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A transmissão interregional do desenvolvimento

1. BASE TEÓRICA E CONCEITUAL DO ESTUDO

1.1.3 A transmissão interregional do desenvolvimento

Outro eixo de abordagem, que tem influenciado as políticas de desenvolvimento regional, diz respeito às teorias que destacam os mecanismos referentes à transmissão interregional do desenvolvimento, a partir da região mais dinâmica, ou seja, à relação que se estabelece entre o pólo econômico de um sistema econômico e as regiões periféricas ou menos dinâmicas.

Leva-se em consideração, em primeiro lugar, que as diversas regiões, integrantes de um dado território (um país, por exemplo), não se desenvolvem no mesmo ritmo. Ao invés, inicialmente ocorre dinamismo em apenas um ou alguns pontos, esperando-se que, na sequência, os efeitos se propaguem para o resto do país. O desenvolvimento das regiões periféricas ou atrasadas depende da predominância de efeitos favoráveis.

Destacam-se três pesquisadores, nessa linha de abordagem: Hirschman, Myrdal e. Perroux. De fato, importantes contrapontos à abordagem estática e equilibrista neoclássica, no tratamento da espacialidade do desenvolvimento foram realizados pelos pesquisadores Albert Hirschman (1977) e Gunnar Myrdal (1968), que - entendendo o desenvolvimento como um processo dinâmico - procuraram respostas para as seguintes questões centrais: De que forma ocorre o início do impulso desenvolvimentista no espaço? Quais os fatores que levam determinada área a apresentar maior dinamismo que outra? Como funcionam os mecanismos de transmissão territorial do processo de desenvolvimento?

Nas análises de Hirschman e Myrdal fica implícito que o impulso inicial de uma atividade econômica, em uma dada região de um país, ocorre por vantagens geográficas diversas – como, por exemplo, presença de jazidas minerais, disponibilidade de energia ou existência de solos favoráveis a certas lavouras – que acabam induzindo o aparecimento de pontos de crescimento. Entretanto, propuseram argumentos distintos para esse movimento.

Para Hirschman, uma vez deflagrado, o processo de crescimento não ocorre simultaneamente em todas as partes, mas emergem forças que promovem a concentração espacial da atividade econômica e do desenvolvimento, em torno de certos pontos de partida. O desenvolvimento econômico, no sentido geográfico, segundo o autor, “é necessariamente

desequilibrado”, sendo uma “condição inevitável e concomitante ao próprio processo de crescimento” (HIRSCHMAN, 1977: 36).

O progresso ocorrido em um determinado espaço acaba por determinar reações, tensões e constrangimentos ao crescimento de outros pontos, o que, para Hirschman, levaria a uma tendência ao desequilíbrio do crescimento no território. Segundo ele, essa perspectiva, especialmente tratando-se de estruturas de países em desenvolvimento, resulta no que denominou “dualismo” (Idem: 37).

Entretanto, reconhece que, apesar de conquistada uma posição de prevalência, os agentes econômicos tendem a superestimar, de forma sistemática, a importância das vantagens de concentração e integração, pouco levando em conta as oportunidades de investir em outras regiões. Nesse sentido, o desenvolvimento observado nos centros dinâmicos pode resultar no estímulo de forças, que podem induzir, em determinadas condições, o desenvolvimento das regiões periféricas. Hirschman estabelece a possibilidade de “transmissão interregional do crescimento econômico”, a partir do que convencionou designar como “efeitos de fluência” e de polarização. Partindo do que chamou de “Norte”, uma região que experimenta um crescimento vigoroso, e de “Sul”, uma região que permanece estagnada, descreve:

“Não importa quão forte e exagerada seja a preferência espacial dos agentes econômicos, uma vez que o crescimento se fortaleça em parte do território nacional, obviamente, colocam em movimento, certas forças que atuam nas partes restantes. [...] O crescimento do Norte causará uma série de repercussões econômicas diretas no Sul, algumas favoráveis, outras não. Os efeitos favoráveis consistem de efeitos de fluência do progresso nortista [...], o mais importante destes efeitos é o aumento das compras e investimentos no Sul, um aumento que certamente ocorrerá se as economias das duas regiões forem complementares [...] Por outro lado, vários efeitos desfavoráveis ou de polarização devem estar ocorrendo ao mesmo tempo. [...] O efeito de polarização mais sério consiste no tipo de migração interna que pode suceder aos avanços econômicos do Norte. [...] o progresso nortista poderá retirar do Sul seus técnicos e administradores chaves, bem como seus empresários mais jovens e dinâmicos" (Ibidem: 40).

