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CAPÍTULO 4 OS CIRCUITOS ESPACIAIS PRODUTIVOS DA PESCA

4.2 O CIRCUITO ESPACIAL PRODUTIVO EM SÃO FRANCISCO DO

4.2.2 A Mariscagem

A mariscagem é um saber artesanal e tradicional que consiste na coleta de mariscos nas áreas de manguezal. É uma atividade predominantemente feminina, sendo pontual o trabalho masculino neste ramo. A captura do marisco acontece de forma manual, ou seja, a técnica de mariscar exige como petrecho os membros do corpo (onde, idealmente, devem estar protegido por luvas) e instrumentos simples como um gancho para puxar o marisco. Conforme apontou o relato da marisqueira: “pra mariscar, a gente usa o gancho e o braço, né, pra arrancar caranguejo a gente usa o braço”. (Entrevista, Marcela, marisqueira, pesquisa de campo, outubro de 2008).

Em São Francisco do Paraguaçu, as espécies mais capturadas nos manguezais são caranguejo, siri e aratu. Outras espécies também compõem o leque de espécies alvo da captura, porém em menor quantidade em função do seu baixo valor comercial (Pesquisa de campo, outubro de 2008 e março de 2009).

A gente pesca camarão, marisca siri, arranca caranguejo, sururu, ostra, pegamos tarioba, aratu.

(Entrevista, Marcela, marisqueira, pesquisa de campo, outubro de 2008).

O que a gente mais marisca é siri, aratu, caranguejo. Também ostra, sururu, depende do tempo.

(Oficina de Geografia – Produção, pesquisa de campo, março de 2009).

O segundo relato evidencia uma questão bastante central para a atividade de mariscagem que são as condições do tempo. As condições de sol, de chuva e da lua orientam para que tipo de atividade será desenvolvida pela comunidade. Os relatos que seguem exemplificam essa situação (Pesquisa de campo, outubro de 2008):

É que essa maré grande, esse mês de outubro, tem siri mole. Tem siri mole todo mês, né, na maré grande lua cheia, só que quando chega o mês de outubro é a época que tem mais. Setembro e outubro é o mês do siri mole.

(Entrevista, Marcela, marisqueira, pesquisa de campo, outubro de 2008).

A imagem apresentada na Figura 27 mostra o marisco conhecido por siri mole, que possui um valor comercial maior, pelo fato ser vendido inteiro, sem necessitar filetar:

Figura 27: Siri mole capturado por marisqueira

Segundo as marisqueiras informaram, no inverno a água fica “turva” e é bom para pescar camarão e robalo. No verão é melhor, ostras, sururu. Quando chove a água doce afugenta os crustáceos. As condições do tempo também são observadas da seguinte maneira:

No inverno, que caranguejo fica fundo, na maré grande, nós ta no mangue mariscando siri. Na maré pequena que não tem marisco a gente trabalha na roça. Agora quando chega o verão, a roça para um pouquinho e a gente só faz limpar. Trabalha mais arrancando caranguejo, que o caranguejo fica raso.

(Entrevista, Marcela, marisqueira, pesquisa de campo, outubro de 2008).

No contexto em que as condições naturais direcionam a atividade produtiva e implicam diretamente na renda das famílias, qualquer alteração no regime de chuvas ou na liberação de águas pela Hidrelétrica Pedra do Cavalo é sentida pela comunidade. Em relação à hidrelétrica, operada pela Empresa Votorantim, a liberação de água doce na Baía do Iguape é grave gerador de conflitos de uso da água. De acordo com os moradores de São Francisco:

É que a Votorantim solta muita água na reserva extrativista e acaba danificando diversas espécies de mariscos que existe dentro do mangue e na área da maré, como também alguns tipos de peixe, camarão, alguns tipos de mariscos, como a tarioba e o mapé. Então a gente sofre danos com a Votorantim.

(Oficina de Geografia – Conflitos, pesquisa de campo, março de 2009).

Na atividade de mariscagem, assim como na pesca, os conhecimentos relacionados às técnicas são passados através das gerações. Nesse sentido, é comum a presença de crianças junto aos pais, contribuindo para o desenvolvimento da atividade de mariscagem. Conforme revelou D. Maria das Dores, marisqueira e pescadora: “desna [desde] de 6 anos os pais leva as crianças pras marés pra ir ensinando”. (Entrevista, D. Maria das Dores, outubro de 2009).

No contato entre pais e filhos são repassados os conhecimentos das técnicas e das artes necessárias à continuidade da atividade. Juliana, 8 anos, filha de uma marisqueira e de um pescador, estuda no período da tarde e, pela manhã, vai com os pais para o “mangue”. Questionada se ela já sabia mariscar, a resposta veio imediata: já! Assim como Juliana, outras crianças demonstraram habilidade na técnica da mariscagem, tal qual demonstra a Figura 28:

Figura 28: Crianças na atividade de mariscagem com os pais.

Assim como a produção obtida com a pesca, aquela advinda da mariscagem também é intermediada até chegar ao consumidor final. Nesse caso, o produto mais negociado pelas marisqueiras é o catado de siri. Depois que chegam do mangue, ou da maré – que é como chamam também o espaço de captura de marisco – as mulheres escaldam o siri, tiram as cascas e separam o filé. É o produto obtido com a filetagem que é repassado ao intermediário. Os demais mariscos capturados são usados na dieta familiar, em sua maior parte. A negociação do catado de siri acontece nos seguintes termos:

O siri catado aqui eu compro a 9 e lá eu repasso a 11, ganho 2 reais. Agora a gente arruma um dinheirinho a mais porque a gente leva quantidade. Tem semana que gera até 300 quilos.

(Entrevista, Mimi, intermediário, pesquisa de campo, outubro de 2008).

Este relato, mais uma vez, diz respeito à produção comprada apenas por um intermediador. Na vila existem ainda pelo menos duas outras pessoas que compram pescado para ser revendido. Dito isso, pode-se concluir que somando ao que é comprado pelos outros intermediadores, o que é vendido na própria Vila pelas marisqueiras e o que é separado para a alimentação familiar, a produção de pescado é algo bastante significativo para a Comunidade.

Assim, confirma-se na mariscagem o mesmo processo presente na pesca, ou seja, apropriação por outrem da renda obtida pelas marisqueiras. Também neste caso, a falta de estrutura de armazenamento e a falta de capacitação para beneficiar e negociar os produtos são determinantes para a inserção desvantajosa das marisqueiras no circuito espacial produtivo, no que tange a produção de mariscos.