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A relação entre a Linguística Aplicada e a Formação de

CAPÍTULO 3 – TEORIA DA ATIVIDADE SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAL E A FORMAÇÃO EM

3.3. Formação de Professores

3.3.1. A relação entre a Linguística Aplicada e a Formação de

No período final dos anos 1980 e na década de 1990, linguistas aplicados começaram a questionar os paradigmas de pesquisa centrados em modelos positivistas que

tendem a considerar a sociedade e a cognição como as únicas áreas que permitem a pesquisa objetiva, focalizando, por um lado, o indivíduo em isolamento cognitivo ou em comunidades de falas ideais, e, por outro lado, deixando de reconhecer que tanto a cultura – como um sistema de significação primária pelo qual fazemos sentido do mundo – quanto a aprendizagem de língua ocorrem dentro das relações de poder (Pennycook, 1990/1998: 28).

Até então, no contexto de sala de aula, o pesquisador tinha como objetivo observar de forma imparcial o comportamento e as ações de professores e alunos. Segundo Moita Lopes (1996: 87), esse tipo de pesquisa já foi muito criticado, principalmente por trabalhar com categorias preexistentes à própria investigação. Ao invés de controlar as variáveis de sala de aula, as pesquisas buscam, agora, observar o que acontece dentro e fora da sala de aula. Em outras palavras, a Linguística Aplicada passou a investigar as relações humanas e os problemas do mundo, não apenas dentro do meio de ensino-aprendizagem, mas também fora dele.

Fabrício (2006: 61) defende uma Linguística Aplicada

que se constitui como prática problematizadora envolvida em contínuo questionamento das premissas que norteiam nosso modo de vida; que percebe a linguagem como questões políticas; que não tem pretensões a respostas definitivas e universais, por compreender que elas significam a imobilização do pensamento; que tem clara postura epistemológica, entendendo que a produção de conhecimentos não é neutra, pois se encontra entretecida a um domínio de práticas sócio-historicamente situadas, podendo apenas ser aplicada ao contexto da situação sob investigação.

Essas discussões têm apontado cada vez mais para uma Linguística Aplicada Crítica, preocupada com o social, em que os pesquisadores têm como objetivo mudar não apenas o outro, mas também a si próprio. Para Rajagopalan (2003: 126), a Linguística Aplicada Crítica surge da conscientização dos linguistas aplicados de que trabalhar com a linguagem significa necessariamente intervir na realidade social da qual ela faz parte, pois, para ele, a linguagem é uma prática social.

Na mesma direção, Pennycook acredita que a Linguística Aplicada deve romper com os modos de investigação que sejam apolíticos e a-históricos e enfatiza ainda que é necessário conceber a linguagem como essencial para mudar o modo como vivemos e compreendemos os mundo. Segundo o autor,

ao adotar uma concepção de discurso como um conjunto de sinais e práticas que organizam a existência e a (re)produção sociais, podemos conceber a linguagem como fundamental tanto para manter quanto para mudar a maneira como vivemos e compreendemos o mundo e nós mesmos (Pennycook, 1990/1998: 46).

Em resumo, a linguagem tem um papel central nos estudos realizados dentro da Linguística Aplicada. Um outro aspecto importante da Linguística Aplicada é sua natureza interdisciplinar e mediadora, ou seja, como afirma Moita Lopes (1996: 20),

a Linguística Aplicada tem como uma das suas tarefas no percurso de uma investigação mediar entre o conhecimento teórico advindo de várias disciplinas (por exemplo, psicologia, educação, linguística etc.) e o problema de uso da linguagem que pretende investigar.

O termo “Linguística Aplicada Interdisciplinar” reflete a necessidade de se enfatizar o intercâmbio entre diversas disciplinas a fim de se encontrar uma solução para um determinado problema. Entretanto, as disciplinas encontram-se separadas, cada uma dentro do seu próprio universo de pesquisa. Partindo desse questionamento, Celani (1998) utiliza o termo “transdisciplinar” para definir uma Linguística Aplicada preocupada com a construção de conhecimento através da articulação das diversas áreas de pesquisa. O objetivo é buscar a participação ativa de pesquisadores de diversas áreas a fim de se encontrar uma solução para problemas a serem enfrentados por nossa sociedade. Para Celani (1998: 133),

a Linguística Aplicada parece ter vocação para uma atitude transdisciplinar. Essa preocupação com o social, com o humano, há tempos tem sido objeto de pesquisas em Linguística Aplicada e, de fato, é componente fundamental na definição da disciplina.

Para que haja de fato um engajamento com as questões sociais contemporâneas, é necessário que teoria e prática sejam consideradas em conjunto. De acordo com Rajagopalan (2006: 159),

uma teoria capaz de instruir a prática é teoria feita levando-se em conta as condições práticas das situações concretas em que se espera a teoria seja aproveitada. Uma teoria que considera o social como questão secundária jamais terá êxito num campo de prática que seja, antes de mais nada, social.

Nesse sentido, considerar a formação de professores a partir da LA significa ter como foco um trabalho teórico-prático, que possibilite a criação de uma base para compreender e transformar as práticas vigentes na escola. Para que as transformações ocorram de fato, é necessário desenvolver instrumentos para tal. Nas palavras de Liberali (2006), a responsabilidade dos linguistas aplicados seria “pensar a educação de educadores utilizando a linguagem com foco na formação de sujeitos como seres transformativos que podem tornar-se seres dialógicos. No sentido freiriano, com possibilidades de dialogar com seus semelhantes”. Em resumo, a perspectiva de formação de professores no quadro da LA pressupõe a visão de que é necessário, através da linguagem, compreender e transformar as práticas escolares que não levam em conta a formação do aluno como cidadão, ou seja, que desconsideram o contexto de injustiça em que alunos e professores estão inseridos.