• Nenhum resultado encontrado

4. O DIREITO À FELICIDADE NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

4.2 A felicidade e o STF: reconhecimento e aplicação pela última instância

Sob o domínio jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal39, a combinação dos termos direito+à+felicidade leva aos seguintes números: 15 acórdãos, 63 decisões monocráticas, uma decisão da presidência e 8 informativos. Reiterando, todavia, que os

39

Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarConsolidada.asp.> Último acesso em 9 set 2018.

47 resultados associados a esta disposição específica de palavras não necessariamente coincidem com o que pretende o exame proposto no capítulo. Alguns dos acórdãos relacionam-se à felicidade enquanto nome próprio, a título de exemplificação.

Daqueles que tratam da felicidade enquanto direito humano, inicia-se pelo julgado mais antigo, que é o da ADI 3510/DF, com relatoria do Ministro Ayres Britto, julgada em 29 de maio de 2008 pelo Pleno. A decisão40 assim determina:

Após os votos do Senhor Ministro Carlos Britto (relator) e da Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente), julgando improcedente a ação direta, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Menezes Direito. Falaram: pelo Ministério Público Federal, o Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza; pelo amicus curiae Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, o Professor Ives Gandra da Silva Martins; pela Advocacia-Geral da União, o Ministro José Antônio Dias Toffoli; pelo requerido, Congresso Nacional, o Dr. Leonardo Mundim; pelos amici curiae Conectas Direitos Humanos e Centro de Direitos Humanos - CDH, o Dr. Oscar Vilhena Vieira e, pelos amici curiae Movimento em Prol da Vida - MOVITAE e ANIS - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, o Professor Luís Roberto Barroso. Plenário, 05.03.2008. Decisão: Após os votos dos Senhores Ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski, julgando parcialmente procedente a ação direta; dos votos da Senhora Ministra Cármen Lúcia e do Senhor Ministro Joaquim Barbosa, julgando-a improcedente; e dos votos dos Senhores Ministros Eros Grau e Cezar Peluso, julgando-a improcedente, com ressalvas, nos termos de seus votos, o julgamento foi suspenso. Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 28.05.2008. Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do relator, julgou improcedente a ação direta, vencidos, parcialmente, em diferentes extensões, os Senhores Ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 29.05.2008

Iniciando-se pelo caso mais antigo de julgamento envolvendo o instituto jurídico em destaque, do STF enfrentou matéria considerada amplamente polêmica, envolvendo a Lei de Biossegurança nº 11.105/2005. Sintetizando, o que se faz necessário diante da complexidade do assunto, era objetivada a impugnação em bloco do art. 5 do mesmo diploma, que trata da pesquisa científica relativa células tronco embrionárias, caracterizando o crime de aborto a utilização do material genético.

A felicidade é utilizada como um dos critérios adotados para a deliberação do julgamento no contexto do item II, que enfrenta a questão da legitimidade das pesquisas com células-tronco embrionárias para fins terapêuticos e o constitucionalismo fraternal. Neste ponto da discussão, são tratadas as acaloradas discussões entre o desenvolvimento científico e o direito à vida, debatidas as eventuais incompatibilidades dentro do que

40

Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723.> Último acesso em 9 set 2018.

48 normatiza a Lei de Biossegurança e a Constituição preconiza ser um direito natural à vida.

Como uma das justificativas que encaminhariam ao resultado final, de improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade, é apontada a função de cura de patologias e traumatismos que atormentam e infelicitam a vida. A utilização da infelicidade, curiosamente, confirma um cenário por assim dizer hedonista no Pleno do STF, reiterando a dicotomia explicada logo no início do estudo, entre prazer como felicidade e dor como infelicidade. São enumeradas as enfermidades tratáveis por células-tronco, confirmando a relevância do avanço científico sobre o domínio da técnica, e passa-se ao direito. Na fundamentação jurídica, o Pleno faz questão de explicitar que não despreza a vida “in vitro”, mas que considera o infortúnio já existente mais urgente, para o qual se deve proporcionar maior atenção. Fala-se, também, do constitucionalismo fraternal, considerando sempre o espírito solidário e humanista da Carta Magna como tradução da vida ou da vida social, que é um dos objetos de interesse quando se discute a juridicidade da felicidade. Por último, o Ministro Celso de Mello lança o direito à felicidade, em nova associação com a dignidade, como alento daqueles que vivem à sua margem em decorrência da privação de sua saúde.

No mais recente acórdão do STF, o Recurso Extraordinário, RE 898060/SC41, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, julgado pelo Pleno em 21 de setembro de 2016. Os efeitos são de repercussão geral em relação ao mérito, e trata de outro tópico socialmente controverso, com a seguinte decisão42:

O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 622 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, vencidos, em parte, os Ministros Edson Fachin e Teori Zavascki. O Tribunal deliberou fixar a tese na próxima assentada. Ausente, justificadamente, o Ministro Roberto Barroso, participando do encontro de juízes de Supremas Cortes, denominado Global Constitutionalism Seminar, na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Falaram: pelo recorrente a Dra. Deborah de Oliveira Figueiredo; pelo amicus curiae Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, o Dr. Ricardo Lucas Calderón, e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 21.09.2016. Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, fixou tese nos seguintes termos: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”, vencidos, em parte, os Ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio. Ausente,

41 Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13431919>. Último acesso em 9 set 2018.

