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CAPÍTULO 3 A ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL E ARTICULAÇÃO

3.3 AS DIFERENTES FORMAS ORGANIZATIVAS DOS PESCADORES

Diante do exposto no decorrer do capítulo, a organização institucional e social dos pescadores artesanais pode ser sistematizada na Figura 20:

Escala Organização

Institucional Organização Social Organização de apoio Nacional

Brasil Confederação Nacional dos Pescadores

Movimento Nacional dos Pescadores

Conselho Pastoral dos Pescadores –Nacional

Estadual

Bahia Pescadores da Bahia Federação dos Pescadores da Bahia Movimento dos Pescadores – Regional Conselho Pastoral dos Bahia

Local Cachoeira

Colônias de Pescadores Associações de Pescadores

Figura 20: Quadro da organização institucional e social dos pescadores artesanais: Brasil, Bahia e Cachoeira

A partir da análise das instâncias de organização social e institucional dos pescadores artesanais, nota-se que ela evidencia uma associação escalar. No âmbito nacional, aparece a Federação Nacional dos Pescadores e o Movimento Nacional dos Pescadores; no âmbito estadual, aparecem as Federações Estaduais e o movimento social dos pescadores, como é o caso do MOPEBA na Bahia e na escala local, tem-se as colônias e as associações de pesca, onde as ultimas aparecem para atender àquilo que as colônias não conseguiram achar respostas.

Entretanto, essas diferentes formas organizativas estão presentes atuam em espaços de discussão e debate, onde se encontram e, cada um dentro das suas concepções, apresenta e atende as demandas do setor pesqueiro. A análise destes espaços de discussão revela o campo de forças em que se constitui a pesca atualmente.

No âmbito nacional, um desses espaços de discussão é o Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca (CONAPE), que subsidia as políticas públicas para o setor aquícola e pesqueiro implementadas pelo Ministério da Pesca e Aquicultura. O CONAPE tem como objetivo:

Propor a formulação de políticas públicas, com vistas a promover a articulação e o debate nos diferentes níveis de governo com a sociedade civil organizada, para o desenvolvimento e o fomento das atividades da aqüicultura e pesca no território nacional. (CONAPE, Apresentação do CONAPE, 2009).

Como um órgão de colegiado de caráter consultivo, ele integra a estrutura básica do Ministério da Pesca e Aquicultura, sendo presidido pelo então Ministro, Altemir Gregolin. A composição do CONAPE pode ser verificada na Figura 21 (CONAPE, Composição do CONAPE, 2009):

Figura 21: Composição do Conselho Nacional da Pesca - 200911

11 ÓRGÃOS DE PODER EXECUTIVO: Casa Civil da Presidência da República; Ministério do Meio

Ambiente; Ministério do Desenvolvimento Agrário; Ministério de Minas e Energia; Ministério de Integração Nacional; Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior; Ministério da Defesa; Ministério do Turismo; Ministério da Ciência e Tecnologia; Ministério das Relações Exteriores; Ministério do Trabalho e Emprego; Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome; Ministério da Previdência Social; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério da Educação; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres; Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial; Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. ORGANIZAÇÃO SOCIAL E

INSTITUCIONAL: Articulação Nacional das Pescadoras; Confederação Nacional dos Pescadores e

Aqüicultores; Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Aéreo, na Pesca e nos Portos; Conselho Pastoral dos Pescadores; Federação das Associações dos Engenheiros de Pesca do Brasil; Federação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Afins; Movimento dos Atingidos por Barragens; Movimento dos Pescadores Profissionais Artesanais; Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; Movimento Nacional dos Pescadores; Organização das Cooperativas Brasileiras; Associação Brasileira dos Engenheiros de Aqüicultura; Federação das Associações dos Engenheiros de Pesca do Brasil. ENTIDADES

EMPRESARIAIS: Associação Brasileira da Aqüicultura; Associação Brasileira de Criadores de Camarão;

Associação Brasileira dos Criadores de Organismos Aquáticos; Associação Nacional de Piscicultura em Águas Públicas; Associação Brasileira de Supermercados; Confederação Nacional da Agricultura; Confederação Nacional da Indústria; Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas; Conselho Nacional de Pesca e Aqüicultura; Intersindical Patronal Sudeste/ Sul da Pesca; Serviço Social da Indústria; Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. REPRESENTAÇÃO DE ENTIDADES GOVERNAMENTAIS: Banco do Brasil; Caixa Econômica Federal; Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; Banco do Nordeste do Brasil - S/A; Banco da Amazonia; Petróleo Brasileiro S/A; Agência Nacional de Águas. ENTIDADES DA

ACADÊMICA E PESQUISA: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (titular)/Associação Brasileira

de Oceanografia (suplente); Associação Brasileira de Aqüicultura e Biologia Aquática (titular)/Sociedade Brasileira de Ictiologia (suplente).

