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A SOLIDÃO DO HOMEM MODERNO E O DIREITO À FELICIDADE: UMA ANÁLISE SOBRE A INEFICÁCIA DO ESTADO NO COMBATE AO MAL DO SÉCULO

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMIÁRIDO

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

BÁRBARA DANIELLE DE OLIVEIRA LIMA

A SOLIDÃO DO HOMEM MODERNO E O DIREITO À

FELICIDADE: UMA ANÁLISE SOBRE A INEFICÁCIA

DO ESTADO NO COMBATE AO MAL DO SÉCULO

MOSSORÓ/RN

2018

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BÁRBARA DANIELLE DE OLIVEIRA LIMA

A SOLIDÃO DO HOMEM MODERNO E O DIREITO À

FELICIDADE: UMA ANÁLISE SOBRE A INEFICÁCIA

DO ESTADO NO COMBATE AO MAL DO SÉCULO

APROVADA EM:_____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA ____________________________________ Profº. Ms. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx (UFERSA) Presidente

_______________________________________________

Profa. Ms. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx (UFERSA) Primeiro Membro _____________________________________

Profº. Ms. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx (UFERSA) Segundo Membro

MOSSORÓ/RN

2018

Monografia apresentada ao Departamento de Agrotecnologia e Ciências Sociais para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, pela Universidade Federal Rural do Semiárido, no curso de Direito.

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3 AGRADECIMENTOS

É indispensável agradecer aos meus pais, Shyrley e Júnior, por terem me trazido ao mundo, onde pude trilhar caminhos que jamais imaginei e contemplar de longe as promessas do futuro. Também por sua confiança em minha capacidade e, acima de tudo, pelo amor incondicional que me deram e provocaram em mim, saibam desde já que sem ambos eu nada seria.

Sou grata também a Mahalo, cujo nome, em havaiano, significa justamente o sentimento de gratidão espiritual e verdadeira. Você, com seu coraçãozinho canino, sempre será meu melhor amigo e um grande parceiro. A presença ao pé da escrivaninha em todas as fases desta pesquisa aquebrantaram um pouco da solidão sobre a qual ela se debruça.

Há amigos que amamos e amigos com os quais nos identificamos, reconhecendo neles um lugar no mundo. Por isso agradeço a Camila Gaertner, que me apelidou de Catita sem saber que estava, na verdade, me chamando de rato. Terminamos Catitas as duas, e foi esta uma das surpresas mais lindas que a vida me trouxe.

A Tamara Martins, com quem adentro as madrugadas filosofando sobre o tempo, o destino e o amor, também agradeço de coração. Sua lealdade inquestionável e atenção constante sempre fizeram a diferença. Talvez um dia nos reencontremos permanentemente no meio do caminho. Mossoró ficou menos brilhante sem você.

A Lorena Araújo, que exerce o papel fundamental de me puxar para a realidade e sempre oferece um par de ouvidos atentos que nunca julgou, meu imenso afeto gratidão. Em você reconheço algo mais próximo da sabedoria, e através de seus olhos a vida se torna menos amarga. Obrigada por todas as matérias que me enviou para a construção desta pesquisa, que representa um pouco de minha própria história.

Para Terezinha, que faz parte do meu cotidiano e por quem nutro imenso afeto, digo que, além de toda a fidelidade e acolhimento, nas horas felizes e sombrias, você me deu dois anjos. A Marília, minha amada afilhada, e a Otávio, minha versão miniatura, obrigada. Amo vocês três.

Ao meu orientador, Rodrigo, agradeço pela tranquilidade e essa liberdade incrível que me permitiu voar sozinha. Seu papel, como a águia e os filhotes, era me empurrar do penhasco e mostrar que tenho asas. Deu certo. Nunca esquecerei.

A Jo Cox, que estendeu o olhar às pessoas invisíveis, thank you so much. Sua morte precoce e violenta retirou do mundo um coração generoso e uma mente brilhante. Todavia, a batalha que travou não será esquecida e, ainda que pouco signifique ou não haja além vida para você tomar nota, saiba que agora a luta também é minha.

Por último, mas não menos importante, a todas as pessoas que, citando Exupéry, passaram por mim deixando um pouco de si e levando um pouco do

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4 que sou. Até mesmo as que dificultaram a jornada ou esculpiram algumas cicatrizes. Elas também são necessárias. Aos que trouxeram somente sorrisos o meu muito, muito obrigada por me encontrar pelas esquinas da vida.

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5 Por María Amparo Plaza, que morreu em seu apartamento na Espanha e foi encontrada por acaso, após quatro anos. Por Rebecca Méndez Jiménez, cujas cinzas viajam pelo cais de San Blas depois de tanto esperar o amor que nunca voltou.

Dedico este trabalho a todos que se sentem sozinhos.

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6 “Quando se vive só, não se fala muito alto, não se escreve também muito alto: receia-se o eco, o vazio do eco, a crítica da ninfa Eco. A solidão modifica as vozes.”.

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A SOLIDÃO DO HOMEM MODERNO E O DIREITO À

FELICIDADE: UMA ANÁLISE SOBRE A INEFICÁCIA

DO ESTADO NO COMBATE AO MAL DO SÉCULO

RESUMO: O objetivo desta pesquisa é compreender as relações entre o direito à felicidade e a solidão e como o Estado é responsável por reconhecer os efeitos do problema, enfrentando seus sintomas, que se ramificam nas áreas médica, mental e social. A distância entre os indivíduos e a incorreta administração de tecnologias supostamente feitas para aproximá-los são um problema real da modernidade cujos reflexos podem ser vistos em muitas espécies de desordens e problemas mentais (além da própria dependência das mídias sociais), como depressão, suicídio, ansiedade e toda sorte de sofrimentos. Os homens do século XXI, ou ao menos sua maioria, provavelmente uma pessoa com a qual todos já cruzaram na vida, estava desesperadamente sozinha, apesar da multidão ao seu redor. O Reino Unido, até o momento, foi o único Estado a admitir o problema e ter a coragem necessária para enfrentar o inimigo invisível. Por todas estas razões, este estudo intenta apontar as falhas do Brasil e correlacionar como direito e felicidade estão incrivelmente ligados.

Palavras-chave: Solidão, felicidade, direito, Estado, século XXI, depressão, ansiedade, efeitos.

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A SOLIDÃO DO HOMEM MODERNO E O DIREITO À

FELICIDADE: UMA ANÁLISE SOBRE A INEFICÁCIA

DO ESTADO NO COMBATE AO MAL DO SÉCULO

ABSTRACT: The goal of this research is understanding the relationship between loneliness and the right to happiness and how the State is responsible for recognize the effects of the problem and fight its sintoms, which go to medical, mental and social areas. The individuals’ distance from one another and the technologies which were made supose to keep people closer are real modernity problems, so it is the own dependence on social medias, and its reflects can be seen in many kinds of mental disorders and problems like depression, suicide, anxiety and all the sorts of sufferings. The XXI century man, at least most of them, probably one of the person that everybody already have crossed in life with, is desperately lonely, despite the crowd sorrounding him. The United Kingdom, until the moment, was the very first State to admit it and had the necessary courage it takes to fight an invisible enemy. For all those reasons, this study clams to appoint the fails of Brazil and correlate how law and happiness are amazingly tied together.

