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Significado contemporâneo de fronteira de recursos

1. BASE TEÓRICA E CONCEITUAL DO ESTUDO

1.2 Significado contemporâneo de fronteira de recursos

O movimento de expansão de fronteiras de recursos naturais – quer de natureza agrícola ou pecuária, quer de índole extrativista vegetal ou mineral – é um fenômeno evidenciado

em diversas regiões do mundo, associado a fatores como a política de desenvolvimento econômico, a pressão populacional, os interesses geopolíticos, as migrações internas etc.

As fronteiras de recursos são tradicionalmente definidas como áreas de povoamento novo, em que o território, antes virgem e não ocupado, é povoado e transformado em produtivo. Consideram-se “frentes pioneiras” as fronteiras contíguas, ou seja, os espaços que passam a ser ocupados à frente das zonas de povoamento antigo. Por outro lado, as fronteiras não-contíguas referem-se a novas ocupações, que se processam em espaços distintos dos centros de povoamento, em geral separados de tais centros por grandes vazios demográficos (BECKER, 1982: 65).

No caso do Brasil, esse fenômeno se manifestou de diferentes formas, em espaços distintos do território nacional e em vários momentos da sua história. Nesse sentido, as fronteiras de recursos constituem um componente da evolução agrária brasileira, tendo ajudado a garantir:

i) a ampliação da margem extensiva do seu desenvolvimento; ii) o atendimento dos mercados urbanos em expansão; e

iii) a absorção de excedentes populacionais, oriundos de estruturas de propriedades antigas ou de crises, tanto de grandes atividades – a exemplo das plantations –, quanto das pequenas atividades, muitas vezes de subsistência (COSTA, 2000a: 49-51).

Para Celso Furtado (1961), o processo de formação e estruturação agrária brasileira está fortemente associado ao que denominou “agricultura itinerante”, ou seja, a uma contínua mobilidade de população rural, que migra para fronteiras agrícolas, demandando quantidades consideráveis de terras e perpetuando a utilização de técnicas agrícolas rudimentares, do que resulta uma considerável destruição de recursos naturais. Segundo ele:

“Se se ignora que o latifúndio é primeiramente um fenômeno político, que permitiu preservar o quadro de privilégios surgidos com a escravidão, não será fácil explicar certos paradoxos da organização da agricultura brasileira. Assim, do ponto de vista da empresa agro-mercantil, a mão-de-obra é simultaneamente escassa e barata, dada a abundância de terras sob controle da empresa. Toda vez que surgem condições favoráveis do lado da demanda (interna ou externa), a oferta de mão-de-obra constitui o fator limitante do aumento da produção. Essa escassez relativa de mão-de-obra implica no uso extensivo de terra, o que, dadas as condições ecológicas, leva a perpetuar a prática do shifting field cultivation, ou seja, da agricultura itinerante” (FURTADO, 1961:107).

Esse traço de mobilidade da fronteira descrito por Furtado marcou profundamente a etapa agroexportadora do Brasil. Entretanto, a partir do século XX, sobretudo pós-1970, a noção de agricultura itinerante toma outra conotação, sem deixar de refletir-se também em expansão da fronteira de recursos no País.

Como aponta Wilson Cano, a causa da itinerância da agricultura deixou de ser uma questão de manutenção do atraso do setor, passando a ser vista como o conjunto de novos expedientes, que podem ser resumidos na chamada “modernização conservadora”. Nas palavras de Cano: “A expansão da fronteira agrícola (...) já não se dava apenas em busca de terra virgem e pelo baixo nível de progresso técnico da agricultura migrante, embora continuasse a reproduzir e usar o trabalho barato” (CANO, 2002a: 140).

Além do fácil acesso à terra, pelos poderosos, e da “generosa” concessão de empréstimos subsidiados e de dívidas muitas vezes não saldadas, o processo de expansão fundiária verificado no País, a partir da década de 1970, também possibilitou o aumento do uso especulativo das terras ou do desvio de parte dos recursos de empréstimo para outros fins.