Hirschman (ibidem: 41) tem uma visão otimista, ao afirmar que, no longo prazo, os efeitos de fluência devem superar os de polarização, pois, na medida em que se alcança um nível crítico de concentração nos pontos (polos) onde se iniciou e expandiu o processo de crescimento,

abre-se a possibilidade de desconcentração, com a ampliação da complementaridade entre estruturas produtivas das regiões dinâmicas e periféricas.6

Por sua vez, Gunnar Myrdal (1968), apesar de reconhecer que o desenvolvimento ocorre de forma desigual no espaço, apóia-se, ao contrário de Hirschman, na hipótese de a concentração tender a perpetuar-se num processo de causação circular acumulativo e, para romper com esse processo, ser necessária uma difusão, desde o início e de forma intencional, dos efeitos do desenvolvimento pelas diversas regiões que integram um país. Segundo Myrdal, “o jogo das forças do mercado tende, em geral, a aumentar e não a diminuir as desigualdades regionais” (MYRDAL, 1968:51).

Caso as forças do mercado não sejam controladas por uma política intervencionista, as atividades econômicas que proporcionem remuneração bem acima da média tenderiam a concentrar-se em determinadas localidades e regiões, deixando o resto do país de certo modo estagnado (cf. LOPEZ, 1982: 23, referindo-se a MYRDAL, 1968: 51).

Por seu turno, agravar-se-ia a divergência das desigualdades regionais, caso os efeitos regressivos (back wash effects) fossem mais fortes que os efeitos propulsores (spread effects) sobre as regiões atrasadas. Esse processo foi definido por Myrdal como “princípio da causação circular e acumulativa”. Assim, para Myrdal, o Estado tem um papel fundamental no processo de desenvolvimento de um país ou região, pela capacidade que pode ter, no sentido de combater possíveis “efeitos regressivos” e fortalecer “efeitos propulsores”. Assim, o Estado pode contribuir para garantir que o “processo circular e acumulativo” do desenvolvimento reduza as desigualdades regionais e se estabeleça uma convergência do desenvolvimento das regiões.

Myrdal utiliza seus argumentos para contrapor-se às ideias de equilíbrio estável dos neoclássicos. É incisivo na refutação deste raciocínio:

“... há uma tendência inerente no livre jogo das forças do mercado a criar desigualdades regionais e que essa tendência tanto mais se agrava quanto mais pobre for um país, são as duas leis mais importantes do subdesenvolvimento e do desenvolvimento econômico no regime de laissez-faire” (MYRDAL, 1968:63).

6As regiões Nordeste e Norte do Brasil são exemplos de áreas tipicamente atrasadas, que se submeteram aos efeitos

de fluência, a partir da década de 1960, resultando em maior crescimento interno e complementaridade à economia do Centro-Sul.

Na mesma lógica, reconhecendo o crescimento desequilibrado, François Perroux (1978) compreende o desenvolvimento como um processo polarizado no espaço econômico. Tal processo, segundo Pedreira (2008: 16), remete a um “conceito abstrato”, que pode ser definido como um campo de forças formado por polos, de onde emanam forças centrífugas e para onde convergem forças centrípetas. Cada um deles possui um núcleo de atração e repulsão, penetrando seu próprio campo nos outros polos. Conforme Perroux:

“O crescimento não aparece simultaneamente. Ao contrário, manifesta-se em pontos ou polos de crescimento com intensidades variáveis; expande-se por diversos canais e com efeitos variáveis, sobretudo no conjunto da economia” (PERROUX, 1977: 146)

A concepção de polo de crescimento de Perroux associa o desenvolvimento ao processo de industrialização, na medida em que se destacam certas indústrias ou grupos empresariais com expressiva capacidade de inovar e gerar efeitos propagadores para o restante da economia.