49 justificadamente, o Ministro Roberto Barroso, participando do encontro de juízes de Supremas Cortes, denominado Global Constitutionalism Seminar, na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 22.09.2016.

O tema da deliberação foi o conflito entre paternidade afetiva, conceito tradicional, encrustado sob a forma de paradigma, e a paternidade socioafetiva, que pode ser tratada como novidade pelo direito de família. Também é posta em dúvida a validade absoluta do casamento como parâmetro para desenvoltura dos laços familiares. Mérito das ponderações até agora feitas, a Corte Máxima igualmente entendeu como remoção de óbices uma das facetas mais importantes do contentamento pela plenitude. A superação destes obstáculos ao pleno desenvolvimento familiar, então, possibilitaria a busca pela felicidade, sendo de colossal relevância apontar que aqui foi julgado o direito negativo.

Reconhecida a atipicidade constitucional do conceito das entidades familiares, o acórdão considera o direito à felicidade como um princípio implícito no art. 1, III, da Constituição, atendo-se a eles para não reduzir as famílias a terminologias arcaicas preconcebidas, reafirmando a autodeterminação do homem como senhor de seus desejos e vontades e admitindo suas capacidades intelectual e moral para desenvolver-se em liberdade e traçar, sem interferências, seus objetivos. Exatamente enquadrado nos exemplos anteriores, este julgado fala precisamente da proibição do governo quanto a imiscuir-se nos meios eleitos para alcançar vontades particulares.

Ainda em uma precisão cirúrgica, destaca a necessidade do movimento de retração, o que se justifica na ideia de que os indivíduos têm projetos pessoais de felicidade e melhor conhecem as formas de alcança-los que o Estado. Não seria, nesta linha de raciocínio, papel do Estado impor a opção por uma das espécies de paternidade se ambas melhor poderiam fazer feliz aquele que as pleiteia. São pesados o direito à identidade genética como elo biológico indissolúvel o a afetividade, como decorrência natural das relações pessoais. Ao fim, entende-se que não há qualquer conflito entre tais modalidades de paternidade, e que a busca pela felicidade implicaria, também, a obtenção do reconhecimento jurídico para que os envolvidos desfrutassem de suas escolhas. A pluriparentalidade, quando trazida ao direito comparado, deve atender ao melhor interesse do menor e ao interesse do genitor em declarar seu afeto da forma que aprouver, desde que contida no campo da legalidade.

50 Indo mais além, o julgado relaciona liberdade, autodeterminação, dignidade e felicidade. Há uma beleza singela no texto porque demonstra, de forma clara e concisa, o processo de incorporação da teoria à realidade, estabelecendo conexões simples e eficientes que relacionam um universo jurídico ao desejo mais pacato do homem, que é o de ser feliz, de sentir que a experiência de vida valeu a pena, considerando-a suficiente a seu propósito. Negado provimento ao recurso, fincou-se a tese jurídica com incidência direta sobre casos semelhantes:

“A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

Vencido o pleito de prevalência da paternidade biológica sobre a socioafetiva, os reflexos do julgamento serviram como uma catapulta eficaz a um dos temas mais contemporâneos e relevantes, com ramificações fundamentais às famílias que pugnavam pela retração do Estado sobre seus direitos personalíssimos de afetividade.

Alguns informativos de alguma forma relacionados estão elencados em sequência, para enriquecimento intelectual da produção científica e, também, a título de eventual orientação àqueles que, porventura, deparem-se com esta monografia, seja curiosidade ou utilizando-a como referência em algumas das hipóteses de pesquisa acadêmica:

Informativo 414, título: Homoafetividade – União entre pessoas do mesmo sexo – Qualificação como entidade familiar;

Informativo 419, título: Segurança Jurídica e Modulação Temporal dos Efeitos;

Informativo 626, título: União Estável Homoafetiva – Regime Jurídico – Entidade Familiar – Busca da Felicidade – Papel Contramajoritário do STF; Informativo 631, título: Ação de investicação de paternidade e coisa julgada. Informativo 635, título: União Estável Homoafetiva – Legitimidade Constitucional – Afeto como Valor Jurídico – Direito à Busca da Felicidade – Função Contramajoritária do STF.

Informativo 840, título: vínculo de filiação e reconhecimento de paternidade biológica.

Deste modo, as explanações feitas servem de demonstração prática do instituto jurídico do direito à felicidade ou à sua busca, trazidos pelos tribunais de topo para que

51 não houvesse qualquer dúvida quanto à sua validação nas últimas instâncias do poder judiciário, que condensam com competência os conceitos e teorias anteriormente examinados, servindo de fecho a quase todas as intelecções feitas até então. Sob o risco de incorrer em repetição, reforça-se que não há precisão técnica de todas as maneiras pelas quais a felicidade se relaciona ao Estado a aos problemas da vida moderna, dentre eles a solidão. Ainda assim, indicam que existe uma certa urgência para voltar o olhar à felicidade e seus reflexos, suas causas e consequências e como estas afetam tanto o indivíduo quanto a coletividade.

Documentos relacionados