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Enfoques localistas do desenvolvimento regional

1. BASE TEÓRICA E CONCEITUAL DO ESTUDO

1.1.4 Enfoques localistas do desenvolvimento regional

As recentes correntes teóricas dos chamados “modelos de especialização flexível”, do capital social local, do denominado “millieu innovateur", da nova geografia econômica e do

crescimento endógeno, entre outras, contrariam a abordagem descrita no item anterior, em que se

enfatizam a importância dos polos de crescimento, o papel fundamental das grandes empresas motrizes e os modelos de estímulos predominantemente exógenos à região. Para essas novas abordagens, é da escala local e das suas peculiaridades que surgem os elementos básicos de indução do desenvolvimento regional.

Autores como Piore & Sabel (1984), inspirados na abordagem regulacionista francesa, retomam e ampliam o conceito de distrito industrial de Marshall9, direcionando o foco de análise do desenvolvimento regional e local para o novo paradigma da especialização flexível, cujo formato espacial seria o distrito industrial, definido por esses autores como “arranjos locais" de pequenas e médias empresas.

Jimenez (2002), citando Cuadrado (1988), ressalta, entre as principais mudanças – sob o ponto de vista da formulação de estratégias de política regional, baseadas nos princípios da especialização flexível – a redução no uso de instrumentos do tipo incentivos fiscais e financeiros de caráter geral, que objetivavam diminuir as disparidades regionais, e a maior ênfase na implantação de políticas de estímulo à inovação tecnológica, ao incremento dos chamados serviços modernos e à ampliação e modernização da infraestrutura de telecomunicações e informação, com o que se passou a ressaltar o potencial de combinações, em um dado espaço, das tradições e vocações de produção local com as tecnologias avançadas mais apropriadas a sua situação (JIMENEZ, 2002: 41).

Outra vertente localista, que também buscou atualizar a concepção marshalliana de distrito, ampliando a relevância da dimensão institucional do desenvolvimento regional, refere-se

9. Ver atualização da definição marshalliana de distrito industrial de Becattini, segundo o qual consistiria em “uma

atividade socioterritorial caracterizada pela presença ativa de uma comunidade de pessoas e de uma população de empresas num determinado espaço geográfico e histórico” (BECATTINI, 1994: 42).

à contribuição de Robert Putnam (2000), com os postulados da chamada teoria do capital social, que tomou por base a sua interpretação do desenvolvimento de algumas regiões italianas. 10

Para esse autor, um fator fundamental para o desenvolvimento de uma região é a presença de uma organização social, caracterizada pelas relações permanentes de confiança, cooperação e respeito às normas, bem como pela existência de um sistema de participação da sociedade (PUTNAM, 2000:102-103). Tais características, segundo ele, são construídas historicamente pela sociedade e definem o que chama de “grau de comunidade cívica” (o estoque de capital social). Assim, Putnam inseriu os aspectos institucionais e a relevância do fortalecimento das redes de confiança e dos sistemas de participação cívica, como fatores tão importantes, quanto a relação entre conduta empresarial, ambiente econômico-social e sistema de inovações, para o desenvolvimento de um determinado espaço.

Complementando as abordagens teóricas dos distritos industriais e da especialização flexível, emergiu, em meados da década de 1980, a noção de meio inovador (“milieu innovateur”). Esse conceito foi desenvolvido a partir dos trabalhos do Groupement de Recherche

Européen sur les Mileux Innovateurs (GREMI), que envolveu a participação de diversos

pesquisadores, como Aydalot, Perrin, Camagni, Maillat e Crevoisier, entre outros.11 O objetivo principal do GREMI era desenvolver uma metodologia comum e uma abordagem teórica que permitisse uma análise da territorialidade da inovação, enfocando o papel do ambiente ou meio (milieu), no processo de desenvolvimento regional.

Aydalot, principal representante do GREMI, define milieu como um espaço geográfico que não tem fronteira definida estritamente, mas que apresenta certa unidade, traduzida por meio de comportamentos identificáveis e específicos. (AYDALOT, 1986)

Para Maillat e Perrin (1992: 32), milieu constitui-se de “recursos materiais (edificações, máquinas, capacidade financeira etc.) e imateriais (know-how, regras em vigor, elementos institucionais e as diversas formas de poder), gerados e conduzidos por diferentes atores (empresários, instituições de pesquisa e de formação, poderes públicos locais etc.)” No

10Robert Putnam inseriu-se, em alguma medida, na corrente de estudos, que surgiram a partir da década de 1970, dos

chamados “distritos industriais italianos”, em que se destacam Becattini, Brusco e Garofali. Para esses autores, atualizando e adequando os preceitos clássicos de Alfred Marshall, os distritos constituem-se em aglomerados produtivos – onde predominam pequenas e médias empresas; sendo localizados em espaços geograficamente circunscritos e atuando sobre o binômio cooperação/concorrência.

conjunto, os referidos atores detêm a capacidade de realizar escolhas estratégicas e possuir certo grau de independência, em relação ao meio exterior.