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9 SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 10

2. ANÁLISE DE CONCEITOS ... 15

2.1 O que é felicidade ... 15

2.2 Solidão: definição, correlação e consequências ... 21

3. O DIREITO À FELICIDADE ... 27

3.1 A felicidade e o direito: uma análise sobre as dimensões e a necessidade de ser feliz ... 27

3.2 O direito à felicidade e sua busca sob os vieses liberal e positivo: disposições acerca do projeto de ser feliz e a responsabilidade do Estado...34

4. O DIREITO À FELICIDADE NOS TRIBUNAIS SUPERIORES BRASILEIROS ... 42

4.1 A felicidade e o STJ: acórdãos sob perspectiva ... 42

4.2 A felicidade e o STF: reconhecimento e aplicação pela última instância jurisdicional brasileira ... 46

5. O ESTADO, A FELICIDADE E A SOLIDÃO ... 50

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 56

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10 1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo versar a respeito da relação entre solidão e direito, a partir de uma abordagem pormenorizada de um dos desdobramentos do princípio da dignidade da pessoa humana, que é o direito à felicidade. Embora seja uma pauta relativamente nova no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, seu reconhecimento pelos tribunais superiores ilustra a incidência de aplicação prática a casos da vida concreta que se encontram abarcados pela prerrogativa. As decisões pautadas neste instituto jurídico, que serão analisadas em capítulo próprio, demonstram que a felicidade, também, encontra respaldo na inafastabilidade da tutela jurisdicional, e é, no plano fático, matéria de tutela estatal. De forma residual, observada a garantia e aplicação do direito à felicidade, é possível inferir que os obstáculos ao direito de ser feliz devem ser matéria de estudo no âmbito das ciências jurídicas.

Conhecida por alcunhas como “mal do século”, a solidão é um dos sentimentos mais debatidos na era moderna, servindo de inspiração a poetas, músicos, escritores e cineastas de todo mundo. Sua reincidência nas plataformas artísticas, fincadas ou relativas ao tema, desde eras remotas até os dias de hoje, pode ser justificada por um motivo simples: a identificação com o conteúdo a partir do reconhecimento, quando o solitário (ou não necessariamente solitário, mas que já tenha se deparado com episódios de isolamento físico ou imaterial), enxerga a si mesmo, conectando-se com o assunto.

Embora pareça, a priori, improvável o estabelecimento de conexão entre um sentimento (logo, existência abstrata) e o direito (conjunto de normas e princípios que orientam e disciplinam o exercício da vida coletiva), pesquisas importantes das mais diversas áreas do conhecimento científico, como a medicina, psicologia e psiquiatria, dentre outras, demonstram com eficácia os efeitos nocivos da solidão. Há consequências físicas, mentais e emocionais suficientemente capazes de ratificar um dos problemas mais sérios da realidade moderna como matéria de saúde pública, logo, objeto de proteção do Estado.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 196, trata da saúde como “direitode todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Logo,

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11 extrai-se do texto constitucional que a responsabilidade de promover a saúde como direito de todos recaiu, por escolha do constituinte, à República Federativa do Brasil, que deverá promover, proteger e recuperar o bem jurídico protegido através de ações específicas voltadas à matéria.

A solidão, contudo, não se relaciona apenas com a saúde pública, ainda que seja um dos aspectos mais graves de sua propagação epidêmica. O bem-estar social e a dignidade que deve ser garantida à pessoa humana são parâmetros que devem entrar no cômputo da análise desta relação. Ao tombar o princípio da dignidade como um dos fundamentos da República brasileira, a Carta Magna estende sobre ela própria e as demais normatizações infraconstitucionais um objetivo que transcende todos os outros, por sua própria universalidade. É a dignidade que leva à constitucionalização de quase todas as áreas jurídicas, alcançando as matérias civil, penal e internacional, exemplificando, nas quais devem ser observados, por conseguinte, de forma condensada, os direitos humanos contidos no art. 5º da CF/88, bem como nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Logo, ao maximizar esta dignidade a que o legislador se refere, dissecando o sentido principal de sua disposição, chega-se a um direito mais amplo, que dá sentido a toda a razão de ser da vida humana, que é o direito de ser feliz. Seria impossível exercer o direito à felicidade mesmo nos quadros de isolamento psíquico ou material e abandono? Para prover os meios de busca desta mesma felicidade, justifica-se maximizar o campo de intervenção estatal sobre outras esferas da vida privada? É por esse questionamento que a monografia se debruça no afã de compreender até onde a solidão pode ser objeto de interferência jurídica, social e cultural.

Necessário é, porém, esclarecer que o reconhecimento de tal direito, além de sua implicação, não significa dizer que o Estado é responsável pela felicidade pessoal de cada indivíduo, cujo conceito é único e intransferível. Infere-se, pois, que, na verdade, o Estado tem falhado quanto ao reconhecimento da solidão como o problema de proporções incalculáveis que é, além de causa de diversas mazelas que atingem os bens mais preciosos da vida. Os crescentes números dos casos de depressão, suicídio e outros transtornos que afetam a mente, sem citar o elevado consumo de medicamentos contra as desordens que têm no isolamento um dos principais gatilhos de origem, são sintomas de uma sociedade gravemente doente, caminhando para um possível colapso.

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12 Caberia, neste sentido, não a promoção direta da felicidade, mas a retirada de óbices ou a disposição de meios de persegui-la, direcionando, através de políticas públicas e de medidas jurídicas, meios de combate e precaução à solidão. Por exemplo, os números relativos ao abandono de idosos no país, assim como os casos de violência contra estes, em todas as suas formas, indicam uma deficiência clara em garantir dignidade e felicidade à velhice.

A publicação “A solidão e o isolamento social como fatores de risco para a mortalidade1”, de 2015, promovida pela “Brigham Young University” e liderada pela professora Julianne Holt-Lunstad, do Departamento de Psicologia, aponta que viver sozinho ou socialmente isolado pode representar tantos riscos à saúde como a obesidade e o vício em drogas. A análise abrange três milhões de pessoas nos EUA e foi publicada na revista científica “Perspectives on Psychological Science”.

Há forte alicerce nas mais diversas áreas do mundo científico para que se enxergue o indivíduo através das lentes de Aristóteles, induzindo a crer, de fato, ser “fera selvagem ou Deus o homem que encontra prazer na solidão”.

De acordo com a publicação “As bases biológicas da interação social2”,

de Uta e Chris Frith, somos biologicamente programados para estabelecer conexões sociais. Os pesquisadores, vinculados ao “Instituto de Neurociência Cognitiva e Departamento de Psicologia” e o “Departmento de Neurologia Cognitiva do Instituto de Neurologia”, da “University College London”, acreditam que o fato de os distúrbios mentais prejudicarem as interações sociais de diversas formas pode sugerir que a própria competência social tenha múltiplos componentes fundados nos sistemas cerebrais.

Assim, é possível compreender as consequências da solidão observadas entre o fim do século XX e o começo do século XXI. Como possível condição humana e característica indissociável de sua natureza, a necessidade de estabelecer e manter vínculos, quando ignorada, pode comprometer o bem-estar social como todo, ainda que afete os indivíduos de formas distintas em suas esferas da vida individual.

1

FRITH, Uta; FRITH, Chris. The Biological Basis of Social Interaction. Sage Publications, Inc, 2010. Disponível em: <http://journals.sagepub.com/doi/10.1111/1467-8721.00137>. Último acesso em 10 ago 2018.

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13 Tomando-se por referência a pesquisa supracitada, observa-se que a natural inclinação humana para a vida social, como característica biológica, é fator suficientemente relevante para que o Estado passe a se preocupar com os reflexos nocivos da solidão, visto que é uma realidade crescente e concreta. Suas consequências naturalmente comprometerão a qualidade da vida humana e até mesmo a própria vida, quando consideradas as evidências científicas de que, sim, a solidão também mata.

