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CAPÍTULO 3 A ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL E ARTICULAÇÃO

3.2 O MOVIMENTO SOCIAL DOS PESCADORES ARTESANAIS

3.2.1 A Bahia e São Francisco do Paraguaçu

A Bahia tem se mostrado um importante espaço no que se refere à organização dos pescadores. É um Estado pioneiro na promoção do Fórum da Pesca que realiza reuniões mensais e constitui-se como um espaço de diálogo entre os agentes ligados ao setor pesqueiro. Da mesma forma, o Estado organiza-os, institucionalmente, a partir da presença de diversas entidades da pesca, como a Federação dos Pescadores e Aquicultores do Estado da Bahia e as 74 colônias espalhadas pelo Estado. Paralelamente, a Bahia possui 88 associações de pescadores, 2 sindicatos e 1 cooperativa de pesca. Essas últimas organizações já são resultado de uma efervescência social e podem ser vistas na Figura 18, onde é possível verificar a espacialização de algumas das entidades representativas da pesca na Bahia.

A Figura 18 mostra a espacialização das entidades representativas dos pescadores artesanais da Bahia. Chama atenção no mapa o fato de a maioria das Colônias estarem situadas no litoral baiano ou margeando o Rio São Francisco. Em relação às associações, a espacialização revela que elas estão mais concentradas no interior do Estado, provavelmente articulando pescadores e aquicultores de rios e barragens. Outro fenômeno interessante é o fato de haver mais de uma entidade representativa em alguns municípios da Bahia.

Em termos de organização social, a Bahia também se destaca com a presença de entidades alinhadas com a organização dos setores mais populares. Uma dessas organizações é o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), que na Bahia atua no Vale do Rio São Francisco e no Recôncavo baiano. A atuação do CPP no litoral da Bahia começou no ano 2000, quando foi realizado o diagnóstico sobre a situação dos pescadores de algumas regiões da Baía de Todos os Santos. Com a elaboração desse estudo, foram criadas as bases para o acompanhamento e assessoria das comunidades baianas, especialmente, nos municípios de Salvador, Santo Amaro, Maragogipe e Cachoeira.

A atuação da Pastoral sempre se deu no sentido de fortalecer a organização das comunidades pesqueiras. A própria metodologia adotada para o início dos trabalhos de articulação das bases, o Diagnóstico Rápido e Participativo (DRP), propõe que a comunidade possa participar do levantamento, identificação e reflexão sobre a sua realidade. Maria José Pacheco, coordenadora do CPP no Recôncavo baiano explica:

Essa experiência do DRP foi muito rica porque o que a gente sabia era que os pescadores era um público difícil de ter acesso, mas a partir do DRP, assim ele permite uma aproximação, né, que a própria comunidade passe a olhar seus próprios problemas, e assim, as reuniões com os grupos, com jovens, com velhos, com homens, foram muito ricas e possibilitou já desde o início uma identidade dos pescadores com a gente, né, e também assim, deles mesmos se animarem pra perceber que tinham valor, que podiam ter perspectiva diferente, que podiam se unir. Assim, um pouco a Pastoral inicia a partir do diagnóstico.

(Entrevista Aberta, Maria José Pacheco, coordenadora do CPP Litoral, Pesquisa de campo, outubro de 2006).

O trabalho do CPP constituiu-se a partir do incentivo à organização do grupo. Esta Pastoral parte do reconhecimento da diversidade da pesca artesanal e sua conseqüente especificidade, no que se refere às mulheres, aos jovens e aos idosos. Tem atuado no sentido de promover Encontros, Seminários e Capacitações Políticas, bem como acompanhar os pescadores artesanais, prestando-lhes assessoria em outras ocasiões, como nas marchas e ocupações promovidas pelos pescadores. O CPP, articula-se também como a Comissão de

Justiça e Paz de Salvador (CJP) e a Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR), no sentido de construir uma rede de apoio às comunidades pesqueiras.

A perspectiva de trabalhar a organização e autonomia das comunidades de pescadores artesanais também influenciou a formação do Movimento dos Pescadores/as da Bahia (MOPEBA), que é ligado ao Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE) e ao Conselho Pastoral dos Pescadores, regional Bahia (CPP/BA). O MOPEBA possui sua área de atuação maior no Recôncavo baiano, especialmente atuando Salvador, Maragogipe e Cachoeira.

Em relação às ações, o MOPEBA busca constituir-se como um grupo de defesa da pesca e dos pescadores artesanais, fazendo pressão junto aos órgãos ambientais e aos órgãos que executam políticas públicas para o setor. O Movimento integra o Fórum da Pesca na Bahia e é um dos componentes do Conselho Nacional da Pesca (CONAPE).

Como o Recôncavo baiano possui uma história que aproxima as comunidades quilombolas das comunidades pesqueiras, fazendo com que em alguns casos essas duas identidades até coincidam e se sobreponham, o MOPEBA apresenta uma característica muito particular: grande parte das suas ações também se volta para o fortalecimento das comunidades quilombolas do Recôncavo da Bahia. Seus líderes, inclusive, também são originários de comunidades quilombolas. Isso provoca a construção de uma rede de articulação com os Movimentos Negros da Bahia e do Brasil e com a organização das comunidades quilombolas.

A participação de São Francisco do Paraguaçu no Movimento dos Pescadores Artesanais da Bahia encontra interface tanto no sentido da pesca quanto no sentido da identidade quilombola, dada a especificidade do MOPEBA. A Figura 19 trás a imagem de um pescador artesanal de São Francisco do Paraguaçu em um Encontro do MOPEBA empunhando a bandeira do Movimento dos Pescadores:

Figura 19: Imagem de pescador de São Francisco do Paraguaçu empunhando a Bandeira do MOPEBA

Em depoimento, os pescadores de São Francisco admitiram a participação no Movimento dos Pescadores. Quando questionados se participavam do Movimento dos Pescadores, responderam:

Eu sou do Movimento dos Pescadores. Participo.

