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No mesmo período em que os patrões realizam seu IV Congresso, em 1977, o IV CONCLAP, IV Congresso das Classes Produtoras –, os trabalhadores manifestam o interesse de realizar um Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT). A oportunidade para realizar tal articulação ocorre em

1978, no V Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI). A união de ativistas sindicais contra o presidente da entidade, na ocasião Ary Campista, foi um ensaio de unidade e mobilização dos dirigentes sindicais mais ativos contra as lideranças acomodadas no interior das entidades e da estrutura sindical. Este ensaio de união permitiu a este grupo constituir uma identidade política própria, passando a intitular-se Sindicalistas Autênticos. Deste grupo faziam parte várias lideranças que se organizarão posteriormente para criar a CUT, entre eles Luiz Inácio Lula da Silva, além de sindicalistas ligados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB)118 (SOUZA, 2002; COSTA, 1994).

A CUT nasceu, portanto, da associação de diversas forças com tradições sindicais distintas – setores da esquerda tradicional, pastoral operária, sindicalistas independentes, oposições sindicais – que tinham como objetivo a construção de um sindicalismo autônomo, em oposição ao atrelamento das entidades sindicais às estruturas do Estado, e uma prática sindical contrária ainda às diretorias consideradas ―pelegas‖, ou seja, um sindicalismo que defendia a liberdade e autonomia sindical, além de amplo direito de greve. Desta forma, o sindicalismo cutista surge rejeitando as formas de conciliação de classe, defendendo, especialmente durante o período de sua formação e ao longo da década de 1980, uma ação sindical mais combativa, conflitiva nos embates dos trabalhadores com governos e patrões. Em outras palavras, as lideranças

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Os sindicalistas com ligações partidárias com o PCB articulavam -s e em torno da corrente Unidade Sindical. Esta corrente ―é hegemonizada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), e é produto de uma ampla composição entre segment os de esquerda, em minoria numérica, e setores apelegados [sic]‖ (COSTA, 1994, p. 39). Além do MR -8, setores sindicais ligados ao PMDB integravam esta corrente. A Unidade Sindic al incluía, ao mesmo tempo, sindicalistas articulados em torno da Corrente Sindical Classista (CSC), ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

sindicais desejam ter reconhecida sua autonomia e direitos políticos de organização.

Essa associação parte de uma concepção de unidade que inclusive estará presente no próprio nome da central, cujo conteúdo político-ideológico é o seguinte: ―a idéia de única, ficou no nome da Central, vem da concepção reinante

no movimento sindical que as formas de organização e representação dos trabalhadores tinham que expressar, sempre, a unidade inquebrantável da classe

(GIANNOTTI e LOPES NETO, 1991, p. 23).

Outra força política importante que contribuiu para a constituição da CUT é o agrupamento organizado em torno das oposições sindicais. A expressão mais fortemente articulada deste grupo girava em torno do Movimento da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (MOMSP). De acordo com Costa (1994), a primeira iniciativa para reunir a oposição sindical ocorreu no congresso da MOMSP, realizado em São Paulo, em 1979.119 A finalidade era reunir, organizar e mobilizar as diferentes forças de esquerda que atuavam no movimento sindical:

Os objetivos dessa articulação eram basicamente de caráter sindical, contentando-se quase que exclusivamente com proclamações de combate ao peleguismo e à luta contra a estrutura sindical oficial. Propunha-se a não respeitar e a não se submeter à legislação oficial e corporativista que atrela o sindicato ao Estado (COSTA, 1994, p. 42).

Antes da criação da CUT, a Associação Nacional dos Movimentos

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Nos dias 10 e 11 de agosto de 1980, ocorre o E ncontro Nacional das Oposições Sindicais (ENOS): ―os participantes são, majoritariamente, ligados a organizações de esquerda autodenominadas não-reformistas e a setores da igreja vinculados ao chamado ‗trabalho de base‘― (COS TA, 1994, p. 42).

Populares e Sindicais (ANAMPOS) realizou quatro congressos nacionais entre 1980 – Encontro de Monlevade, realizado em fevereiro de 1980 – e 1982, Encontro de Goiânia. No primeiro encontro, é aprovado o Documento de Monlevade, no qual são estabelecidas suas principais orientações: luta pela democratização da estrutura sindical, seguindo o que rege a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho, mas resguardando o princípio da unidade sindical; o fim dos impedimentos jurídicos que restringem o pleno direito de greve, além de reivindicar a negociação direta entre trabalhadores e patrões, sem a mediação ou intervenção do Estado (COSTA, 1994). Esta corrente será a principal força quando da criação e consolidação da nova central.

