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A Federação de Pescadores da Bahia e a Colônia Z-52 de Cachoeira

CAPÍTULO 3 A ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL E ARTICULAÇÃO

3.1 A ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL: CONFEDERAÇÃO, FEDERAÇÃO E

3.1.1 A Federação de Pescadores da Bahia e a Colônia Z-52 de Cachoeira

Para tratar o tema da organização institucional dos pescadores, referenciando mais detidamente o objeto de análise desta pesquisa, é necessário refletir a situação atual das Federações e Colônias de Pescadores, centrando na situação da Bahia. Atualmente existem no Brasil 25 Federações Estaduais e 732 Colônias de Pescadores. Na Bahia, existe a Federação dos Pescadores e Aquicultores do Estado da Bahia (FEPESBA) e 74 Colônias, entre elas a Z- 52 de Cachoeira, localizada no distrito de Santiago do Iguape, que agrega pescadores e pescadoras de São Francisco do Paraguaçu.

É o pagamento dos pescadores que sustenta esse sistema formado por Confederação/Federação/Colônia. Em São Francisco do Paraguaçu, por exemplo, o valor cobrado pela Colônia Z-52 é de oito reais mensais, segundo informações obtidas em pesquisa de campo. De acordo com a palestra conferida no Encontro dos Pescadores no Estado da Bahia pelo presidente da Confederação Nacional dos Pescadores, Ivo da Silva, do valor total arrecadado pelas Colônias no país, 12% é repassado para as respectivas Federações Estaduais, que por sua vez repassam 10% para a Confederação Nacional.

No âmbito geral esse sistema de representação profissional não reconhece a legitimidade de outros entes representativos como Associações de Pesca e Movimento Social, o que gera uma grande tensão entre esses dois pólos. E a Federação da Bahia não destoa desse

processo. José Carlos de Jesus Rodrigues, presidente da FEPESBA, em um dos Encontros dos Pescadores que a Federação organiza anualmente, afirmou:

Nós estamos sofrendo hoje, digo nós os pescadores, essa invasão de entidades, movimento disso, movimento daquilo... A gente entende que todas as forças que existem rezando na mesma igreja, estudando na mesma cartilha, é bom para fortalecer o setor. Agora essa questão de substituir quem legalmente representa, isso foi um dos equívocos cometidos pelo Governo no passado. E bom que se diga que a filosofia da SEAP hoje é outra, mas que trouxe grandes transtornos na organização dos pescadores do Brasil. (RODRIGUES, 2007, p. 21)

O depoimento acima demonstra a opinião do setor institucional de representação, a qual advoga que apenas as Colônias devem continuar sendo os representantes dos pescadores. Para este grupo, as associações de pescadores não devem ter os mesmos poderes que as Colônias têm. Vale ressaltar que o referido presidente está há mais de 20 anos à frente da Federação dos Pescadores. Segundo depoimentos, para tal “feito”, usa de estratégias como marcar eleição às pressas e às escondidas, de modo que não haja tempo de se formar outro grupo concorrente. Nega-se também a rediscutir o Estatuto da Federação, o qual foi regulamentado em 1975. Muito embora esse Estatuto tenha sofrido algumas alterações (como a que inseriu o termo “aquicultores” em seu nome), mantém grande parte do texto original.

Essa situação revolta alguns pescadores, que acusam o presidente da Federação de só dar assistência às Colônias em época de eleição parlamentar. Vale ressaltar que o senhor José Carlos já foi deputado estadual, valendo-se do nome “José Carlos da Pesca”. Na última eleição, ocorrida em 2006, não atingiu o número de votos necessários para a sua recondução à Assembléia Legislativa do Estado da Bahia.

Como integrante desse sistema organizativo, a Colônia Z-52 de Santiago do Iguape, participa dando sustentação a ele. A Colônia Z-52 foi fundada em 10 de abril de 2005. Antes de fundar-se a Colônia em Cachoeira, os pescadores deste município eram filiados à Colônia Z-7 de Maragogipe. Segundo informações do Presidente da Colônia de Santiago do Iguape, hoje existem cerca de 350 a 400 pescadores afiliados. Esses pescadores são oriundos de todas as comunidades de pesca do município de Cachoeira, sendo que a comunidade de São Francisco do Paraguaçu possui aproximadamente 150 pescadores afiliados. (Pesquisa de campo, outubro de 2008).