Por conseguinte, o presente trabalho visa demonstrar a inércia estatal quanto à adoção de meios legais e programáticos para minimizar ou, ainda, compreender as ramificações da solidão em diversas áreas submetidas aos cuidados do poder público, seja na saúde, na educação, na persecução do bem-estar social ao qual se refere a Constituição Federal de 1988 e outros tantos males ainda não descobertos que, entretanto, impendem com urgência um olhar atento a seus reflexos por parte das autoridades.

No sentido oposto, há que, enquanto na vigência da Carta Magna, perseguir-se-ão seus objetivos, pois estes nada mais são que orientações que emprestam uma alma ao sistema jurídico brasileiro. Portanto, no mesmo ínterim, o enfrentamento da solidão como a busca pelo bem-estar e pelo direito à felicidade não prescinde de começo, meio ou fim, mas figura-se como um lume a ser seguido indefinidamente. Quanto às ações voltadas à empreitada, destaque-se que inexiste unanimidade, tampouco uma definição estratégica provada eficaz. Os especialistas do tema, porém, são uníssonos quanto a uma consideração acerca da problemática: ainda que não esteja claro o que deve ser feito, algo deve ser feito, vez que não é mais possível, ou, ao menos, não mais razoável, manter os olhos fechados em relação às consequências da solidão.

Por fim, para que a relação entre o sentimento e o direito ficasse suficientemente clara, foram utilizados diversos métodos para cobrir os principais questionamentos da problemática, como bibliográfico, a partir da consulta a materiais autorias produzidos na área do direito e demais ciências sobre o assunto, tomando-se por base as principais obras, amparando, assim, a parte teórica do estudo.

O método histórico, igualmente, a partir do qual foi possível traçar uma linha temporal com objetivo de compreender como surgiram os conceitos de solidão e

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14 felicidade e de que forma sofreram transformações culturais alterando a forma com que as pessoas passaram a se relacionar e a entender tais sentimentos.

A pesquisa também se espraia nos aspectos qualitativo-quantitativo, a partir de questionários sobre a felicidade com um grupo de pessoas, organizadas e divididas pelos critérios de faixa etária e classe social. O objetivo foi mapear a autocompreensão da solidão entre pessoas que ainda estão construindo seu conceito de felicidade, nas fases de infância e pré-adolescência, assim como aquelas cujo status social médio ou elevado, teoricamente detentoras de maior quantidade de meios para perseguir o status de plenitude ou reduzir a incidência do sentimento de abandono em detrimento de levarem vidas sociais mais dinâmicas.

Assim, no que diz respeito aos métodos utilizados com o fim de melhor discorrer sobre o tema proposto, houve alternância, recorrendo-se ora ao método dedutivo, para compreender e concluir de quais formas a solidão repercute direta ou indiretamente na esfera de consternação jurídica, ora os métodos empírico e qualitativo, para extrair as principais considerações hermenêuticas acerca do direito à felicidade como manto protetor das pessoas solitárias. Por último, novamente fez-se a disposição direta dos métodos dedutivo e empírico para apontar a esfera de responsabilização do Estado, além da proposição da adoção de políticas públicas direcionadas e institucionalização ministerial para enfrentamento do desafio do século.

O objetivo geral é de apontar a solidão como matéria de repercussão pública e de interesse das ciências jurídicas a partir do direito à felicidade e descobrir suas ramificações em diversas mazelas sociais. Já os objetivos específicos são de analisar o conceito de solidão e sua evolução histórica a partir da primeira utilização conhecida da palavra até os dias atuais, discorrendo sobre as consequências e múltiplas raízes; dispor sobre o que é o direito à felicidade e sua aplicação pelos tribunais brasileiros e; compreender e correlacionar as principais mazelas sociais à falha no estabelecimento dos laços humanos na era moderna; internet. A justificativa se dá em razão da interferência negativa da solidão sobre a persecução da felicidade enquanto direito humano fundamental.

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15 2. ANÁLISE DE CONCEITOS

2.1. O que é felicidade

Utilizando-se o sistema de pesquisas Google, quando a palavra felicidade é digitada, são encontrados 71.900.000 resultados. Em inglês, as buscas para “happiness” apontam 533.000.000. Em francês, “le bonheur” traz 192.000.000 resultados. Ao procurar por sua definição léxica, o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Michaelis3

assim define:

1 Estado de espírito de quem se encontra alegre ou satisfeito; alegria, contentamento, fortúnio, júbilo: “[…] estou apodrecendo lentamente, cheirando mal como as pessoas banais ou não cheiram quando morrem, à espera de uma felicidade que não chega nunca” (CFA).

2 Acontecimento ou situação feliz ou alegre; sorte, sucesso, ventura: Atrasei-me para viajar, mas, por felicidade, cheguei a tempo de pegar o avião. “O falecimento de uma criança é um dia de festa. Ressoam as violas na cabana dos pobres pais, jubilosos entre as lágrimas […]; o anjinho exposto espelha, no último sorriso paralisado, a felicidade suprema da volta para os céus, para a felicidade eterna” (SER).

A despeito de constar em dicionários de diversas partes do mundo, é difícil estabelecer definição única a algo tão subjetivo quanto sentir-se feliz, vez que a complexidade de experiências, memórias e desejos que cada ser humano carrega é inteiramente individual. Uma coluna de opinião do periódico The New York Times abordou a temática em 2014, através de um artigo de opinião sobre o que significa ser feliz.

Para o colunista Daniel M. Haybron, que parte de uma premissa básica de determinação do que é ser feliz, primeiro foi adotado o critério “sentir-se bem” para levantar os números relativos às pessoas supostamente felizes. Ainda de acordo com a coluna, intitulada “A Felicidade e seus descontentes”4, perguntas sobre o contentamento pessoal falharam ao considerar o reflexo subjetivo que é dizer-se satisfeito com algo. Segundo ele, medir a felicidade é uma tarefa dificílima que vai muito além disso, pois somente questionar as pessoas acerca da satisfação em relação à vida deixa escapar as miudezas presentes nos estados de espírito do ser.

3

MICHAELIS. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/felicidade/<acesso em 23 de julho de 2018, 14:07>. Último acesso em 07 ago 2018.

4 HAYBRON, Daniel. Happiness and its discontents. Disponível em <http:// https://opinionator.blogs.nytimes.com/2014/04/13/happiness-and-its-discontents/>. Último acesso em 18 ago 2018.

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16 Nos últimos 30 anos ou mais, quando os estudos voltados a destrinchar a felicidade surgiram da chamada psicologia social, ainda eram incertas as diretrizes utilizadas para estabelecer a devida compreensão do objeto das pesquisas. Em princípio, o quesito satisfação serviu de parâmetro quase exclusivo para avaliar o que seria um indivíduo feliz. Todavia, observou-se que a adoção deste critério era claramente insuficiente. Uma vez lançada a pergunta, estaria inteiramente a cargo do entrevistado fornecer um sim ou não, e ambas as respostas poderiam estar em gritante dissonância com a realidade.

Como exemplo do quão impreciso era o critério citado, foi constatada uma exorbitante quantidade de pessoas dizendo-se felizes, mesmo aquelas que se encontram em ambientes excruciantes como as favelas de Calcutá. No mesmo ritmo, cita que, em uma pesquisa feita com pessoas que vivem o limite da linha de pobreza no Egito e que, quando perguntadas acerca da satisfação que eventualmente pudessem sentir, responderam que apesar de considerarem um dia bom e outro ruim, poderiam aceitar menos da vida sem que isso maculasse a satisfação que, em suas percepções, haveria nela.