As reivindicações mais imediatas e planos de luta eram as seguintes:

Pela estabilidade no emprego: - Contra o desemprego e a redução da jornada de trabalho com redução de salários; - Contra a política recessiva do governo e dos patrões; - Pela unidade dos trabalhadores da cidade e do campo; - Pela reforma agrária. - Pela realização da 1ª Conclat [(Conclamação para participação na 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora). CUT, 1981a, p.03]. Na esfera política, as reivindicações deste grupo giravam em torno da democratização do país, por meio da eleição direta para presidente, governador, senador, da instituição de uma Assembléia Constituinte que contemplasse os interesses e direitos dos trabalhadores, bem como a eliminação das leis de exceção.

Neste sentido, a luta sindical é, ao mesmo tempo, uma luta pelo reconhecimento dos trabalhadores como portadores de direitos sociais e políticos que pretendia transformar os parâmetros da cultura política nacional que se

estruturava sem sequer levar em conta as demandas dos segmentos organizados dos trabalhadores. As reivindicações sindicais concentravam-se, por sua vez, em torno do direito de greve sem limitações e da livre negociação entre trabalhadores e patrões, além da ―substituição do contrato individual pelo contrato coletivo‖ de trabalho (SOUZA, 2002, p. 133).

Vale ressaltar que na I CONCLAT (Confederação Nacional das Classes Trabalhadoras),120 realizada em 1981, estiveram reunidas, pela primeira e última vez, as diferentes forças, tendências e correntes do espectro político sindical brasileiro. O objetivo era unificar as diversas forças com a finalidade de criar uma entidade de luta e representação intersindical dos trabalhadores. Para atingir tal meta, foi definido como único ponto de pauta ―a convocação do I Congresso

Nacional das Classes Trabalhadoras (I CONCLAT), para agosto de 1982, e a eleição de uma comissão pró-CUT, que daria encaminhamento à organização desse I CONCLAT e à fundação da CUT‖ (SOUZA, 2002, p. 138).

As disputas e divergências acirradas entre as forças reunidas em torno da Unidade Sindical e ao redor da ANAMPOS propiciou o clima e a situação política que conduziu à ruptura da unidade do movimento até então construída. Ruptura que, por sua vez, se aprofundou ao longo das décadas de oitenta e noventa e adquiriu diversos contornos e significados que variavam de acordo com o teor político das ações a serem desenvolvidas em comum (por exemplo: greves,

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A 1ª CONCLA T reuniu 1091 entidades sindicais e 5036 delegados sindicais [(Resoluç ões da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora). CUT, 1981b].

eleições para presidente, Constituinte).121

Assim, mesmo com a divisão, como sublinhei acima, é fundada em agosto de 1983, em São Bernardo do Campo, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), congregando os dirigentes e ativistas sindicais identificados com a ANAMPOS. Esta agrupava em seu interior um espectro de forças, correntes, tendências122 que defendiam, de um modo geral, uma prática sindical independente da interferência estatal e mais atuante, isto é, contra a acomodação à estrutura sindical e pela sua democratização.123 Esta democratização deveria conferir não apenas o acesso mais amplo da classe trabalhadora às entidades e à estrutura sindical, mas especialmente ampliar os direitos de organização para todos os indivíduos, sobretudo, para os trabalhadores. Neste sentido, pode-se afirmar que o sindicalismo que se articula em torno da nascente central apresenta contornos claramente políticos, buscando fazer dos trabalhadores não apenas sujeitos passivos frente às mudanças políticas e econômicas experimentadas pela sociedade brasileira recente, mas sujeitos políticos atuantes com valores, demandas, propostas e, o mais importante, com poder político que deveria ser considerado em qualquer novo arranjo de forças: ―A única alternativa é a

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Houve acirrada disputa entre estas duas forças – ANAMPOS e Unidade Sindical – acerca da melhor data para realização do I CONCLA T. Iniciativas e manobras políticas foram planejadas e concretizadas com a finalidade de impedir o desenvolvimento dos trabalhos de realização do I CONCLA T que fundaria a CUT, particularmente, pelos ativistas sindicais identificados em torno da Unidade Sindical (COS TA, 1994; SOUZA, 2002).

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Tal c omo expressa essa síntese: ―A CUT nasceu, constituindo -se como leito natural das várias correntes, tendências, grupamentos e in dividualidades que atuavam no universo sindical mais combativo‖ (ANTUNES, 1991, p. 49).