Segundo Lopez (1982: 22), Perroux faz todo um percurso de análise do processo de crescimento econômico das empresas e indústrias e suas relações recíprocas, ou seja, investiga o desenvolvimento que se manifesta no plano organizacional e industrial, para, em seguida, e com base em tal exame, formular o conceito e a teoria de polo de crescimento, aplicados em um contexto geográfico e regional específico.

Um dos elementos centrais da análise industrial de Perroux é a concepção do que chamou de “indústrias motrizes”, sob o argumento da possibilidade de ocorrer em efeitos de propulsão, decisivos para iniciar-se e consolidar-se a conformação dos polos de dinamismo, que seriam a base para o crescimento de uma região ou um país.

As unidades ou indústrias motrizes7 possibilitam o dinamismo de outras indústrias e, considerando os fluxos de renda advindos, também a expansão do setor de serviços. Por outro lado, do ponto de vista espacial, a geração de economias externas, a partir, sobretudo, dos efeitos da presença das unidades motrizes, resulta em gradual nucleação das atividades econômicas, em determinada região.

7 Define Perroux: “considera-se uma indústria que tenha a propriedade de aumentar as vendas (e as compras de

serviços) de uma ou de várias outras indústrias, ao aumentar suas próprias vendas (e suas compras de serviços industriais). Chamamos motriz, segundo esta acepção determinada, a primeira indústria e a segunda (ou as segundas), indústria movida” (PERROUX, 1977: 152).

Perroux resume da seguinte forma os efeitos de polarização na conformação de um polo de desenvolvimento:

“Em um polo industrial complexo, geograficamente aglomerado e em crescimento, registram-se efeitos de intensificação das atividades econômicas, devido à proximidade e aos contatos humanos. [...] Necessidades coletivas (habitação, transportes, serviços públicos) emergem e se encadeiam. Rendas da terra vêm somar-se aos lucros dos negócios. No âmbito da produção, tipos de produtores (empresários, trabalhadores qualificados, quadros industriais) formam-se e mutuamente se influenciam, criam tradições e eventualmente participam do espírito coletivo” (PERROUX, 1977:154). Para Storper (1994), o pressuposto da relação entre encadeamentos setoriais e a polarização industrial, no espaço econômico, acabou levando à compreensão incorreta de que o espaço econômico teria uma relação direta com o espaço geográfico. Em alguma medida, iniciativas não bem sucedidas de políticas de desenvolvimento regional ocorreram pela aplicação incorreta da teoria dos polos de desenvolvimento de Perroux.8 Os exemplos, nesse sentido, podem ser constatados, no caso brasileiro, nas tentativas de desconcentração espacial da industrial nacional, feitas através da criação de programas de polos industriais, implementados nas regiões menos desenvolvidas do País, nas décadas de 1960 e 1970.

Conforme salienta Pedreira (2008:18), os efeitos de propulsão no crescimento regional, baseados na localização de indústrias chamadas motrizes, acabaram por introjetar a ideia de que o processo de crescimento tem sua origem e estímulo contínuo nos grandes empreendimentos industriais. Assim, para estimular-se o crescimento, bastaria criar condições para a instalação de uma ou várias grandes empresas, de preferência indústria de rápido crescimento. No entanto, a experiência internacional revelou que a prosperidade de um grande número de regiões não foi iniciada e mantida por uma grande indústria propulsora, mas, ao contrário, ocorreu pela presença de unidades produtivas relativamente pequenas e dispersas.

De outra parte, reduzir a teoria dos polos de desenvolvimento às análises inter- regionais de insumo-produto, lineares e estáticas, deixa de levar em conta exatamente o seu ponto central, que é a consideração do desenvolvimento como um processo dinâmico, e do crescimento como sendo desequilibrado. Em outros termos, embora os esquemas de insumo-produto possam

8 Como assinala Pedreira (2008:. 17), citando Storper (1994), “só algumas das ligações identificadas por Perroux são

sensíveis às distâncias geográficas – notadamente as caracterizadas por relações não polarizadas, instáveis ou qualitativamente complexas entre as diferentes partes da cadeia – e definem espaços econômicos que correspondem a espaços territoriais”.

ser importantes instrumentos de análise do processo de desenvolvimento econômico, não bastam para explicá-lo.