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A formação crítico-colaborativa de professores

CAPÍTULO 3 – TEORIA DA ATIVIDADE SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAL E A FORMAÇÃO EM

3.3. Formação de Professores

3.3.2. A formação crítico-colaborativa de professores

Antes de discutir a perspectiva de educação de professores adotada nesta pesquisa a formação crítica – é necessário distinguir os três tipos de reflexão comumente utilizados em atividades de educação contínua: reflexão técnica, reflexão prática e reflexão crítica (Van Manen, 1977, apud Liberali, 2008).

A reflexão técnica, muito comum nas décadas de 1970 e 80, mas que permanece até os dias atuais, é utilizada para designar um tipo de formação de professores cujo foco está

nas prescrições teóricas e técnicas que determinam como a prática tem que ser. Nesses contextos, as ações do professor são avaliadas segundo parâmetros pré-estabelecidos como necessários para alcançar os objetivos desejados, ou seja, formar um bom profissional através do trabalho com a teoria. Nessa perspectiva, o professor é caracterizado como um técnico que aplica as regras criadas por pesquisadores e teóricos. Como aponta Pérez Gómez (1992: 96), segundo esta abordagem de formação de educadores, “para serem eficazes, os profissionais da área de ciências sociais devem enfrentar os problemas concretos que encontram na prática, aplicando princípios gerais e conhecimentos científicos derivados da investigação”.

Numa perspectiva diferente, a reflexão prática enfatiza a reflexão dos professores em relação às suas práticas em sala de aula, sem supervalorizar as teorias sobre ensino- aprendizagem. O foco está na prática e a teoria fica em segundo plano. Destaca-se nesta abordagem o trabalho de Schön (1983, 1987, 1992), que, retomando as discussões de Dewey sobre reflexão, propõe um projeto de formação reflexiva de professores. Nessa visão, o ensino é compreendido como uma forma de investigação e experimentação, processo que propicia ao professor a capacidade de prestar atenção na sua aula e, principalmente, no seu aluno, observando o grau de compreensão e de dificuldade de cada um. Este processo é chamado de reflexão-na-ação. Nas palavras do autor,

existe, primeiramente, um momento de surpresa: um professor reflexivo permite-se surpreendido pelo que o aluno faz. Num segundo momento, reflecte sobre esse fato, ou seja, pensa sobre aquilo que o aluno disse ou fez e, simultaneamente, procura compreender a razão por que foi surpreendido. Depois, num terceiro momento, reformula o problema suscitado pela situação; talvez o aluno não seja de aprendizagem lenta, mas, pelo contrário, seja exímio no cumprimento das instruções. Num quarto momento, efectua uma experiência para testar a sua nova hipótese; por exemplo, coloca uma nova questão ou estabelece uma nova tarefa para testar a hipótese que formulou sobre o modo de pensar de aluno (Schön, 1992: 83).

Além do processo de reflexão-na-ação, Schön aponta que o professor pode ainda pensar, depois da aula, sobre o que aconteceu, o que observou, que significado que lhe deu e sobre a eventual adoção de outros sentidos, ou seja, o professor pode refletir sobre a reflexão-na-ação.

Em resumo, a formação de professores com base na prática reflexiva surge como alternativa à relação linear e simplista entre o conhecimento científico-técnico e a prática na sala de aula. Para Pérez Gómez (1992: 102), nesta abordagem

parte-se da análise das práticas dos professores quando enfrentam problemas complexos da vida escolar, para a compreensão do modo como utilizam o conhecimento científico, como resolvem situações incertas e desconhecidas, como elaboram e modificam rotinas, como experimentam hipóteses de trabalho, como utilizam técnicas e instrumentos conhecidos e como recriam estratégias e inventam procedimentos e recursos.

A reflexão crítica, baseada na pedagogia crítica proposta por Freire (1970), utiliza elementos tanto da reflexão técnica quanto da reflexão prática, mas diferencia-se das duas por seu caráter social: seu foco está na problematização de questões fundamentais da “vida que se vive” (Marx e Engels, 1945-46), ou seja, não apenas em questões sobre o contexto escolar mas também sobre a sociedade como um todo. Em outras palavras, a reflexão crítica não está submetida às teorias formais, nem tampouco é refém das práticas dos professores, pois há um entrelaçamento entre teoria e prática para que seja possível compreender melhor a realidade. Pautados por esta perspectiva, muitos autores (cf. Kemmis, 1987; Pérez Gómez, 1992; Smyth, 1992; Kincheloe, 1993; Giroux, 1997; Liberali, 1999, 2003, 2004, 2009a; Magalhães, 2004, 2009, 2010; Celani, 2003) se envolveram em projetos cujo desafio está em pensar a educação e a formação de educadores como um processo reflexivo crítico.

Enquanto na reflexão técnica e na reflexão prática o foco se concentra no microcontexto, ou seja, na escola, a reflexão crítica projeta-se sobre o macrocontexto, na sociedade mais ampla. Isto quer dizer que neste paradigma, professores e alunos são encorajados a refletir sobre uma questão em sua totalidade e não de forma fragmentada como se estudava até então. Nas palavras de Giroux (1997: 85), “o conhecimento deveria desempenhar um papel emancipador ao proporcionar aos estudantes uma unidade, lógica e sentido de direção que lhes permita considerar todas as implicações do que lhes é ensinado, dentro ou fora da escola”.

Outro princípio da reflexão crítica é possibilitar que os alunos tenham consciência crítica e política, que sejam capazes de olhar além da sua própria vida para compreender as bases políticas, sociais e econômicas da sociedade como um todo. (Giroux, 1997: 87).

Entretanto, um profissional crítico não pode apenas compreender a realidade, ele deve ir além, transformando-a.

No contexto de formação, é necessário instrumentalizar o formador (coordenadores, pesquisadores, professores) para que o processo reflexivo seja concretizado de fato. Segundo Smyth (1992: 295), para os professores transformarem o contexto em que estão inseridos, é necessário que o contexto de formação propicie que eles se apropriem do processo reflexivo, que se organiza por meio de quatro modos de ação relacionados a perguntas quanto à compreensão de suas práticas didáticas, do que significam e sobre o tipo de aluno que está em constituição. Esse processo está apoiado no trabalho de Paulo Freire (1970) e melhor discutido por Smyth por meio de ações relacionadas a perguntas: 1) descrever – O que eu faço?; 2) informar – O que isso significa?; 3) confrontar – Que efeito essa ação tem para o aluno? A que interesse serve essa ação?; e 4) reconstruir – Como eu posso fazer as coisas de forma diferente?

Esse processo está relacionado à organização da linguagem nos contextos de formação. Discuto, a seguir, o conceito de linguagem adotado nesta pesquisa.