Neste ponto da publicação, o jornalista expõe a importante questão da resignação. Ou seja, ao dispor da satisfação com a vida como bússola para mapear a felicidade, os pesquisadores poderiam incorrer em falsos dados, vez que os próprios entrevistados poderiam sequer ter noção do que é ser feliz, e pessoas infelizes porém resignadas incutiriam margem de erro considerável ao ponto de comprometer a qualidade estatística da pesquisa.

Por esta jornada árdua, onde psicólogos e outros cientistas sociais se debatem na tentativa incessante de finalmente entender o sentimento mais perseguido pelo ser humano, outras formas de busca foram postas em prática. Passou-se, então, a investigar se felicidade seria prazer. Neste aspecto, consequentemente, a dor seria o antônimo disso e, portanto, significaria a infelicidade. Quando observada sob tal prisma, a compreensão da estima atribuída a este sentimento se torna mais simples, o que justifica o alto valor social atribuído à consecução do status de “feliz”. Afinal, todos buscam sentir prazer, cada indivíduo perseguindo sua miríade, ultrapassando-se as barreiras do que cada um enxerga como capaz de lhe prover aquilo que demanda. O prazer, então, independentemente do que signifique para cada um, é o denominador

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17 comum que nivela os objetivos da vida humana quanto à conferência de satisfação e regozijo.

Os filósofos chamaram esta abordagem de hedonismo da felicidade. Para as mentes de homens brilhantes como de Epicuru, Jeremy Bentham e John Stuart Mill, a dicotomia de prazer e dor seria inteiramente completa, logo, suficiente para abranger todas as indiossincrasias pessoais e explicar objetos de atração e repulsão, estando a atração associada à satisfação plena da felicidade e a repulsão ao inconveniente da dor.

Ainda assim, a divisão acima é insustentável, porque, quando utilizada para fins de pesquisa, os questionários formulados comumente inquiriam sobre emoções e estados de humor, raramente tratando de dor, prazer ou sofrimento. De forma mais aprofundada, por inferência, impende dizer que dor é algo também subjetivo e de difícil compreensão, porque pode alcançar constituições físicas ou emocionais, sendo, neste último caso, tão imprecisa quanto o da satisfação para aferir a felicidade. Quanto ao primeiro, que trata do estado fisiológico, seria absurdo concluir que a presença de uma dor que atinge o corpo poderia obstar toda qualquer chance de felicidade do indivíduo que a carrega já que a felicidade é intangível e reside no cérebro, sendo estado imaterial do campo das emoções.

De acordo com os hedonistas da felicidade, uma pessoa com sintomas de enxaqueca, jamais seria feliz, uma vez que se trata da ocorrência de dor e a dor seria antônimo de felicidade. É aí que, empírica e cientificamente, encontra-se o primeiro óbice aos postulados epicuristas. A depender da intensidade, das causas às quais estão associadas e também à frequência e percepção, há uma significativa parcela de dores físicas que não serviriam, necessariamente, de óbice ao objetivo de ser feliz.

Para atestar a veracidade da afirmativa acima, o cientista psicológico Kurt Gray, da “University of North Carolina at Chapel Hill”, em associação com os pesquisadores Amelia Goranson, Ryan S. Ritter, Adam Waytz, Michael I. Northon, descobriu, em análise publicada pelo periódico “Psychological Science”, atesta que pessoas enfrentando doenças em fase terminal ou no corredor da morte são surpreendentemente mais felizes do que se espera delas, porque encaram o fim da vida, próximo e certo, com espantosa positividade. A publicação chega a afirmar que a morte é menos triste e aterrorizante, até mesmo mais feliz que aquilo que se costuma imaginar a seu respeito.

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É impossível deixar de sentir o impacto incial das palavras de Gray5, transcritas a seguir, quando se rememora que é a condenados à morte, por motivos jurídicos ou biológicos, que o pesquisador se refere:

Os humanos são incrivelmente adaptáveis – ambas psicológica e emocionalmente – e seguimos nossas vidas diárias quer estejamos morrendo ou não. Em nossa imaginação, morrer é solitário e sem sentido, mas as postagens de pacientes terminalmente doentes em blogs e as últimas palavras de detentos no corredor da morte estão cheias de amor, conexão social e significado.

Logo, afasta-se a premissa de impossibilidade da coabitação entre prazer (felicidade) e dor (episódio de infelicidade). Embora seja plenamente possível que existam casos onde um exclui o outro, a comprovada experiência na sábia administração emocional de ambos retira a validade prática desta divisão ou, ao menos, a torna também insuficiente.

É indispensável propor a análise sobre o fato de que sentir-se feliz pode estar intrinsecamente ligado não ao indivíduo ou à vida do indivíduo, mas às percepções deste indivíduo sobre si mesmo e também sobre a esta mesma vida. Tal premissa permitiria acreditar que, excetuadas dores terríveis, e/ou constantes e/ou associadas a causas que retirariam a esperança de vida do homem médio, em casos onde a terminalidade põe fim à positividade, seria possível, a despeito delas, ser feliz. Não apenas de forma simplista, mas o alcance da plenitude, de uma felicidade ampla, dependeria de um fator interessantíssimo e tão complexo que talvez jamais seja inteiramente desvendado: a percepção formada a partir do conjunto de experiências das quais somos resultado, transformando as pessoas e por ela sendo transformadas em rebotes de ação e reação.

Ao desconsiderar a dualidade prazer e dor em seus questionários, o colunista acredita que os pesquisadores, na verdade, conseguiram enxergar uma forma mais interessante de investigação, partindo de um complexo fenômeno: o bem-estar emocional. Sob este aspecto, o “nirvana” teria relação direta e estratificada com emoções e humor, alcançando a conjuntura emocional como um todo. Nas palavras de Haybron, ser feliz seria habitar um estado emocional favorável.

5

GORANSON, Amelia; GRAY, Curt; NORTON, Michael I. RITTER, Ryan S.; WAYTZ, Adam. Dying Is Unexpectedly Positive. Psychological Science. 2016, vol. 28, pp. 988-999.

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19 Assim, seria possível pensar na felicidade como oposto de ansiedade, depressão e, naturalmente, infelicidade. Ser feliz seria estar com o espírito animado, cuja capacidade de responder com menos intensidade a eventos negativos e desfavoráveis promoveria o equilíbrio e manteria o indivíduo em constante estado de resiliência. Seria considerar que a experiência de viver fora suficiente e gratificante, sem a necessidade espiritual de dar continuidade, como afirmam diversas religiões, a outro estado de consciência. Estes seriam importantes pontos a ser observados e apresentam significativas vantagens sobre a visão hedonista, considerando que as pessoas entrevistadas, por hipótese de amostragem geral, não associariam a dor a uma emoção ou estado de humor. Então, seria mais natural pensar nesta mesma dor como um dos momentâneos expoentes da infelicidade, mas não a infelicidade em si.

O cume da especulação é tratar dos seres humanos como aquilo que são, comprovadamente: criaturas emocionais. Quem somos, então, seria algo definido por pela natureza emocional e as formas de vida que nos fazem felizes, o que faz completo sentido. O acervo de vivências que cada indivíduo coleciona não apenas reflete no meio em que habita como o próprio ser é fruto deste mesmo meio, em síntese de causas e consequências.

As culturas totalitárias dominantes em países islâmicos fundamentalistas, por exemplo, afetam e tolhem liberdades básicas garantidas a mulheres em outras partes do mundo há pelo menos um século. Logo, embora seja impossível promanar uma opinião unificada que represente o gênero feminino nestes lugares, afirmando que todas as mulheres radicadas nestes países são infelizes, é possível inferir que fatores exógenos como a cultura, a religião e o meio podem propiciar um ambiente de infelicidade.

