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CAPÍTULO I – REFERENCIAL TEÓRICO

1.4 A FORMAÇÃO DE EDUCADORES SOCIOAMBIENTAIS

“Tão importante quanto o ensino dos conteúdos é a minha coerência na classe. A coerência entre o que digo, o que escrevo e o que faço”. Paulo Freire.

Por formação de educadores entendemos tanto os processos iniciais de graduação, quanto os continuados ou permanentes – formais ou não-formais – que buscam enfocar a práxis pedagógica em suas múltiplas dimensões. Estes processos, fundamentalmente, estão associados à necessidade dos educadores construir e reconstruir novos conhecimentos, assim como, para os educadores em exercício, pensar sua prática cotidiana (práxis), além de partilhar suas diversas experiências e vivências.

Por trás disso, projeta-se a necessidade permanente de qualificação dos profissionais e, ao mesmo tempo, parece estar implícito neste debate, um “professor

ideal” com uma “tarefa ideal”, que os cursos de formação teriam que alcançar. Isso pode ser positivo se considerado como impulso para a qualificação dessas formações, tornando-as permanentes; pode ser, porém, uma perspectiva negativa considerar-se que os educadores nunca estão preparados para a função de educar, entendida nesse sentido, como simples capacidade de transmissão de conhecimentos.

Freire (1982, p. 53) alertou que:

O papel do educador não é “encher” o educando de “conhecimento”, de ordem técnica ou não, mas sim o de proporcionar, através da relação dialógica educador-educando, educando-educador, a organização de um pensamento correto em ambos.

A partir da premissa freiriana de que “mudar é difícil, mas é possível”, podemos pensar processos e programar ações político-pedagógicas de formação dialógicos, seja na capacitação de lideranças populares, de evangelização, de jovens e adultos, de crianças, seja na formação de mão-de-obra técnica, como também e, principalmente nos dias de hoje, na formação de educadores socioambientais (FREIRE, 2004, p. 81).

Ao escrever diretamente sobre a formação de educadores, em seus temas e desdobramentos pedagógicos, afirmou Freire (2004, p. 134):

Como ensinar, como formar sem estar aberto ao contorno geográfico, social, dos educandos? A formação dos professores e das professoras devia insistir na constituição desse saber necessário e que me faz certo desta coisa óbvia, que é a importância inegável que tem sobre nós o contorno ecológico, social e econômico em que vivemos.

A formação de educadores é um tema controverso, pois toca na questão da qualificação permanente dos profissionais da Educação. E quando falamos de educadores socioambientais a demanda e a importância também aumentam, pois exige do educador um aprofundamento maior, visto que se adentra em um campo amplo e complexo, ainda trabalhado e discutido nos processos formais e nas escolas de forma fragilizada (GUIMARÃES, 2004, p. 119).

Por isso, conforme o PCN sobre Meio Ambiente (BRASIL, 2001, p. 21):

É fundamental que a formação de professores para trabalhar com Educação Ambiental assegure o conhecimento de conteúdos relacionados à problemática ambiental; o domínio de procedimentos que favoreçam a pesquisa de temas complexos e abrangentes em diferentes fontes de informação; o desenvolvimento de uma atitude de disponibilidade para a

aprendizagem e a atualização constante; e a reflexão sobre a prática, especialmente no que se refere ao tratamento didático dos conteúdos e aos próprios valores e atitudes em relação ao meio ambiente.

Então, é urgente e necessário superar os processos formativos que estão atrelados a continuidade paradigmática do “caminho único”, newtoniano-cartesiano, formatado, fechado, antidialógico. Pois, conforme Guimarães (2004, p. 124-125):

A Educação Ambiental é uma prática pedagógica que não se realiza sozinha, mas nas relações do ambiente escolar, na interação entre diferentes atores, conduzida por um sujeito: os professores. [...] E essa armadilha paradigmática se produz e se reproduz dominantemente, nos diferentes espaços sociais, exercendo sua hegemonia.

Segundo Morales (2009, p. 87), a formação de educadores socioambientais remonta às recomendações da Conferência de Tbilisi, que tinha, entre outros objetivos: (i) romper com os modelos tradicionais de educação através da interdisciplinaridade, para construir soluções socioambientais; (ii) desenvolver materiais pedagógicos locais e estabelecer cooperações nacionais e internacionais; (iii) e facilitar a formação dos futuros professores na ótica ambiental apropriada ao meio rural e urbano.