Desde a fundação, em 2005, a Colônia Z-52 é presidida por Erivaldo Araujo dos Santos, ou Bidido, como é conhecido pelos pescadores e com quem foi realizada entrevista em outubro de 2008. No momento em que foi realizada tal entrevista, estava aberto o processo eleitoral para presidência da Colônia, que tinha o atual presidente como candidato à reeleição

e mais outro candidato na disputa. Quando questionado sobre o porquê de candidatar-se a reeleição, o presidente respondeu o que segue:

Olha, eu acho que devido o nosso trabalho, devido a situação que a gente começou o trabalho do nada, não tinha nada quando a gente começou o trabalho com cerca de 300 pescadores, com uma caixa de papelão de 300 pescadores vindo transferido da Z-7 de Maragogipe. Então começamos do nada, nada, nada. Não tínhamos nada. Hoje, graças a Deus, nós temos sede própria, conseguimos um terreno, temos uma sede própria, nós temos hoje tá pra chegar na Colônia, através de um convênio feito com a Empresa Votorantim, tá pra chegar um automóvel, tá pra chegar são duas motorizadas de nove metros, freezer, mesas, cadeiras, TV, computadores. Então hoje a gente não tem como desistir, como abrir mão da Colônia pra dar de mão beijada pra quem nada fez. O grosso de buscar tudo isso fomos nós, então nos não podemos deixar outras pessoas usufruir daquilo que nós corremos atrás, nós buscamos, nós plantamos.

(Depoimento, Erivaldo Araujo dos Santos, Presidente da Colônia Z-52, Pesquisa de campo, outubro de 2008).

O depoimento de Erivaldo Araujo revela um sentimento de posse para com a Colônia, como se esta fosse um bem seu, o qual não poderia ser perdido nem dado de “mão beijada para quem nada fez”. Da mesma forma, tão grave quanto essa demonstração de autoritarismo é a associação com a empresa Votorantim. Essa empresa, que atua na produção de energia elétrica na Barragem Pedra do Cavalo, que fica à montante da Baía do Iguape, é acusada por pescadores de toda a Baía como sendo um dos principais agentes de destruição do equilíbrio ecológico do Lagamar. Assim, fica evidente a contradição da relação entre a Colônia dos Pescadores, que deveria ser um agente de defesa desse grupo – e a Votorantim – que é uma ameaça ao ambiente natural na qual se desenvolve a atividade de pesca.

Assim, a Colônia não funciona como mais um agente na pressão necessária a ser feita à Votorantim no que diz respeito às ações ambientais. O próprio Erivaldo Araujo admite que “a colônia em si não chegou pra a empresa para questionar essa situação”. Na verdade a atuação da Colônia é limitada pelo fato de receber benefícios da Empresa. Benefícios, inclusive, que não tiveram um plano de uso por parte da Colônia, quando foram solicitados à Votorantim, que os concedeu ainda assim. Erivaldo Araujo admitiu que:

Concernente às embarcações e a tudo material que tá chegando, nós ainda não paramos pra ver de que forma que vamos utilizar porque as coisas ainda não chegaram. Nós estamos esperando as coisas chegarem pra ver de que maneira nós vamos usar.

(Depoimento, Erivaldo Araujo dos Santos, Presidente da Colônia Z-52, Pesquisa de campo, outubro de 2008).

A Colônia Z-52, representada por seu Presidente Erivaldo Araújo, afirmou ter uma boa relação com a Federação dos Pescadores da Bahia e a Secretaria Estadual da Pesca. Afirmou,

ainda, participar das reuniões mensais promovidas pelo Fórum da Pesca da Bahia. Quando questionado se ele multiplicava as discussões do Fórum junto à base, respondeu afirmativamente: “Claro, é uma obrigação nossa. É um dever nosso fazer isso”. Entretanto, essa informação não foi confirmada pelos pescadores e pescadoras com os quais realizaram-se entrevistas. Na oportunidade, eles informaram que as visitas do presidente da Colônia resumem-se às idas mensais a São Francisco do Paraguaçu para receber o valor relativo à associação dos pescadores à Colônia.

Mais uma vez a fragilidade da representação dos pescadores por parte das Colônias fica evidente no exemplo da Colônia Z-52. Essa fragilidade pode ser entendida quando se verifica que as Colônias já nasceram tuteladas pelo Estado, que as dotou de um caráter assistencialista, pouco sensível às questões internas da pesca artesanal e pouco significativo no que se refere à representação profissional.