O Conselho é composto por um total de cinqüenta e quatro membros titulares mais o Presidente. A classificação dos membros que aparece na Figura 21 segue a classificação divulgada pelo próprio Conselho. No âmbito das entidades da organização social e institucional, somente seis dos treze membros pertencem a grupos alinhados com o Movimento Social, sendo representantes das seguintes organizações: Articulação Nacional das Pescadoras (ANP); Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP); Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Movimento dos Pescadores Profissionais Artesanais (MPPA); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE). Ao analisar os outros sete que fazem parte da organização institucional, mais os que representam as entidades empresariais, que são doze, totalizam dezenove membros titulares do Conselho. Ou seja, o fato do CONAPE ser paritário não significa que os representantes do Movimento Social tenham algum poder de decisão, já que eles são seis do Movimento Social contra dezenove das organizações institucionais e empresariais.

Isso se revela quando são analisados os temas que estão em pauta no Conselho, nos chamados Comitês Temáticos. Inexiste Comitês tratando da Pesca Artesanal, embora dois dos cinco Comitês atuais tratem da Aquicultura (Continental e Marinha). Da mesma forma, em relação aos documentos específicos produzidos pelo Conselho, que totalizaram cinco documentos, três deles versam sobre a aquicultura (maricultura, aquicultura e carcinocultura), ao passo que um trata da pesca artesanal (direitos previdenciários).

Assim, embora o CONAPE seja considerado um espaço democrático na formulação de políticas voltadas para a pesca e aquicultura, que tem uma composição diversa, ele expressa o campo de forças e o jogo de interesses que está entranhada na produção de pescado no Brasil. Embora os órgãos governamentais assumam um discurso favorável à Pesca Artesanal, na realidade, a grande política posta em prática pelo Ministério da Pesca e Aquicultura é a Cessão de Águas Públicas da União para fins de Aquicultura, que prevê a destinação de 1% do espelho d’água brasileiro (continental e oceânico) para o cultivo de espécies aquáticas. As organizações do Movimento Social têm atuado no sentido de tentar colocar em pauta a importância social, econômica e cultural da pesca artesanal. Esse é mais um embate entre as lógicas distintas de produção/reprodução/apropriação do espaço geográfico.

Outro espaço de discussão da pesca acontece no âmbito da Bahia. É o Fórum Permanente de Discussão sobre a Pesca e Aquicultura do Estado da Bahia, ou Fórum da Pesca. Esse Fórum reúne representantes dos pescadores e aquicultores, entidades governamentais, Organizações Não-Governamentais voltadas para a Pesca e Entidades de

pesquisa. Assim como o CONAPE, o objetivo do Fórum é promover o debate e reflexão sobre os rumos da pesca no Estado, trazendo os problemas, demandas e temas que são centrais na atividade pesqueira baiana para serem debatidos nas reuniões.

O Fórum começou a se articular na II Conferência Nacional sobre Aquicultura e Pesca que aconteceu em Luziânia-GO, em 2006. Na oportunidade, os delegados representantes da Bahia, avaliaram a necessidade de estender as discussões da Conferência Nacional para o Estado. Assim, no segundo semestre de 2006, foi instituído o Fórum da Pesca, que teve sua participação ampliada a todos os envolvidos com o setor pesqueiro.

Desde que foi instituído, o Fórum já abordou questões como o Registro Geral da Pesca (RGP); acesso à créditos especiais; direitos previdenciários dos pescadores; frente parlamentar da Pesca; legislação e problemas ambientais, especialmente na época da maré- vermelha em abril de 2007. Nesta ocasião, o Fórum convocou reunião com o Centro de Recursos Ambientais (CRA), e com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) a fim de esclarecer as possíveis causas do evento ambiental que matou mais de 50 toneladas de peixe na Baía de Todos os Santos.

Concomitantemente, as reuniões promovidas pelo Fórum concentraram-se na formulação das “Diretrizes para formulação das políticas públicas para o setor pesqueiro do Estado da Bahia”. O Objetivo dessas diretrizes é subsidiar o desenvolvimento de políticas públicas da pesca na Bahia, baseado nas seguintes premissas:

Promover o desenvolvimento do setor pesqueiro no estado da Bahia, com base em princípios éticos, inclusivos, democráticos e participativos, garantindo-se ações socialmente corretas, economicamente factíveis e ambientalmente sustentáveis, com respeito à diversidade étnica, regional, local, cultural, social, de gênero, raça e religião.