A alta repressão a pessoas homoafetivas na Federação Russa, como em caso citado em publicação da revista “Veja”6

, constitui outra demonstração em que se denota que o meio não apenas é favorável à infelicidade como a provoca, criando as condições necessárias para mitigar ou simplesmente dirimir o bem-estar pessoal daqueles que figuram como alvos vivos da intolerância perpetrada pelo Estado. Novamente, não significa dizer que todas as pessoas que integram a população LGBTQ+ em solo russo seja infeliz. Demonstra, todavia, que o cerceamento de direitos

6 VEJA. Governo da Rússia alimenta intolerância e homofobia no país. Disponível em: < https://veja.abril.com.br/mundo/governo-da-russia-alimenta-intolerancia-e-homofobia-no-pais/> . Último acesso em 29 ago 2018.

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20 humanos mínimos como a expressão livre da sexualidade e dos valores culturais impressos em uma minoria cheia de identidade e riqueza social, quando deglutidos, afeta diretamente a qualidade de vida dos que sofrem tais reprimendas.

A República Federativa do Brasil, ainda no elenco de ocorrências envolvendo a mão do ente estatal sobre seus constituintes, lançou mão do direito à felicidade, no bojo do RE 477554, onde reconheceu a extensão dos direitos relativos ao reconhecimento de união estável para casais homoafetivos. O fundamento da decisão tratou justamente do que fora falado a priori sobre a necessidade de o Estado assumir o encargo de retirada dos obstáculos por ele impostos à persecução da pessoal da felicidade.

Foi justamente este movimento de hermenêutica extensiva praticado pelo Supremo Tribunal Federal que demonstrou nitidamente um caso em que o ambiente (território brasileiro) tornou-se propício à infelicidade de um determinado grupo, a partir de evidentes discriminações ratificadas pela Constituição quando de sua interpretação literária. Havia um universo de direitos constitucionais e civis negados a uma parcela de membros do Estado brasileiro que foram preteridos em incontáveis prerrogativas que lhes assistiriam se ultrapassada a marginalização de direitos a eles imposta.

É pontual enfatizar, inclusive, que o não reconhecimento das uniões estáveis homoafetivas face à literalização do art. 226, §3º, CF/88, que dispõe apenas da família heteronormativa e seus naturais reflexos, colocava a Constituição em choque com ela própria que, no art. 3º, IV, estabeleceu como um dos objetivos fundamentais da República a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou qualquer forma de discriminação7.

Ainda, no caput do art. 5º, estabelece-se o célebre princípio da igualdade, com o adendo de que, perante a lei, não haverá qualquer distinção. O debate acerca desta decisão de natureza histórica ocupa um capítulo próprio, em razão da necessidade de análise minuciosa dos elementos considerados pelos tribunais ao aplicar o direito a este sentimento cuja definição mostrou-se tão escorregadia. Destaque-se, porém, que desde a promulgação da Carta Magna até o reconhecimento da prejudicialidade das medidas judiciais discriminatórias, uma contradição constitucional motivada somente

7 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

(21)

21 por motivos linguísticos impôs prejuízos incalculáveis e assinalou injustiças legais cujos reflexos podem ser dito irreparáveis.

Por fim, definida a felicidade, serão expostas as particularidades de sua relação com a solidão, temática central que figura como objeto do estudo, a partir, também, da definição do que é a solidão e como se tornou o grande inimigo do homem hodierno e como seus riscos implicam, talvez, até mesmo na continuidade de nossa espécie.

2.2. Solidão: definição, correlações e consequências

A palavra solidão talvez seja uma das mais conhecidas do século XXI. A despeito de ser utilizada principalmente em obras artísticas de expressão intelectual, sua presença nas mais diversas formas de arte, seja na música, películas cinematográficas, poesias ou artes plásticas/conceituais, além do o alto consumo e identificação do público com os materiais que abordam a temática são um claro indicador de que o homem atual está literal ou metaforicamente sozinho.

Em sua definição léxica8, é apontada da seguinte forma:

1 Estado ou condição de pessoa que se sente ou está só; isolamento. 2 Qualidade ou característica de local ermo ou solitário.

3 Local solitário e despovoado; retiro.

4 Sensação ou condição de pessoa que vive isolada do seu grupo.

Como informação adicional, disposta somete a título de curiosidade, foi realizado o mapeamento do termo por intermédio do mecanismo de buscas Google para a palavra solidão, feito, na mesma oportunidade, o contraponto em relação às remissões sobre felicidade. A conclusão é de 12.9000.000 resultados para a primeira contra 65.000.000 da segunda. Quando o assunto é uma obra artística como a música, por exemplo, as respostas se invertem. A partir da caixa de pesquisa da página eletrônica dedicada a este tipo de produção intelectual, “Vagalume”, há uma resposta de 96.000 resultados para a palavra solidão versus 76.400 para a palavra felicidade.

Infere-se, portanto, que foram escritas mais canções sobre isolamento e ausência de conexão que sobre estar feliz, satisfeito com a vida, embora se busque mais

8

MICHAELIS. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=solidão>. Último acesso em 17ago 2018.

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22 sobre estar feliz, em termos de pesquisas. Estes números podem significar, talvez, que o número de buscas sobre a felicidade, quando observado de um referencial objetivo, implique justamente a ausência dela, já que, sob o aspecto subjetivo da expressão sentimental, falou-se mais de estar sozinho.

Para compreender a solidão, assim como para compreender a felicidade, é necessário estabelecer alguns parâmetros que servirão de guia no objetivo defini-la. Antes de qualquer outra coisa, é necessário diferenciá-la da solitude. Quando do início desta abordagem, em sua introdução, alguns exemplos de como o Estado poderia interferir diretamente na esfera da felicidade individual foram dispostos, sempre com o adendo de que seria impossível estender tais premissas a proporções absolutas. Ainda que em um ambiente favorável ao surgimento da infelicidade, não se pode dizer que todos inseridos nele são infelizes, pois a variedade e particularidade da mente humana raramente permitem verdades irrestritas ou não questionávies.

Aqui entra um breve apanhado sobre a solitude. Se a solidão está associada aos sentimentos de abandono, de isolamento e melancólica, todos associados à ausência de conexões eficientes ligando um ser humano a outro ou outros, a solitude é a sensação de prazer justamente em razão da desconexão. Os indivíduos que vivem em solitude, por escolha própria ou como reação ao abandono ou insuficiência dos laços sociais encara a condição com positividade e otimismo, encontrando, assim, prazer em suas próprias companhias.

Para o pesquisador Raymundo de Lima9, cujo estudo fora lançado em periódico da Universidade Estadual de Maringá, sob a forma de artigo, na Revista Espaço Acadêmico, a solitude pode ser uma escolha pessoal ou uma condição obrigatória, circunstancial ou definitiva. Para ele, a vida moderna, com suas características próprias de velocidade de movimentação e informações, pode ser um fator determinante para contribuir com o aumento da propagação de pessoas em solitude no mundo:

9

LIMA, Raymundo de. Ser feliz sozinho? – Uma reflexão sobre a solidão e a solitude em nossa época.

Revista Espaço Acadêmico, nº 143, 2013, p. 81. Disponível em: < http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/20331/10684>. Último acesso em 20 ago 2018.

(23)

23 Outro fator que contribui para o aumento tanto da solitude no mundo ocidental é o estilo pós-moderno, hipermoderno ou a “vida líquida” de nosso tempo. Nesse sentido, dois fatores se destacam:

(a) o desaparecimento da vida comunitária, o encolhimento da família, casais que optam ter apenas um ou nenhum filho, facilidades proporcionadas pelo mundo líquido beneficiando principalmente aos que vivem sozinhos; (b) o hábito individualista de ficar ligado a uma tela (televisão, computador-internet, tablets, celular e etc.), vem produzindo um ser humano paradoxal: que prefere ficar sozinho, mas conectado eletronicamente com outros à distância.