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Na realidade, c omo argumentam B oito Jr. (1999) e Rodrigues (1997), a CUT buscou organizar- se no interior da estrutura sindical corporativa, pretendendo obter reformas de teor liberalizante de tal estrutura. Neste sentido, sua estratégia pautou -se por uma adaptação ativa a este aparelho.

participação ativa e organizada das grandes massas populares, através da construção da classe trabalhadora enquanto um sujeito político autônomo

[(Resoluções do 1 Congresso Nacional da CUT). CUT, 1984b, p.16 – Grifo JBS].

Os objetivos da nova central parecem claramente definidos na passagem a segui, aliás posição que reproduzirá em diversos documentos da central até hoje:

A CUT defende a unidade da classe trabalhadora e objetiva representá-la em nível nacional, com respeito absoluto pelas convicções políticas, ideológicas, filosóficas e religiosas. A CUT tem como tarefa avançar na unidade da classe trabalhadora e não na cooperação entre as classes sociais (exploradores e explorados), lutando por sua independência econômica, política e organizativa [(Resoluções do 1 Congresso Nacional da Classe Trabalhadora -1 Conclat). CUT, 1983, p. 15].124

Assim, a CUT surge com o objetivo de unificar os trabalhadores em nível nacional e rejeita, além disso, a conciliação de classe, tal como praticado por outras forças do movimento sindical – como, por exemplo, a Central Geral dos Trabalhadores (CGT). Portanto, a CUT aparece no cenário político e sindical brasileiro tendo clareza da necessidade de independência política e ideológica dos trabalhadores em relação ao Estado e aos patrões: ―A CUT terá como tarefa

garantir a independência da classe trabalhadora em relação aos patrões, ao governo, aos partidos políticos e aos credos religiosos. Esta independência deve ser tanto em nível nacional como em nível internacional‖ [(Resoluções do 1

Congresso Nacional da Classe Trabalhadora -1 Conclat). CUT, 1983, p.16].

Esta tarefa de unificação do movimento sindical que aparece no momento

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Estiveram presentes ao 1º CONCLA T: 5.059 delegados sindicais que representavam 912 entidades [(Resoluções do 1 Congresso Nacional da Classe Trabalhadora -1 Conclat). CUT, 1983].

de fundação da CUT deixará sua marca nas formas que a luta contra o reconhecimento denegado assume no seu interior, especialmente durante a década de 1980.

Com efeito, o medo pela fragmentação dos coletivos de trabalhadores e a tendência a reduzir as formas de opressão à determinação de classe informavam uma idéia de classe trabalhadora como totalidade homogênea, sem clivagens e contradições internas, e a crença segundo a qual a fragmentação implica necessariamente em fraqueza política, permitem compreender o se ntido que a luta anti-racista assume na CUT nesse momento. Por esse motivo, a conduta da CUT acerca do racismo, ao longo, não vai ultrapassar o caráter retórico, pois falar de racismo significava diferenças, clivagens que desestruturada a idéia de classe homogênea.

Desta forma, para atingir o objetivo e demonstrar a hipótese anunciada anteriormente, buscou-se oferecer a traços largos o contexto histórico – as disputas internas, as demandas políticas iniciais e os agrupamentos que se articularam para fundar a nova central, mesmo que de forma breve –, de emergência, no cenário político brasileiro, da classe trabalhadora como sujeito exigindo reconhecimento e produção-redistribuição - ao buscar combater a desigual distribuição de riqueza. Isso me possibilitará tornar patente que as clivagens no interior da classe não representa, necessariamente, perda de unidade e força política. Em outras palavras, significa questiona a idéia que homogeneidade implica mecanicamente força e unidade política.

Tendo esse quadro como referência, é possível evidenciar, como se verá a seguir, que as diversas demandas sindicais (anti-racistas, econômicas, políticas, antissexistas etc.) são, em realidade, resultado do longo processo de ascensão das lutas sociais durante a década de 1980, após décadas de tentativas de desmonte e desmobilização levada a efeito pela ditadura militar, a partir do Golpe de 1964.

Isso me permitirá sublinhar a forma que o reconhecimento denegado expresso pelo racismo foi tratada na principal entidade sindical surgida dos embates da classe trabalhadora na década de 80, considerando a configuração histórica particular em que ela surge e se desenvolve.

3.3.1 – Racismo e cidadania: o debate no interior da Central Única