O documento foi construído ao longo de seis meses e contou com a participação de cento e dezenove entidades. Ele aponta como macro-eixos da gestão da pesca na Bahia o desenvolvimento sócio-ambiental, a gestão ambiental, a identidade cultural dos povos e populações tradicionais, a alfabetização, educação básica e superior, o tratamento de saúde com atenção para as doenças ocupacionais, as relações de gênero e raça, o acesso à terra e moradia e as questões econômicas. Desde que foi concluído, o documento já foi apresentado formalmente ao Ministro da Pesca e Aquicultura e à Secretaria Estadual da Pesca e Aquicultura da Bahia. O grande desafio é fazer como que esta construção coletiva realmente seja considerada na formulação das políticas públicas, conforme consta nos seus propósitos fundadores.

O acompanhamento do Fórum da Pesca, desde 2006, foi fundamental nesta pesquisa para estabelecer parâmetros de análise sobre a articulação institucional do segmento da pesca. Neste sentido, admite-se que o Fórum da Pesca significa um avanço para o setor na Bahia, embora ele ainda seja carente de uma participação mais ampla por parte dos representantes dos pescadores. O Fórum esteve muito restrito à participação de entidades mais próximas de Salvador, o que prejudicou o debate sobre a realidade da pesca continental no Rio São Francisco, por exemplo.

Cabe destacar ainda os conflitos presentes no Fórum, embora nesta escala eles tenham outra dimensão e característica. O Fórum revelou, em diversas oportunidades a contradição existente entre as Colônias de Pescadores e as Associações, onde estes reivindicam o mesmo direito de representatividade daqueles. Essa dicotomia entre Colônias e Associações reflete o processo histórico em que foram instituídas as entidades representativas dos pescadores, já detalhada neste capítulo.

Para concluir a abordagem da articulação institucional do setor pesqueiro, cabe destacar ainda a existência da Frente Parlamentar da Pesca e Aquicultura, composto por 239 Deputados Federais e 13 Senadores da República, dos 26 Estados da Federação e do Distrito Federal. Esta Frente foi criada, em maio de 2007, com o intuito de apoiar diretamente as questões relacionadas à pesca e aquicultura.

A composição da Frente foi feita a partir da adesão dos Parlamentares e a distribuição deles por Estado pode ser visualizada na Figura 22 (Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Bahia, 2007):

Figura 22: Frente Parlamentar da Pesca e Aquicultura por Estado da Federação

Esses dados revelam que Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, e Ceará são os Estados que mais possuem parlamentares envolvidos com a questão da Pesca e Aquicultura. A Bahia aparece em quinto lugar contando com 15 parlamentares.

A Figura 23 revela o ranking dos maiores produtores de pescado do Brasil em 2006, segundo o IBAMA (IBAMA, Estatística da Pesca 2006):

Figura 23: Produção de Pescado (t) por Estado da Federação – 2006

O cruzamento dos dados das Figuras 22 e 23 revela que a quantidade de parlamentares na Frente da Pesca e Aquicultura não se relaciona diretamente com o total da produção de pescado no respectivo Estado. Santa Catarina como maior produtor, aparece em nono lugar em relação à quantidade de parlamentares na Frente. Em contrapartida, Minas Gerais que possui a maior bancada, aparece como décimo sexto colocado na produção de pescado. A Bahia manteve coerência entre a quantidade de parlamentares e a posição quanto a produção de pescado (quinta e terceira colocação, respectivamente).

Esses fatos revelam a existência de muitos interesses que perpassam o setor pesqueiro. No caso dos parlamentares, desde pressão do setor empresarial até a possibilidade de uso do discurso para conseguir votos devem ser considerados. O caso do Rio Grande do Norte é sintomático: os três Senadores que representam o Estado integram a Frente Parlamentar da Pesca. O Rio Grande do Norte é também um dos Estados brasileiros em que a carcinocultura mais se desenvolve. Segundo a Estatística da Pesca, de 2006, o referido Estado foi o segundo maior exportador de camarão, ficando atrás apenas do Ceará (IBAMA, 2008). Eles foram responsáveis por, respectivamente, 33% e 28,3% do total exportado. Responder os interesses que sustentam essa configuração política é um exercício de análise que requer a observação dos rumos que a pesca tem tomado no Brasil.

Assim, a análise inter-escalar da organização e articulação social e institucional do grupo pesqueiro é fundamental quando se entende a noção de totalidade. As ações e decisões que acontecem numa escala possuem repercussões diretas em todas as outras escalas de abordagem. Nesse sentido, o objeto dessa pesquisa, qual seja, a comunidade pesqueira de São Francisco do Paraguaçu, tanto contribui para a construção desse sistema organizativo quanto é diretamente influenciado por ele. Essa perspectiva dialética faz com que haja ainda a crença na possibilidade de mudanças dos rumos que não são condizentes com práticas de justiça social, econômica, natural e cultural.