Não é difícil visualizar o último exemplo citado, sobre as pessoas cujas conexões humanas resumem-se aos meios eletrônicos onde há constante e massiva troca de informações. É rotineiro observar que, em lugares públicos, destinados ao estudo, lazer, alimentação ou integração, as pessoas dedicam mais atenção a seus aparelhos celulares que umas às outras. Com efeito, em novembro de 2017 a BBC10 veiculou uma matéria sobre a preocupação dos médicos com um hábito que transformou-se em doença. O vício em celular e a vida que acontece preponderantente nas redes sociais já é um dos grandes desafios da era moderna. Encarada por médicos como, também, uma forma de fuga da realidade, suas consequências vão desde a procrastinação em afazeres e deveres da vida cotidiana ao isolamento do mundo real em detrimento do virtual.

Neste sentido, a solitude, que é o prazer na solidão, poderia representar, além do indivíduo que se basta e se considera suficiente, um estado de dependência e também de solidão não reconhecida, pois ao passo que é necessário, para aqueles que estão sempre conectados à internet, que haja uma pessoa do outro lado, também pode ser um indicativo de que, no mundo real, essas pessoas não desejam companhias.

De acordo com o conteúdo jornalístico citado acima, o Brasil alcança o quarto maior volume do mundo quando o assunto tecnologia em telefonia móvel. Somos 120 milhões de usuários conectados pela internet. Em 2016, o país chegou a ser o segundo do mundo que mais utilizou o aplicativo de mensagens “WhatsApp”, o que demonstra que estamos conversando mais atrás de telas que frente a frente com outras pessoas.

Tal distinção entre solitude e solidão é de difícil estabelecimento porque, em casos como estes de vício nas mídias sociais, de fato aqueles que vivem com maior

10

BBC. Vício em celular chega a consultórios e já preocupa médicos no Brasil. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/brasil-41922087.> Último acesso em 20 ago 2018.

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24 intensidade no mundo virtual sentem prazer no isolamento físico dos demais, o que seria uma vertente de solitude. Entretanto, este mesmo isolamento não é completo, pois há a necessidade de, neste mundo tecnológico, estabelecer laços e conexões, o que seria, no mesmo ritmo, uma forma de fugir da solidão e interagir com os demais.

Em critérios dualistas, para que se promova a efetiva separação entre o que é solidão e o que é solitude, é necessário dizer que enquanto aquela é a sensação de isolamento ou isolamento propriamente dito, esta última seria o prazer do isolamento em quaisquer de suas formas, ainda que, em alguns episódios, este mesmo prazer não possa ser considerado um indicativo de felicidade por não ser um regozijo saudável, mas fruto do isolamento promovido também pelo advento das redes sociais.

A compreensão do sentimento de solidão, todavia, é bem mais simples que definir a felicidade. Enquanto alguns, nos questionários feitos acerca do nível de satisfação pessoal com a própria vida poderiam não saber responder, identificar o sentimento de solidão é bem mais fácil, visto que o grande expoente de conexão na vida humana, quando inexistente, é inconfundível.

Em janeiro do ano de 2018, uma iniciativa evidentemente inusitada, porém precisa, deu ao Reino Unido o pioneirismo do combate estatal da solidão. A BBC11 veiculou a histórica criação do Ministério da Solidão, resultado da luta incessante da parlamentar Jo Cox, do Partido Trabalhista. Ela enxergou à frente de seu tempo a epidemia de solidão no Reino Unido que, com uma população de 64,65 milhões de habitantes, conta com 9 milhões de pessoas que se dizem constante ou absolutamente sozinhas. Esse número representa 13,92% dos constituintes, alcançando alarmante expressividade.

Fatores como clima, economia, empregabilidade, vida social, dentre outros, influenciam diretamente, por exemplo, em uma das causas mais complexas da vida humana: o suicídio. No Reino Unido, em 2013, observou-se o acréscimo de 6.223,4% na taxa de suicídios, sendo que, quando se divide os episódios por gênero,

11

BBC. Reino Unido nomeia secretária para combater a solidão. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-42724200>. Último acesso em 21 ago 2018.

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25 78% dos suicidas eram homens, em sua maioria do Norte da Inglaterra, uma das regiões mais afetadas pelos rebotes da recessão de 200812.

Ironicamente, em janeiro de 2016, quando se vivia o início do grande debate sobre a partida ou permanência do Reino Unido na União Europeia, Jo Cox, que via com cautela a necessidade de refletir a imigração, fator preponderante pelo qual o chamado “Brexit” (Britânia sai) acabou por prevalecer, foi brutalmente assassinada por um extremista de direita pelo qual indiretamente ela lutava.

Thomas Mair, o acusado por desferir contra Jo os disparos de arma de fogo que a mataram, era descrito por seus vizinhos como uma pessoa solitária, que vivia na única companhia de uma avó, à época do ocorrido já falecida. Em uma reportagem de 2010 de um jornal local, Thomas apareceu como participante de um programa voltado a pessoas com problemas mentais, o que estabelece um liame curioso entre sua vida solitária, seus distúrbios mentais e o extremismo político que o levou a um ato brutal.

Embora não se possa afirmar que a solidão e sua enfermidade mental eram expoentes do radicalismo ideológico por trás do assassinato, é fato que os transtornos da mente se agravam em estado de abandono ou desconexão social, segundo o ensaio Universidade, solidão e saúde mental13, produzido pelo Doutor Ernesto Venturini e Doutora Maria Stella Brandão Goulart. O conteúdo, publicado pela Revista de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais, aponta a solidão como um fator de risco à saúde mental no âmbito da relação e processos universitários.

Mais além, a pesquisadora Michelle Lim, do Centro de Pesquisa Psicológica e Cerebral da Universidade de Swinburne, acredita que a solidão possa não apenas agravar, mas desenvolver desordens no campo da mente, como ansiedade social,

12 EXAME. Economia fraca tem causado alta de suicídios no Reino Unido. Disponível em: https://exame.abril.com.br/mundo/crise-economica-tem-causado-alta-de-suicidios-no-reino-unido/>. Último aceso em 21 ago 2018.

13

VENTURINI, Ernesto; GOULART, Maria Stella Brandão. Universidade, solidão e saúde mental.

Interfaces, Revista de Extensão da UFMG, 2016. Disponível em: https://www.ufmg.br/proex/revistainterfaces/index.php/IREXT/article/view/221/pdf>. Último acesso em 21 ago 2018.

(26)

26

depressão e paranoia14. O estudo mencionado é um dos grandes sinalizadores dos riscos

à saúde mental relacionados diretamente a este sentimento.

Corroborando a ligação entre solidão e insanidade, o Dr. Risdon Slate15, Ph.d em Criminologia da “Florida Southern College”, resolveu estudar os reflexos dos isolamentos forçados nas prisões de máxima segurança nos Estados Unidos. Constatou o agravamento das desordens mentais nos detentos que já demonstravam os sintomas e, ainda, o surgimento de desordens semelhantes naqueles que eram completamente saudáveis no aspecto psicológico.

As correlações e consequências da solidão não são exauríveis e numeráveis, sendo algumas mais conhecidas, como a depressão e o suicídio, e inúmeras outras não descobertas. Logo, é impossível esgotar todas as associações negativas ao tema. Contudo, o presente capítulo se propõe demonstrar, através de pesquisas especializadas e dados estatísticos, as formas através das quais um sentimento, subjetivo e individual, pode transcender a vida privada e comprometer a vida social, não individual.

