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Não deixa de ser inusitado que na teoria do reconhecimento,

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Para uma recuperação e atualização do conceito de trabalho e sua cent ralidade na ontologia lukacsiana, bem como sua eficácia como ferramenta conceitual fundamental para o ent endimento da complexidade da sociedade contemporânea, ver: ANTUNES, 1999.

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Para uma crítica ao chamado paradigma do trabalho e do conceito de classe social, ver OFFE (1989); GORZ (1982).

especialmente, em Honneth (2003, 2003a) e Taylor (1993), como se disse, o tratamento dispensado ao conceito de classe social seja desprezado. Com efeito, existe a pretensão de construir uma teoria baseada na experiência social dos oprimidos, e a fundamentação social da teoria, o que a afastaria da pecha de - atribuída à segunda geração da teoria crítica, notadamente Adorno e Horkheimer – déficit sociológico, não conduz os teóricos do reconhecimento à formulação consistente daquele conceito. Nancy Fraser (2001), por exemplo, assinala que - mesmo preferindo uma concepção de classe social que incorpore os aspectos culturais, políticos e discursivos – ela não deixa de conceber a classe a partir da sua posição na estrutura política-econômica.32 Ora, tal concepção é, como reconhece a autora, claramente economicista. Nestes termos, a classe e a luta de classe se direcionam, predominantemente, para sanar injustiças redistribuitivas do que ações que busquem remediar o reconhecimento denegado. Disso depreende- se que, por exemplo, a consciência de classe deriva muito mais, ou tem como ponto de partida, da posição dos agentes nas relações de produção.33

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Em texto clássico Lukács, A consciência de classe, presente em seu famoso e polêmico ensaio

Hi stória e consciência de classe, define o que compreende por classe social: ― no espírito do

marxismo, a divis ão da sociedade em classes deve ser definida pelo seu lugar no processo de produção‖ (LUKÁCS, 2003, p. 133; ver ainda, LOWY, 1979; MÉSZAROS, 1993; NOBRE, 2001;

ANTUNES, 1996). Portant o, a concepção de classe enunciada por Fraser (2001) aproxima -se da formulaç ão defendida por Lukács.

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Poulantzas, por exemplo, tent a definir o que entende por relações s ociais ou, mais precisamente, a relaç ão delas com as estruturas do modo de produção. Para ele, a confusão entre relações de produção e relações sociais de produção levou o economicismo a reduzir a classe social à estrutura econômica. As relações de produção reportam -se às relações dos agent es da produção e, ao mesmo tempo, às combinações particulares deste agente -portadores com as condições matérias e técnicas do trabalho. Neste s entido, pode -se afirmar que as relações de produção referem -se à estrutura econômica, grosso modo, é possível dizer ainda que as relações de produç ão são a combinação particular entre os agentes -portadores e os meios de produção. Por seu turno, relações sociais de produção nada mais são que relações de classe, isto é, como os agentes-portadores da produção são distribuídos em classes sociais, especialmente, tais relações são o resultado da combinação particular dos agentes -port adores da produção, das c ondições

Especialmente em Fraser, a idéia de uma luta por redistribuição parece direcionar-se para o terreno do consumo. Em outros termos, não se discute e polemiza sobre a produção e a forma que esta assume na sociedade capitalista, caminho analítico, como apontei para Honneth, que negligencia a dimensão político-econômica. O argumento parece pressupor que a luta redistributiva deve se preocupar com a forma de divisão da riqueza e da renda, e não com a forma de produção. Por esse motivo, o modelo teórico parece sugerir que a transformação da produção como decorrência da luta por redistribuição silencia acerca das formas de opressão reproduzidas na dimensão político-econômica. A classe e a luta de classes, em sentido marxista, significa uma luta não apenas para repartir de nova forma o produto social, mas primordialmente para superar a forma de produzir vigente na sociedade e engendrar uma nova forma de produção. Isto talvez decorra da própria definição de classe social que Fraser adota, pois a identidade e a consciência constituídas nas lutas por redistribuição podem afetar todas as outras dimensões da luta de classes.

Tanto em Taylor e Honneth quanto em Fraser, nesta em menor medida do que naqueles, o diagnóstico da sociedade capitalista contemporânea prescinde do conceito de exploração. Nos dois primeiros autores isso sequer é mencionado, enquanto na segunda o conceito carece de tratamento teórico substantivo. Com efeito, como lembra de modo pertinente Miliban (1999), o relevo marxista sobre a extração da mais-valia é uma dimensão essencial nas sociedades capitalistas e isso não pode ser negligenciado, sob pena de se menosprezar um aspecto materiais e das técnicas de trabalho, o que nada mais são, estas últimas, que relações de produção (POULA NTZAS, 1977a; ver ainda, POULA NTZAS, 1975; 1977).

fundamental da vida social. Pois, a exploração nas sociedades capitalistas significa a apropriação da mais-valia e distribuição do produto excedente entre os indivíduos que os produtores não tem nenhum controle. Além do mais, a exploração é componente fundamental para pensar as classes sociais, ―mas é a

dominação que a torna possível‖. O relevo sobre a dominação serve de

fundamento para ―algo que está no cerne do pensamento de Marx, a necessidade

de criar uma sociedade verdadeira humana, onde são abolidas as relações de dominação e de coerção” (MILIBAND, 1999, p. 475).

