgotamento das jazidas. Mas, a finalização do ciclo dessas minas de manganês só ocorreu em 2003.

Um novo e mais abrangente impulso à mineração, em bases empresariais, na Amazônia – com rebatimentos especialmente significativos no Sudeste Paraense –, começou a desenhar-se com as mudanças políticas desencadeadas pelo regime militar, a partir do golpe de 1964. O setor de mineração passou, então, a ser considerado estratégico para o desenvolvimento nacional. Sucederam-se iniciativas, visando ao melhor conhecimento do subsolo e à revisão e modernização da legislação, direcionada à exploração mineral.

“O Estado autoritário, a partir da convergência da geopolítica com a doutrina da segurança nacional, formulou uma estratégia de intervenção interna, que tomou formas específicas no caso da Amazônia. Era imperioso ocupar a Amazônia (...) Buscou-se isso por meio de políticas de desenvolvimento que pressupunham a firme articulação de interesses privados, em que se enquadravam as grandes empresas do campo da mínero- metalurgia” (MONTEIRO, 2005: 144).

Além do aparato institucional voltado para viabilizar a aplicação de políticas de desenvolvimento macrorregional – como a criação da SUDAM e a aplicação de incentivos fiscais para a Amazônia Legal – o Governo Federal realizou um significativo esforço de levantamento de informações sobre as características físicas e geológicas da Macrorregião, com destaque para o Projeto Radares da Amazônia – RADAM. Também houve, no âmbito nacional, a implementação de medidas legais, para facilitar a expansão da atividade mineral. O novo Código de Mineração do Brasil, de 1967, estatuiu, entre outras diretrizes, o fim do direito de prioridade do subsolo e revogou o item que exigia a comprovação de pesquisa mineral apenas de brasileiros (TEIXEIRA & BIESIEGEL, 2006: 148).

Deflagra-se, assim, no Pará e, em particular, no Sudeste Paraense, a partir do final da década de 1960, o processo de grandes descobertas minerais. Em 1966, a Companhia de

Pará. Nesse mesmo ano, a US Steel, por meio da sua subsidiária no Brasil, a Companhia

Meridional de Mineração – CMM, inicia um programa sistemático de pesquisas, no Brasil, com

foco especial no estado do Pará, buscando principalmente depósitos de manganês, intitulado

Brazilian Exploration Program – BEP 90. A área selecionada para as pesquisas do BEP foi o

extenso território do Centro-sul do Pará, situado entre a confluência dos rios Araguaia e Tocantins, a leste, e a calha do rio Tapajós, a oeste. Esse espaço também foi objeto de pesquisa da CODIM. As primeiras pesquisas, feitas no início de 1967, tanto pela equipe da BEP/CMM, quanto pela CODIM/Union Cabide, encontraram indícios de ocorrência de minério de ferro, na área posteriormente conhecida como Serra Leste (integrante do conjunto da Serra de Carajás). A CODIM, no entanto, não mostrou interesse em continuar, pois sua prioridade era a descoberta de manganês. Nesse ano, as prospecções da CMM avançaram e, depois de diversas incursões, acabaram comprovando, em agosto de 1967, que efetivamente existia ferro na Serra de Carajás.

“Em 22 de agosto de 1967 foi investigada a clareira de N1. Antes do dia 30 de agosto os geólogos Breno, Erasto e João Ritter concluíram o reconhecimento geral da superfície das principais clareiras das Serra Norte (N2 e N5) e da Serra Sul (S11), revelando enfaticamente a enormidade do conjunto mineralizado” (TEIXEIRA & BEISIEGEL, 2006: 156).

A CMM, com base na constatação da existência da reserva de ferro e do potencial de exploração de outros minérios, encaminhou ao Governo Federal uma série de novos pedidos de pesquisa91. Embora a CMM/US Steel tivesse adquirido legalmente a preferência para pesquisar

nas jazidas descobertas, a perspectiva de esse grupo privado estrangeiro ter a exclusividade, na exploração dos recursos minerais de Carajás, suscitou receio no Governo brasileiro. Diante da pressão do Governo Federal e da base legal do novo Código de Mineração do País – a respeito da regulação pertinente ao número de pesquisas permitidas a uma mesma empresa –, a CMM acabou firmando acordo de sociedade empresarial com a Companhia do Vale do Rio Doce – CVRD,

90 Dois geólogos foram emblemáticos na equipe do BEP: o americano e pesquisador sênior da United Steel Co.,

Gene Edward Tolbet, que foi o coordenador geral do programa, no Brasil, e o chefe de geologia da BEP, na Amazônia, Breno Augusto dos Anjos.

91 Além das jazidas de ferro, foram identificadas, também na Serra dos Carajás, jazidas de cobre, manganês, níquel,

capital acionário dividido em 51% para a CVRD e 49% para a CMM (CVRD, 2002:180).

A primeira e principal missão da AMZA foi a realização de uma série de pesquisas e estudos geológicos, no âmbito do que se denominou “Projeto Ferro Carajás”. Essas pesquisas concluíram, em 1974, pela existência, em Carajás, de uma grande província de minério de ferro de alto teor, cujas reservas – das maiores do mundo – foram estimadas, à época, em 18 bilhões de toneladas92. As pesquisas continuaram avançando, com maior intensidade ainda, após 1977, ano

em que se desfez a sociedade da CVRD com a CMM-US Steel, tornando-se a CVRD a única acionista da AMZA.

Nesse mesmo ano (como já foi analisado no capítulo 2), o Governo Federal, com o intento de acelerar o processo de expansão do capital na Amazônia, concebeu o Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia – Polamazônia. Assim, além de apoiar os projetos agropecuários, também buscou a consolidação de polos amazônicos de produção mineral, tendo como cerne das propostas a perspectiva de geração de efeitos encadeadores de atividades consideradas chaves93 (MONTEIRO, 2005:188).