Por fim, é mister dizer que ainda não é muito claro exatamente por meio de quais soluções o recém instituído Ministério da Solidão irá contornar uma mazela social de propagação tão silenciosa e epidêmica. Com a morte de Jo Cox, que deu voz a milhões de constituintes até então invisíveis, a Primeira Ministra Teresa May entendeu a solidão como problema de Estado para enfrentar aquilo que, em suas palavras, seria a triste realidade moderna16. Recaiu sobre a jovem política Tracey Crouch, membro do Partido Conservador, uma das missões mais complexas do século XXI, e a despeito de todas as incertezas que gravitam sobre a problemática, a postura proativa estatal pode redefinir o futuro das próximas gerações nas terras da rainha.

14 LIM, Michelle H. Loneliness is a health issue, and needs targeted solutions. The Conversation Media Group, 2018. Disponível em: <https://researchbank.swinburne.edu.au/items/f736170f-c622-4c90-bb42-f9b4079d4989/1/>. Último acesso em 21 ago 2018.

15 SLATE, Risdon N. From the Jailhouse to Capitol Hill: Impacting Mental Health Court Legislation and

Defining What Constitutes a Mental Health Court. Sage Journals, 2003, vol. 49. Disponível em: < http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/0011128702239233>. Último acesso em 23 ago 2018. 16 HUFFPOST BRASIL. Por que os britânicos tiveram que criam um Ministério da Solidão? Disponível em: https://www.huffpostbrasil.com/2018/01/18/por-que-os-britanicos-tiveram-que-criar-um-ministerio-da-solidao_a_23337387/>. Último acesso em 23 ago 2018.

(27)

27 3. O DIREITO À FELICIDADE

3.1 A felicidade e o direito: uma análise sobre as dimensões e a necessidade de ser feliz

Atualmente, utilizando-se o sistema de consulta ao jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça para rastrear os termos “direito à felicidade”, contabiliza-se 12 respostas. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, são 15 acórdãos responsivos aos termos direito e felicidade, sendo alguns deles pertinentes ao instituto em si, em questões polêmicas onde serviu de bússola à máxima corte judicial brasileira. Os dados dispostos servem para demonstrar o direito à felicidade como uma realidade jurídica brasileira, vez que os tribunais superiores promanaram decisões nele fundamentas ou, ao menos, com menção à sua aplicação para orientação que serviu para elucidar os litígios relacionados.

O senador Cristovam Buarque formulou uma PEC17 – Proposta de Emenda à Constituição, à qual fora atribuído o número 19/2010, com objetivo de promoção da alteração na redação do art. 6º da Constituição Federal, onde deveria ser incluído o direito à busca pela felicidade pelo indivíduo e pela sociedade, mediante a dotação pelo Estado e pela própria sociedade das adequadas condições de exercício desse direito. Ao contrário das considerações acerca do status de direito fundamental atribuído em outras partes do mundo, a PEC tinha por escopo o enquadramento da felicidade como um direito social. O resultado foi o arquivamento da matéria ao final da 54ª Legislatura, nos termos do art. 332 do Regimento Interno e do Ato da Mesa nº 2, de 2014.

Por força da resolução número 65/309, a Organização das Nações Unidas, em julho de 2011, por meio de sua Assembleia Geral, impulsionou, à unanimidade de membros, a felicidade como verdadeira expressão da qualidade de vida e desenvolvimento humano. O episódio teve como gatilho o Reinado de Butão, que adotou, como índice nacional, não o tradicional Produto Interno Bruto, mas a Felicidade Interna Bruta.

17

Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/97622.> Último acesso em 31 ago 2018.

(28)

28 A mudança radical citada acima, publicada pelo portal de notícias UOL18, reflete o cerne da questão Estado x felicidade, incutindo parte da responsabilidade pela promoção do bem-estar emocional, também, à personalidade de natureza jurídica representada pela soberania nacional. O direito à felicidade, à busca pela felicidade ou, ainda, princípio da felicidade, é um dos desdobramentos dos direitos humanos, diretamente encrustado à dignidade, que confere a prerrogativa individual e também coletiva de perscrutar um objetivo comum à história documentada do ser humano: de ser feliz.

O que seria, então, exatamente, este instituto que alcança a esfera abstrata do desejo humano, tão complexa e única face aos fatores pessoais e sociais presentes no meio onde está inserido?

Como dispõe em sua tese de doutorado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo o autor Saul Tourinho Leal19, o direito à felicidade tem lugar cativo na história global há considerável espaço de tempo. A Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) e as constituições do Japão (1947), Coréia do Sul (1948), França (1958), e do Reino do Butão (2008) já reconheciam a felicidade ou a busca por ela como um direito humano fundamental.

Para contextualizar o status atribuído à felicidade por estes países, é necessário discorrer, ainda que brevemente, sobre as gerações de direitos humanos e o que cada uma delas significou, em diferentes épocas, para as perspectivas da humanidade. Como de amplo conhecimento aos estudiosos do direito, a primeira geração destas prerrogativas resultou principalmente da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, bem como da Constituição americana de 1787, após confronto entre os administrados e governantes. A mola propulsora foi o Estado absolutista, que sufocava direitos e garantias individuais da população.

Estas, todavia, não são as únicas fontes que serviram de inspiração aos direitos humanos de primeira geração, que tratam de garantir liberdades e seguranças individuais. Servem de imposição de uma conduta negativa ao Estado, que deve se

18 UOL. ONU reconhece busca pela felicidade como objetivo fundamental. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2011/07/19/onu-reconhece-busca-pela-felicidade-como-objetivo-fundamental.jhtm.> Último acesso em 29 ago 2018.

19 LEAL, Saul Tourinho. Direito à felicidade: história, teoria, positivação e jurisdição. Biblioteca Digital da Pontifícia Universidade Católica. 2013, p. 138. Disponível em: < https://tede2.pucsp.br/handle/handle/6202>. Último acesso em 30 ago 2018.

(29)

29 abster de atuar naquilo que tange certos aspectos das liberdades pessoais. Como dispõe Celso Lafer20, na obra “A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt”:

“Os direitos humanos da Declaração de Virgínia e da Declaração Francesa de 1789 são neste sentido, direitos humanos de primeira geração, que se baseiam numa clara demarcação entre Estado e não Estado, fundamentada no contratualismo de inspiração individualista. São vistos como direitos inerentes ao indivíduo e tidos como direitos naturais, uma vez que precedem o contrato social. Por isso, são direitos individuais: (I) quanto ao modo de exercício – é individualmente que se afirma, por exemplo, a liberdade de opinião; (II) quanto ao sujeito passivo do direito – pois o titular do direito individual pode afirmá-lo em relação a todos os demais indivíduos, já que esses direitos têm como limite o reconhecimento do direito de outro [...]”

Os Direitos humanos de segunda geração surgiram quando diversas liberdades individuais encontravam-se consagradas. Neste momento, em que as necessidades de piso se achavam satisfeitas, era necessária, também, a garantia de direitos sociais capazes de potencializar a disposição destas mesmas liberdades para que as pessoas pudessem existir no âmbito social. Se, no primeiro momento, cobrou-se do Estado uma não ação, agora era exigida uma prestação positiva. Estes direitos, ditos sociais ou prestacionais, objetivavam uma efetiva garantia, que marcou a transição entre os constitucionalismos liberal e social. São direitos de segunda geração, portanto, dentre outros, o trabalho, a saúde e a educação. Sua positivação, de acordo com Lafer, na mesma obra supracitada, materializou-se nas Constituições francesas liberais de 1791 e 1973, com ampliação e reafirmação pela Constituição francesa de 1948.