É justamente esse contexto social que está fora do modelo de análise da teoria do reconhecimento, exploração e dominação, então, não recebem um tratamento teórico substantivo.

Neste particular, é, precisamente, outro o caminho analítico que procura trilhar Thompson (1981; 1987), pois para ele, a classe se estrutura a partir de uma complexa e contraditória dinâmica, no interior da qual atuam as instituições intra e extraclasse, seus valores e suas clivagens internas (gênero, raça, geração), e conformam um quadro em que a consciência e a identidade de classe não são constituídas de modo imediato da posição que cada sujeito social ocupa no processo produtivo. Neste sentido, a classe não é algo dado, ou seja, uma coletividade ou objetividade acabada; é, na maioria das vezes, produto de lutas e conflitos contra outras classes e no seu interior (THOMPSON, 1981; 1987; PRZEWORSKI, 1989). Isto implica que a classe, não só como categoria, mas como acontecimento histórico, resulta da ação de indivíduos (homens e mulheres; negros, brancos e amarelos; velhos e jovens), que ao vivenciarem experiências

comuns de classe, quer sejam partilhadas ou herdadas, constróem a identidade de seus interesses contra outra classe, o que implica agir contra outros indivíduos.

Como se sabe, a experiência de classe34 é, em grande parte, determinada pelas relações de produção nas quais estão inseridos os indivíduos. No entanto, a forma como essa experiência é trabalhada na consciência depende não só da posição que o sujeito ocupa no interior destas relações, mas depende, em boa medida, da consciência da necessidade histórica de atuar de acordo com os objetivos estratégicos desta classe (MESZÁROS, 1993).

Assim, a consciência de classe é, ao mesmo tempo, a forma como os indivíduos tratam estas experiências comuns em termos culturais, políticos e ideológicos; experiências estas que, por sua vez, estão “encarnadas em tradições,

sistemas de valores, idéias e formas institucionais‖ (THOMPSON, 1987, p.10).

Portanto, se a experiência de classe apresenta-se determinada, o mesmo não se pode afirmar acerca da consciência de classe (THOMPSON, 1987).

A recuperação desse dois autores e suas formulações sobre o trabalho e classe social já são suficientes para mostrar aquilo que talvez seja a principal insuficiência da teoria do reconhecimento de Honneth e Fraser (esta em menor medida, como mostrei): refiro-me à crítica da economia política, particularmente em um contexto de capitalismo mundializado, e isto não tem passado despercebido entre seus críticos:

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Para uma discussão mais aprofundada acerca da noção de experiência em Thompson, ver (SILVA, 2002).

ela [a teoria de Honneth] não me parece fornecer os elementos necessários para se compreender a sociedade contemporânea em toda sua complexidade, principalmente sua dimensão propriamente econômica. Além disso, sua valorização da categoria trabalho me parece problemática e leva-o a relacionar solidariedade com mérito (SILVA, 2005, p. 21).

Por esse motivo, parece pertinente a preocupação de Fraser (2001) em articular reconhecimento e redistribuição com as ressalvas que apontei acima. Ao sublinhar a noção de redistribuição no debate teórico, Fraser pode, ao menos, permitir a recuperação do conceito de classe e trabalho,35 o que lhe abre a brecha ―para uma re-elaboração crítica do conceito de cidadania‖ (SILVA, 2005, p. 21), pois, possibilita relacionar injustiças de ordem econômica com desrespeitos de natureza identitária. No entanto, a noção de Fraser de paridade de participação, como sugere seus críticos, parece não ser analiticamente poderosa e, muito menos, ter a capacidade de motivação política tal qual o conceito de luta por reconhecimento formulado por Honneth permite (SILVA, 2005).

A perspectiva integradora de Fraser sugere ainda que as lutas por reconhecimento ou redistribuição podem, sozinhas, levar à reificação das diferenças, por um lado, e ao economicismo, por outro. Por conseguinte, o objetivo é combinar, em uma mesma teoria, os aspectos emancipatórios das lutas por reconhecimento e redistribuição. No entanto, mesmo com as limitações, apontadas acima, especialmente para compreender a totalidade e a complexidade da sociedade contemporânea, a teoria do reconhecimento, particularmente a

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Fraser concebe classe dessa forma: ―é um modo de diferenciação s ocial enraizada na estrutura político-econômica da sociedade. Uma classe existe como uma coletividade apenas em virtude de sua posição nessa estrutura e de sua relação com outras classes‖ (FRASER, 2001, p. 255). Conc eber a classe dessa forma é incorrer em economicismo, risco que Fraser está ciente em correr para dar vazão às suas formulações teóricas.

contribuição de Honneth, pode ser uma poderosa ferramenta analítica para o entendimento dos movimentos sociais e suas lutas de caráter identitário. Porém, pelo que se disse anteriormente, é necessário conjugar as lutas por reconhecimento com as lutas por produção/redistribuição. Isto permitiria escapar às armadilhas que as formulações de Taylor, Honneth e Fraser sozinhas não conseguem contornar.

A partir do que foi exposto, torna-se necessário enfrentar a seguinte questão: como se apresenta nas centrais sindicais a problemática do reconhecimento? No movimento sindical, as demandas por reconhecimento estão subsumidas às demandas de classe?