A professora Bertha Becker ressalta a transformação, que ocorre no Brasil, do sentido dado a fronteira de recursos. Segundo ela, havia, no passado, vínculos muito mais estreitos entre os processos de povoamento e de atração de investimentos, no bojo da expansão de atividades agrícolas ou minerais. Presentemente, a fronteira expande-se em outro patamar de integração e com uma nova amplitude dos capitais envolvidos. Segundo Becker, a fronteira que se estabelece, a partir da década de 1970, no País:

i) já nasce heterogênea, resultando na superposição de várias frentes produtivas; ii) ocorre acompanhada de forte ritmo de urbanização; e

iii) conta com a presença decisiva do Governo Federal no planejamento e na aplicação de investimentos infraestruturais (BECKER, 1997:10).

Acresce que a expansão da fronteira, no Brasil, com evidências importantes no caso do Sudeste Paraense, vem-se pautando pela discussão sobre a participação de pequenos produtores rurais e de grandes empreendimentos capitalistas agrícolas, pecuários, minerais etc., ou seja, pelo embate de dois projetos diferentes e contraditórios: o do pequeno produtor – de movimento mais espontâneo, em que o direito de posse é criado pelo trabalho – e o da grande empresa – baseado na lógica do mercado e na propriedade da terra.

Na década de 1920, a Amazônia Oriental recebeu importante fluxo de migrantes, advindos da Região Nordeste e atraídos pela coleta de castanha-do-pará. Posteriormente, o fluxo migratório (que se prolongou até o final da década de 1960) concentrou-se mais no Sul do Pará e no Norte do Mato Grosso, a partir de um transbordo da fronteira do estado do Maranhão, por um processo de colonização induzido pelo Governo Federal. Originou-se desse movimento geral a difusão de pequenos produtores, notadamente com base na agricultura familiar (ALMEIDA, 1992: 152-154).

A partir da década de 1970, ocorre o processo mais intenso de incorporação econômica da fronteira amazônica à economia nacional, por meio da inserção da grande empresa capitalista no campo, facilitada pela construção de grandes rodovias. Esse novo movimento, no espaço amazônico, emerge do processo mais amplo de integração nacional, consubstanciado na descentralização produtiva da economia brasileira, do centro dinâmico para a periferia, tendo o Estado exercido um papel relevante, com a formulação de um conjunto de incentivos, financiamentos e investimentos. À necessidade de ampliar-se o mercado interno e mobilizarem- se recursos, mediante a recuperação da área deprimida e a ocupação da Amazônia, acrescente-se a necessidade, à época, de reforçar-se a segurança nacional.

Essa expansão da fronteira de recursos, ocorrida na Amazônia e, em particular, na sua parte oriental, remete a um conceito mais contemporâneo de fronteira, não mais associado à noção de terras devolutas, cuja apropriação econômica seria realizada por pioneiros, nem tampouco por um processo de colonização agrícola. Como aponta a professora Bertha Becker:

“Distintivo da situação de fronteira não é o espaço físico em que se dá, mas o espaço social, político e valorativo que engendra. A hipótese alternativa é que a fronteira constitui um espaço em incorporação ao espaço global/fragmentado (...) O dado crucial da fronteira é, pois, a virtualidade histórica que contém: dependendo da forma de apropriação do espaço, das relações sociais e dos tipos e interesses dos agentes sociais aí constituídos, ter-se-á a formação de projetos políticos distintos” (BECKER, 1988:.67). O conceito de fronteira apresentado por Bertha Becker remete à hipótese de que, no presente contexto, o Sudeste Paraense não constituiria mais uma área de mera expansão da fronteira pioneira – isto é, como fronteira de ocupação inicial econômica e demográfica, moldando a configuração do território –, mas, sim, uma fronteira de expansão

econômica/empresarial, numa região em processo de avanço da consolidação do seu povoamento