Segundo Monteiro (2005:188-192), foram identificados três polos de exploração mineral na Amazônia:

i) o polo do Amapá, que consistiu, especialmente, no apoio aos projetos de extração e pelotização de manganês pela ICOMI, na Serra do Navio, e de exploração industrial de caulim pela Caulim da Amazônia – CADAM, sob o comando do grupo Jari Florestal;

ii) o polo Trombetas, basicamente centrado na extração e beneficiamento da bauxita, nas proximidades do rio Trombetas, no município de Oriximiná (PA), envolvendo os projetos de exploração de bauxita feita pela Mineração Rio Norte – MRN (consórcio CVRD e ALCAN) e pela Alumínio Brasileiro S/A –

92 Entre os anos de 1970 e 1974, além dos estudos de prospecção das reservas minerais, foram realizados estudos

técnicos e econômicos preliminares sobre a mineração, beneficiamento e transporte do minério de ferro da Serra dos Carajás, bem como sobre a seleção do local para as instalações portuárias, e a avaliação do mercado nacional e mundial de ferro. Para maior detalhamento desse processo, ver o estudo feito por João B. G. Teixeira e Vanderlei de Beisiegel (2005:174-225).

93 Ver, no capítulo 1, os conceitos de François Perroux de “polos de crescimento” e de “indústrias motrizes” e seus

Corporation – NASC), e de produção de alumina, a cargo da Alumínio Norte

do Brasil S/A – ALUNORTE; e

iii) o polo Carajás, localizado, à época, no município de Marabá94, com foco

inicial na expansão da extração do minério de ferro da Serra dos Carajás e na implantação de uma usina de pelotização.

Face à complexidade e abrangência desses polos, sobretudo do de Carajás, o Governo Federal precisou implementar uma série de grandes obras de infraestrutura (construção de hidrelétrica, ampliação da malha viária, implantação de vias férreas, porto e núcleos de moradias, entre outras), necessárias aos empreendimentos, bem como estabelecer medidas, visando à superação das dificuldades de financiamento dos projetos.

Diante desses desafios e levando em conta a necessidade – precípua, à época – de agilizar-se a instalação e o início da operação dos projetos mínero-metalúrgicos95, o Governo

Federal criou, pelo Decreto-Lei n◦ 1.813, de 24 de novembro de 1980, o Programa Grande Carajás – PGC. Para o professor do NAEA-UFPA Maurílio de A. Monteiro, o PGC consistiu em “uma tentativa de coordenar a execução de projetos já existentes na área (especialmente o projeto de ferro Carajás, a Albras, a Alunorte e Usina de Tucuruí) e de concentrar ainda mais os

recursos estatais e os oriundos de incentivos fiscais e creditícios” (MONTEIRO, 2005:190).

O PGC cobria uma área de 890 mil km² (o equivalente a 10,5% do território nacional), compreendendo parte dos estados do Pará (basicamente a atual Mesorregião do Sudeste Paraense), Maranhão e Goiás (atual estado do Tocantins). O programa teve como núcleo principal o projeto Ferro Carajás, operando com extração, beneficiamento, transporte e comercialização de minério de ferro, além de explorar outros recursos minerais, a exemplo do cobre, manganês e níquel, e produzir ligas.

Afora esse, o PGC também contemplava os projetos de:

94 A partir de 1988 a área contemplada pelo pólo de Carajás passou a fazer parte do município de Parauapebas,

emancipado de Marabá.

95 Além de os projetos mínero-metalúrgicos serem estratégicos para o fortalecimento da indústria de base do Brasil e

para a consolidação dos objetivos de desenvolver, de forma integrada, a Amazônia, também foram relevantes, na perspectiva de ampliar-se a geração de divisas para o País, em tempos de dificuldades na balança de pagamentos e dívida externa com tendência crescente.

Brasileiro S/A (ALBRAS), em Barcarena-PA;

ii) extração mineral de bauxita da RTZ/CVRD, em Paragominas-PA; iii) fabricação de ferro-gusa e ferro-esponja, em Tucuruí-PA;

iv) metalurgia a carvão vegetal, em Marabá-PA; e

v) mineração de cassiterita e estanho, em São Félix do Xingu-PA (VALVERDE, 1989: 22-23).

O Sudeste Paraense foi o grande foco espacial do PGC, quer pela presença de várias iniciativas de exploração mineral, tendo como carro-chefe a extração de ferro da Serra dos Carajás, quer pela construção da hidrelétrica de Tucuruí e da Estrada de Ferro Carajás – as duas grandes e fundamentais obras para o fomento do PGC –, quer pela perspectiva de instalação de empresas siderúrgicas produtoras de ferro-gusa.

Inicia-se, na década de 1980, uma nova etapa, no desenvolvimento do País, em especial na Mesorregião do Sudeste Paraense, baseada na exploração de recursos minerais em grande escala, o que se configurará, como aponta Bertha Becker, “uma nova fase na expansão da

fronteira” (BECKER, 1997: 62).

A presença de grandes projetos minerais – com destaque para a atuação da CVRD, complementada pela retomada da garimpagem tradicional de ouro, que ressurgi com vigor, a partir do garimpo de Serra Pelada – criou as condições básicas para a conformação de uma segunda frente de expansão do desenvolvimento do Sudeste Paraense, na década de 1980, em adição à frente agropecuária, em curso desde meados de 1960. Essa nova etapa marcará profundamente a dinâmica socioeconômica da Mesorregião, inserindo-a amplamente no mercado nacional e com perspectiva de maior participação no comércio exterior.

4.1.2 A fase de expansão da frente da mineração: garimpos, grande mineração e