Ainda, conforme lembra Carneiro (2008a, p. 57-60), a Lei 9795/99, afirma a necessidade da “incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e atualização dos educadores”, principalmente, reforçando a importância da qualificação contínua dos educadores em atividade profissional. A formação de educadores se justifica porque é muito incipiente a concepção de Educação Ambiental – muito restrito à dimensão conservacionista e genérica, o que demanda espaços e momentos formativos para, coletivamente e pelo diálogo, construir-se uma visão crítica e emancipatória, formando educadores socioambientais comprometidos com essa perspectiva – uma Pedagogia da Autonomia.

Os processos de formação de educadores precisam ser momentos de troca de experiências e vivências cotidianas, nas quais os educadores, em potencial e exercício são, ao mesmo tempo, formandos e formadores. Não são, e nem podem ser, apenas transmissores de conhecimentos, até porque o processo da prática do trabalho docente é decorrente do modo como os educadores são formados, influenciando a sua atuação em sala de aula. Na sua formação, os educadores se deparam com a construção de valores éticos e revalorização da práxis (GUERRA; ORSI, 2008, p. 30).

A práxis está ligada à capacidade dos educadores refletirem sobre a ação e de ter posições críticas e reflexivas. Freire (1980a, p. 26) ao focar a práxis, afirma que é a “unidade indissolúvel entre minha ação e minha reflexão sobre o mundo”. Ou seja, a práxis é algo intrínseca aos seres humanos – seu “fazer é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo” (FREIRE, 2003, p. 121). Assim, é também a ação dos educadores socioambientais em permanente processo formativo, sempre revendo seu quefazer, refletindo sobre a sua prática, redimensionando seus valores, buscando construir ações que transformem o mundo, a partir do contexto escolar e da realidade-ambiente dos educandos.

Deste modo, Paulo Freire contribui para a formação dos educadores socioambientais, tendo como ponto de partida o mundo em que eles convivem no seu cotidiano, problematizando a vida da comunidade nos seus entornos. É formando-se na ação, conjugando teoria e prática pedagógica, despertando e cultivando a criatividade e curiosidade epistemológica, estabelecendo diálogo entre limites e possibilidades, entre desafios e potencialidades que os educadores avançam na busca da qualificação profissional.

Esses processos formativos de educadores ambientais estão ligados a alguns pressupostos teóricos, filosóficos, éticos, políticos, sociais e culturais, que fundamentam a Educação Ambiental; por conseguinte, os educadores dialogam com os principais autores e livros da área, com as políticas públicas existentes e com os conteúdos dos encontros de Educação Ambiental que aconteceram no mundo e os realizados no Brasil. Os princípios da Educação Ambiental podem orientar processos de formação de educadores socioambientais, pois, o diálogo, a solidariedade, a cidadania, a participação, a justiça ambiental, a compreensão complexa de mundo e a vida sustentável são premissas que vem fundamentando as ações socioambientais transformadoras (MOLON, 2008, p. 72-73; 85).

Conforme afirmam Guerra e Orsi (2008, p. 43):

É preciso aprofundar nossos referenciais teórico-metodológicos, defender a formação inicial e continuada de professores em EA inspirada nos princípios da abordagem crítica e emancipatória para atuação dos educadores desde o “chão da escola” até as instâncias de poder, no sentido do desenvolvimento de práticas educativas comprometidas com a intervenção e transformação da realidade na construção da utopia possível da sustentabilidade local e planetária.

Pensar a formação de educadores socioambientais significa estabelecer processos que dialogam intimamente com as temáticas emergentes atuais, tais como a complexidade da realidade ambiente, a sustentabilidade do Planeta e a urgente mudança dos padrões de produção e consumo insustentáveis, em vista da construção de uma ética socioambiental da responsabilidade. Esses desafios estão postos para todos os espaços formativos, como as universidades, o Poder Público e as organizações não-governamentais, que podem dar a sua contribuição decisiva para a construção de uma Educação Socioambiental Crítica e Emancipatória. Para isso precisamos ter como princípio o testemunho – coerência entre o discurso e a prática – do educador, como nos alerta Freire (2000, p. 61):

Neste sentido me parece uma contradição lamentável fazer um discurso progressista, revolucionário e ter uma prática negadora da vida. Prática poluidora do ar, das águas, dos campos, devastadora das matas. Destruidora das árvores, ameaçadora dos animais e das aves.

Sempre considerando o que Freire (2004, p. 31) nos ensinou quando se pronunciou sobre o processo de formação – e que serve de referência até hoje – e seu processo cíclico-dialético:

É preciso que, ao contrário, desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado.