• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 OS CIRCUITOS ESPACIAIS PRODUTIVOS DA PESCA

4.1 O CIRCUITO ESPACIAL PRODUTIVO NA BAHIA

A Bahia aparece no cenário nacional como o terceiro maior produtor de pescado do Brasil, tendo produzido, em 2006, o equivalente a 76.169,5 toneladas, o que corresponde a aproximadamente 7,5% do total brasileiro. Deste total, 43.089,0 t vieram da pesca extrativa marinha; 19.142,0 t foram obtidas pela pesca extrativa continental; 6.000,0 t vieram da aquicultura marinha e 7.938,0 t foram produzidas pela aquicultura continental (IBAMA, 2008). Esses dados encontram-se sistematizados na Tabela 5:

Modalidade de Pesca Total (t)

Pesca Extrativa Marina 43.089,0 Pesca Extrativa Continental 19.142,0 Aqüicultura Marinha 6.000,0 Aqüicultura Continental 7.938,0

Total 76.195,5

Fonte: IBAMA, 2008.

Tabela 5: Dados da produção pesqueira da Bahia por modalidade – 2006

Os dados da Tabela 5 revelam alguns traços diferenciados do pescado na Bahia: (a) é marcante para a produção baiana o fato de o Estado possuir um litoral com 1.188 km de extensão, 44 cidades litorâneas e 348 localidades pesqueiras. Isso faz com que a maioria do seu pescado advenha da pesca extrativa marinha. E (b) o litoral baiano está mais voltado para a pesca extrativa, ao passo em que as águas interiores, a destacar o Rio São Francisco e as barragens baianas, têm se destacado na produção aquícola.

Entretanto, outro dado chama atenção sobre a composição da origem do pescado na Bahia: do total produzido em 2006, o correspondente a 81,7% foi oriundo da pesca artesanal e somente 18,3% do total foi obtido com a aquicultura. Os dados da Tabela 6 ressaltam o fenômeno apontado:

Tipo de Pesca % Extrativa Industrial 0,0 Extrativa Artesanal 81,7 Aqüicultura 18,3 Total 100 Fonte: IBAMA, 2008.

Tabela 6: Participação relativa da pesca extrativa industrial, artesanal e aqüicultura na Bahia – 2006.

Cabe destacar que a Bahia não possui atuação da pesca industrial em virtude das condições inapropriadas da sua plataforma marinha. Segundo o professor Miguel Accioly, da Universidade Federal da Bahia, a plataforma marinha da Bahia é pobre em termos de água e produtividade, o que não a torna atrativa para a pesca industrial (Informações de orientação, 2008).

Os dados da pesca na Bahia mostram que a pesca artesanal ocupa uma posição de destaque no Estado. Esta atividade reafirma-se como relevante do ponto de vista social, econômico e cultural. No entanto, as estatísticas que revelam o número de pescadores artesanais na Bahia são, assim como nas estatísticas no Brasil, bastante precárias e insuficientes. Dados do “Relatório integrado: diagnóstico da pesca artesanal no Brasil como subsídio para o fortalecimento institucional da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca” (Vasconcellos, Diegues, Salles, s.d) apontam o seguinte levantamento sobre o número de pescadores na Bahia: em 1967 segundo a SUDEPE, havia 6.718 pescadores artesanais. Em 1986, segundo a Confederação Nacional da Pesca, havia 24.176 pescadores. Em 2000, segundo o IBGE, havia 32.359 pescadores artesanais. E em 2003, segundo o IBAMA, havia 30.617 pescadores.

O Relatório ainda destaca que nesse número não estão presentes os pescadores continentais e os aquicultores familiares. Talvez isso explique o fato da SEAP-BA, admitir a existência de 100.000 pescadores artesanais no Estado, incluindo os marítimos e os continentais. A SEAP em 2007 havia entregado 61 mil carteiras de pescador profissional e estimava entregar mais 40 mil até o final do ano. As contradições dos dados ainda se revelam em mais uma nuance: as organizações populares como o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), por exemplo, estima que haja na Bahia cerca de 500 mil pessoas que retiram o seu sustento da atividade pesqueira.

As contradições que marcam o levantamento estatístico do número de pescadores da Bahia ressaltam o descaso com que foi tratada a atividade pesqueira. Os poucos estudos voltados para o levantamento do perfil dos pescadores artesanais da Bahia, apontam alto índice de pescadores vivendo em situação de vulnerabilidade social e econômica. De acordo com os levantamentos da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca, escritório Bahia, em 2005, 20 mil pescadores analfabetos foram identificados pelos dados referentes ao acesso ao seguro defeso. Esse dado corresponde a 20% dos pescadores que a SEAP-BA admite existir no Estado.

A situação da pesca artesanal na Bahia leva à reflexão de que, mesmo apresentando um papel relevante no cenário nacional, o circuito espacial produtivo da atividade ainda carece de organização e fortalecimento. Embora produzindo cerca de 7,5% do pescado do Brasil, as estruturas de desembarque na Bahia são precárias, especialmente para a pesca artesanal. Nas comunidades pesqueiras, o pescado é desembarcado na praia, iniciando-se aí uma longa cadeia de intermediação até chegar ao mercado local e às vezes regional. A intermediação feita por atravessadores consiste em aproveitar a falta de estrutura de armazenamento e conservação do pescado. Nessas condições, os atravessadores compram os produtos por um valor abaixo do real e revendem esse mesmo produto para grandes redes de comercialização. Resumindo, parte significativa da renda obtida pelos pescadores artesanais é apropriada por estes atravessadores. O relato da comercialização na Colônia Z-67 de Paripe (Salvador/BA), revela uma situação sintomática da comercialização do pescado baiano:

A comercialização do pescado nessa Colônia é feita de forma simples. Os pescadores chegam com seus barcos ao ponto de desembarque e vendem seus produtos diretamente aos atravessadores que ali os esperam para a rodada de negociações. Os atravessadores, interessados em negociar o peixe a baixos preços, muitas vezes demoram em aparecer ao local. Isso porque, com o tempo, o gelo utilizado para congelar o peixe começa a derreter. Preocupado com a qualidade do produto e com o risco de perder toda a pescaria, o pescador ver-se obrigado a aceitar as propostas de baixo preço ofertadas pelos atravessadores. (BAHIA PESCA REVISTA, 2008, p. 23).

O estudo trazido pela Revista relata as estratégias adotadas pelos atravessadores para forçar a comercialização desvantajosa para os pescadores. O estudo da Bahia Pesca segue relatando o processo de comercialização e confirma a apropriação da renda obtida pelos pescadores a partir da atuação dos atravessadores:

Nas mãos dos atravessadores, a maior parte do pescado é vendida na praia ou em locais muito próximos à Colônia e o preço pago por comerciantes e consumidores chega a custar 100% mais caro do que o valor que foi pago ao pescador. (BAHIA PESCA REVISTA, 2008, p. 23).

O relato mostra a fragilidade na organização da comercialização do pescado e subsidiam o entendimento da realidade social a que estão submetidos os pescadores artesanais baianos. Tal relato, inclusive, contribui ainda para a compreensão das contradições que perpassam a atividade da pesca artesanal. Essa precariedade na comercialização é a base para a formação do capital obtido com as importações e exportações de pescado. O IBAMA (2008) aponta que a Bahia importou o equivalente à 2.102 t de pescado e exportou 2.496 t. Essas toneladas transformadas em dólares, correspondem a US$ 6.956 de importação e US$ 12.067 de exportação. Tais números colocam o Estado da Bahia como o quinto maior importador e o oitavo maior exportador de pescado do País.

Como demonstrado, a produção baiana de pescado é em maior parte advinda da pesca artesanal. Essa atividade usa técnicas de coleta que implicam em baixo grau de impacto sobre os estoques pesqueiros. O Diagnóstico da Pesca Artesanal revela algumas características das artes de pesca usadas no Norte e Nordeste do país, regiões em que a pesca artesanal é mais significativa nos números relacionados à produção de pescado:

As artes de pesca são muito variadas e a pesca artesanal é marcada pelo uso de uma grande variedade de petrechos de pesca, adaptados aos tipos de habitats, correntes e marés, tipos de fundo, tipos e comportamento de peixes, crustáceos e moluscos. Em termos gerais, na região Norte, com seus estuários, deltas, litoral recortado e manguezais, predomina o uso de redes, ao passo que no Nordeste a pesca a linha, espinheis e covos são muito utilizados. (VASCONCELOS, DIEGUES, SALES, [s.d], p.26).

Nesse sentido, a Bahia insere-se na produção de pescado usando técnicas e equipamentos de pesca que são resultado da mistura da cultura indígena (anzóis e linhas, jangadas, canoas, entre outros), da cultura africana (currais de pesca em lagunas, cofos, entre outros) e da cultura portuguesa (redes de pesca).

A história da produção de pescado na Bahia sempre esteve relacionada com a influência destes três ramos culturais. Um exemplo histórico dessa articulação é a pesca da baleia. Segundo Diegues (2004), a pesca da baleia era um monopólio da coroa portuguesa e a concessão para essa captura era dada a pescadores portugueses e bascos. A mão-de-obra utilizada para essa pesca era composta basicamente por escravos africanos e alguns negros libertos, especialmente, no início do século XIX. Os espaços mais explorados por essa prática foram o litoral sul de São Paulo, litoral de Santa Catarina e o litoral da Bahia. Essa prática teve seu declínio nos anos 1970, embora desde meados do século XIX já houvesse sinais da

sua decadência, motivada, principalmente, pela concorrência com as baleeiras norte- americanas.

Tão importante quanto a articulação entre essas matizes culturais, a atividade pesqueira como um todo originou culturas litorâneas regionais ligadas à pesca. No litoral do nordeste é marcante a presença dos jangadeiros, presentes na costa baiana até o litoral sul. Assim, a pesca constitui-se como uma atividade econômica, com fortes impactos nas economias locais de alguns municípios baianos, mas ela é, primordialmente, uma atividade de forte caráter cultural e histórico. Como já foi indicado no início deste trabalho, esta atividade constrói sociedades (DIEGUES, 2004) e molda diferenciados modos de vida.

Responder as questões centrais que motivaram a realização da análise específica dos circuitos espaciais produtivos, quais sejam, como se dá a relação de produção, como se dá a organização da produção e como se dá a apropriação da renda obtida com a produção, implica em reconhecer as carências e fragilidades em todo o processo de produção de pescado na Bahia. Tais fragilidades e carências são resultado da invisibilidade histórica dos pescadores artesanais no Brasil, que repercute em todas as demais escalas de análise.