Já a chamada “Nova Geografia econômica” (NGE), segundo Jiménez (2002), é uma corrente teórica sugerida no final da década de 1980, procurando substituir a análise do espaço baseada nos pressupostos neoclássicos ortodoxos dos rendimentos decrescentes de escala e competição perfeita, pelos dos rendimentos crescentes e competição imperfeita.

Krugman (1991), principal representante da NGE, faz uso de modelos e técnicas da teoria da organização industrial, visando a desenvolver uma concepção dinâmica do espaço, alicerçada sobre a hipótese dos rendimentos decrescentes. Para eles, a imobilidade de alguns recursos – a terra, certamente, e, em alguns casos, a força de trabalho – atua como força centrífuga, que se opõe à força centrípeta da aglomeração. “A tensão entre essas duas forças molda a evolução da estrutura espacial da economia” (FUJITA et alii, 1999, apud JIMÉNEZ, 2002: 26).

Os modelos de localização da NGE procuram identificar os parâmetros que conduzem à aglomeração da produção (sobretudo industrial) e como isso ocorre em um determinado espaço. No entanto, não está no centro da análise o entendimento do espaço como potencial meio inovativo e onde se deve dar ênfase à interação dos atores.

Maria Migliono sintetiza assim a abordagem teórica da NGE:

“Não há papel determinante do meio local, com suas peculiaridades e relações históricas e culturais, ainda que Krugman aceite que o acidente histórico possa ter papel decisivo no surgimento de uma aglomeração qualquer” (MIGLIONO, 2003: 114-115).

Por outro lado, Krugman aposta nos possíveis efeitos para frente e para trás do crescimento das firmas individuais, como decisivos para o crescimento regional. Nesse ponto, a NGE apresenta outra fragilidade, por “apostar” em unidades produtivas móveis e desenraizadas, com pouco ou quase nenhum vínculo ou identificação com o meio local, podendo, conforme a conveniência das externalidades, migrar para outros espaços. No limite, o que lhe importa é alcançar a minimização dos custos de produção, nas relações de input-output.

Registre-se, também, a análise do desenvolvimento de uma região, a partir da teoria

do crescimento regional endógeno, cujos principais autores foram Robert Lucas (1988) e Paul

econômicas endógenas aos sistemas de mercado descentralizados. Fatores, como a inovação

tecnológica endógena (que surgem como resultado dos esforços dos agentes produtivos para

maximizarem seus lucros), o capital humano (ou seja, o estoque de conhecimentos dos agentes econômicos), e os arranjos produtivos institucionais (incluindo a política governamental e a organização da sociedade civil), assumem papel fundamental no crescimento contínuo da renda per capita.

O que se pode ressaltar de mais relevante nessa teoria é a ideia de que, em países, regiões ou locais mais bem munidos dos citados fatores, pode ocorrer um aumento mais intenso do valor agregado da produção, da produtividade do sistema econômico e do produto, possibilitando melhor distribuição da renda.

Por fim, vale ainda assinalar uma corrente, que ganhou força, nos últimos anos, na formulação de políticas regionais e urbanas, procurando inserir a questão espacial na perspectiva estratégica. Trata-se da corrente localista do denominado planejamento estratégico regional ou urbano, abordagem concebida, no início, para as cidades, sobretudo as do Terceiro Mundo, e aplicada, posteriormente, às regiões.

Segundo Jordi Borja e Manuel Castells (1996) – os principais representantes dessa linha teórica –, o estabelecimento de uma ação estratégica e planejada, aplicada em um dado espaço, pode proporcionar-lhe a inserção competitiva na nova ordem econômica mundial.

Assim, como as demais teorias estudadas, o planejamento estratégico parte do pressuposto de que a inserção competitiva das localidades depende, eminentemente, de fatores endógenos, responsáveis pela atratividade dos fluxos de capitais (transformações políticas, institucionais e físicas).

A viabilização da práxis dessa abordagem está relacionada aos estímulos e aos grandes projetos, que contemple uma participação ativa dos principais agentes públicos e privados e conquistem um amplo consenso político. Desse modo, o plano estratégico deve representar um norte para o futuro, no qual estejam contidas ações e medidas, a serem implementadas de imediato, a partir da cooperação público-privada. Por outro lado, o plano estratégico também é considerado uma importante ferramenta de marketing, para que a região (ou cidade) se torne mais competitiva. A construção de uma “marca” para a região molda a imagem

de um espaço empreendedor, socialmente integrado e que oferece elevada qualidade de vida e um “clima” favorável aos negócios.

Trata-se, portanto, de uma visão imediatista, que, em muitos casos, reduz políticas de desenvolvimento regional a tentativas de convencimento de que a saída de crises econômicas e a condução do desenvolvimento regional dependem da elaboração de um bom plano estratégico, capaz de garantir a necessária articulação com outros atores regionais e de promover as transformações físicas, econômicas e sociais indispensáveis (BORJA & CASTELLS, 1996).