(Depoimento, Crispim, pescador, Pesquisa de campo, outubro de 2008).

Participo porque o pescador aqui tá sofrido, bastante sofrido. A arte aqui é o mar e o mato e a terra, o mato é a terra.

(Depoimento, Raimundo Correia, pescador, Pesquisa de campo, outubro de 2008). Todos eles. Quando tem uma reunião aí pra Salvador, sempre eu vou. Eu to fazendo curso de pesca.

(Depoimento, Seu Tiago, pescador, Pesquisa de campo, outubro de 2008).

Estes depoimentos foram selecionados, pois eles suscitam algumas análises. Inicialmente, cabe destacar que há uma grande valorização das atividades articuladas. Evocar a identidade de terra e água tornou-se, para a comunidade, uma forma de fortalecer e garantir o uso do território. Nesse sentido, eles acreditam que a participação no Movimento dos

Pescadores possa ajudá-los a superar uma situação desfavorável. Assim, a participação no Movimento configura-se como uma das estratégias de luta adotadas para a garantia da territorialidade.

O pescador Tiago, mestre de rede, ao responder sobre a participação no Movimento dos Pescadores, reafirmado a importância dessa participação, evoca o “curso de pesca”. Esse curso faz parte de um projeto desenvolvido pelo CPP em conjunto com o MOPEBA, cujo financiamento é viabilizado pela Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca e pela Bahia Pesca, agência de fomento à pesca na Bahia. O projeto intitulado “Desenvolvimento Sustentável da Atividade Pesqueira Artesanal em Comunidades da Baía de Todos os Santos”, visa atender nove comunidades pesqueiras, incluindo São Francisco do Paraguaçu. Dentre os objetivos do Projeto está a aquisição de barcos motorizados e material para beneficiamento e armazenamento de pescado. No aspecto educativo e de formação, o Projeto prevê cursos de associativismo e cooperativismo, manutenção básica de motores, introdução ao beneficiamento e conservação de pescado e aprimoramento do processo de comercialização. No total, o Projeto prevê investimentos da ordem de um milhão de reais, com uma contrapartida de 10% do total pelo CPP.

Além de estarem presentes nas atividades relacionadas à organização da pesca, os moradores de São Francisco do Paraguaçu também se articulam com os grupos mais voltados para a questão quilombola. Embora esta articulação seja melhor tratado no capítulo cinco, aqui vale destacar que as comunidades da região se articulam no Conselho Quilombola do Vale e Bacia do Iguape para lutar pelo direito à terra e ter acesso aos serviços públicos. O Conselho também conta com a parceria de organizações não governamentais tais como a Comissão Justiça e Paz (CJP), da Arquidiocese de Salvador, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e também a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR) do Estado da Bahia.

Um acontecimento importante para as comunidades quilombolas em geral e, especialmente para São Francisco do Paraguaçu, contribuiu para o fortalecimento da rede de articulações da comunidade. Em maio de 2007, a Rede Globo de Televisão exibiu uma reportagem em seu horário nobre desqualificando o processo de identificação quilombola e questionando a legitimidade da titulação das terras em nome da comunidade de São Francisco. Houve uma repercussão muito grande dessa reportagem e dentre as ações estratégicas adotadas pela comunidade, foi promovida uma reunião com a presença de órgãos oficiais, movimentos sociais e assessorias, no intuito de fortalecer o grupo e tirar possíveis dúvidas quanto à legitimidade da questão. Nessa reunião, estiveram presentes pessoas de

várias comunidades e entidades próximas à São Francisco, como pode ser observado no depoimento de abertura da reunião, proferido por uma moradora local:

Gostaria de convidar para a mesa Raimundo Correia da Sepromi, Maria da Silva da Seppir, Adavir Tavares da CDA, então gostaria de vocês pra ir pra mesa e desde já gostaria de agradecer a presença das comunidades de Maragogipe, Enseada, Porto da Pedra, Salaminas, Ponta de Souza, Pitanga, Topá, Dendê, Guerém, o pessoal de Ilha de Maré, Praia Grande e as entidades Movimento dos Pescadores, que tá aqui dando um grande apoio à comunidade, a CPP, AATR, CJP, Quilombo do Orubu, Casa do Sol, CETA, MNU, Assessor do Mandato Deputado Zilton Rocha, GeografAR, o pessoal do quilombo do Iguape, muito obrigado pela presença. Em geral toda a Bacia do Iguape se encontra presente, então quero agradecer a toda a Bacia.

(Depoimento, Roseni, marisqueira, Pesquisa de campo, maio de 2007).

Essa fala de abertura demonstra a complexa e variada rede de articulação do grupo social de São Francisco em um momento de crise e de conflito. Essa rede de articulação é fundamental para a afirmação do grupo social e configura um novo momento histórico para as comunidades tradicionais. Se em um determinado momento, essas comunidades viviam isoladas, hoje a alternativa encontrada por elas é a organização em movimento social. Assim, esse fato conforma uma estratégia para garantir o acesso ao território que historicamente ocupa e compreende o advento de “novos padrões de relação política no campo e na cidade, que incorpora fatores étnicos”, conforme concluiu o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida (2004, p. 9).

3.3 AS DIFERENTES FORMAS ORGANIZATIVAS DOS PESCADORES ARTESANAIS