Na terceira geração, logo após o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, as atrocidades testemunhadas em um dos períodos mais conturbados da história gestaram uma nova necessidade urgente, que seriam medidas assecuratórias da promoção do equilíbrio nas relações humanas. Também conhecidos como direitos de solidariedade ou fraternidade, caracterizam-se pela titularidade coletiva ou difusa. Observe-se que, ao contrário das gerações anteriores, onde o indivíduo buscava do ente estatal uma omissão ou ação voltadas à individualidade, aqui os esforços se concentram para o conjunto destes indivíduos, ultrapassando, assim, a esfera particular de suas necessidades.

Seu período de reconhecimento e positivação tem como marco o processo de internacionalização dos direitos humanos. Na lição de Ingo Wolfgang Sarlet21:

20

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 126.

(30)

30 “[...] trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. […] Dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão consensualmente mais citados, cumpre referir os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação. Cuida-se na verdade do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais.”

Durante muito tempo, tratou-se como o total de três estas ondas de direitos do homem, que eram reflexos do momento social vivido, por isso conhecidos como geracionais. Não há pacificação do tema na doutrina sobre o reconhecimento e aplicação prática da quarta geração. Contudo, aqueles que defendem sua existência a relacionam com o progresso científico vivenciado a partir da revolução tecnológica. Estariam aqui compreendidos temas polêmicos como eutanásia, transgenia de alimentos, sucessão de filhos havidos por inseminação artificial, clonagens e outros desdobramentos da engenharia genética que modificam bens da vida humana que o direito se propõe a tutelar.

São salvaguardas de proteção jurídica com vistas a proteger a integridade do patrimônio genético perante ameaças ligadas ao avanço da biotecnologia. Vale dizer que, embora o dissenso doutrinário predomine quanto a esta quarta ascensão de direitos, alguns dos objetos associados a ela já encontram respaldo legal por força do diploma nº 11.105/2005, intitulada Lei de Biossegurança. É um fato de curiosa observação, já que, diante da ausência de consenso sobre a matéria, observa-se um movimento oposto ao dos demais, onde a normatização talvez preceda a existência ideológica do direito, que seria ratificada pelo pacifismo jurídico ainda não alcançado. Ou seja: quando ou se chegar à unanimidade doutrinaria ou majoritária, a questão já estará parcialmente positivada no ordenamento jurídico.

Em outra banda, também existe polêmica discussão entre aqueles que defendem a quarta dimensão. Há entendimento contrário ao conteúdo juridicamente tutelado, sendo que parte dos doutrinadores afirma serem de quarta dimensão os direitos

21 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Livraria do Advogado, 1998, pp. 50-51.

(31)

31 relacionados ao processo de globalização e ao futuro da cidadania, como forma de legitimar a mundialização política e universalizar os direitos fundamentais cujo reconhecimento já fora pacificado.

O autor Pedro Lenza, no célebre “Direito constitucional esquematizado”, enquadra a possibilidade de promoção da mudança de sexo como parte dos direitos de quarta geração, pois, em sua ótica, não configura pretensão de uma mera liberdade individual, mas uma nova fase de reconhecimento de direitos fundamentais já consagrados. Por fim, o desarmamento nuclear, a tributação justa materializada na capacidade contributiva individualizada e o direito de ser diferente são outros vértices importantes no debate, e que, talvez, servirão de fomento intelectual a futuras discussões até que se defina de forma mais organizada esta caracterização.

Há, ainda, menção às quinta, sexta e sétima dimensões de direitos fundamentais do homem. Todavia, para que se mantenha sob perspectiva o tópico central do qual o capítulo pretende tratar, é necessário protagonizar o direito à felicidade em si e como foi alçado ao status de garantia fundamental em diversas partes do mundo.

“A sétima dimensão dos direitos fundamentais”, trabalho publicado na sexta edição da revista jurídica digital “Data Venia”, produzido por Leonardo Alves de Oliveira22, constitui um dos apontamentos que aloca o direito à felicidade ou à busca pela felicidade como inserido na penúltima geração de direitos fundamentais, definindo:

“[...] seria esta a finalidade precípua da natureza humana, bem supremo que a qualquer pessoa deseja e persegue, como modo de satisfação da própria dignidade da pessoa humana”.

Esta perspectiva que reconhece a felicidade como razão de ser do homem é particularmente interessante porque se coaduna com ideias filosóficas e psicanalíticas consagradas. Foi dissecado, a princípio, que a definição de felicidade percorreu um trajeto longo e complexo e que, ainda que se tenha parâmetros atuais mais abrangentes que os anteriores, não é possível dizer se serão definitivos, impassíveis de aperfeiçoamentos ou transformações.

22 OLIVEIRA, Leonardo Alves de. A sétima geração de direitos fundamentais. Revista Jurídica Data Venia, ano 4, nº 06. 2016, p. 407. Disponível em: < http://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao06/datavenia06_p395-418.pdf>. Último acesso em 29 ago 2018.

(32)

32 Nesta definição, a felicidade, que é definitivamente uma forma de prazer, não seria, necessariamente, antônimo de desprazer, visto que eventos como a morte anunciada não significaria obrigatoriamente sua anulação. Se é possível ser feliz apesar de algumas formas de dor (desprazer), e se é possível compreender a felicidade como um prazer perseguido pelo homem, é possível, ainda, dizer que o prazer seria a órbita pela qual nossas ações gravitam.

Foi afirmado que a felicidade, muito provavelmente, é o fim precípuo da existência humana. Uma teoria inusitada, entretanto, pode abrir novos horizontes sobre a forma como ela é vista e perseguida. De acordo com o biólogo inglês Jonathan Balcombe23, em sua publicação “The exultant ark – a pictorial tour of animal pleasure”, não somos os únicos seres capazes de perceber sensações prazerosas. Momentos simples como sentir a brisa, abraçar membros do mesmo grupo ou a socialização podem provocar no cérebro de alguns nomes da vida selvagem sensações semelhantes às nossas. É um levantamento de possibilidades verdadeiramente intrigante, vez que seres humanos podem sentir prazer ou felicidade exatamente a partir dos mesmos estímulos.

A relevância de trazer a informação de que não se exclui uma possibilidade, ainda que distante, de os animais sentirem-se felizes ou buscar isto é autoexplicativa: põe a felicidade, talvez, como razão da vida em si, não apenas a humana, o que explica quão imensurável é este sentimento. A tese tem o fito de revolucionar o modo como enxergamos os animais para refrear maus-tratos e abusos perpetrados contra seres sencientes. É notadamente perspicaz a correlação entre a descoberta do biólogo com o objeto deste estudo: ainda que não se trate com termos léxicos correspondentes e exatos, os estudiosos de biologia que se aprofundam por este campo de pesquisa, podem estar, na verdade, a defender o direito à felicidade animal.

Partindo da premissa de que a felicidade pode ser um fim em si mesmo, uma necessidade intrínseca ou, ainda, a maximização do bem-estar pessoal e social, da dignidade da pessoa humana e, talvez, de seres não humanos, expoente máximo da paz social, relacionada à cultura, ao pluralismo político, religioso e filosófico etc, torna-se inviável atribuir-lhe uma dimensão apenas. Ora, sendo o máximo objetivo da vida do homem, é o que justifica, reitera e norteia suas ações e desejos. Razoável seria, portanto,

23 ÉPOCA. Os bichos são felizes? Disponível em: <

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI259009-15257,00.html>. Último acesso em 31 ago 2018.

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