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CAPÍTULO III – ANÁLISE INTERPRETATIVA DOS DADOS

3.1 CONCEPÇÃO DE SER HUMANO

3.1.4 Ser humano: sujeito ético, livre e responsável

A liberdade, pela qual o ser humano se move no mundo, lhe permite escolher, decidir, intervir, romper, entre tantas outras possibilidades, faz dele um sujeito ético. Categoricamente, afirma Paulo Freire (2004, p. 40): “Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe, ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão”.

A ética é característica intrínseca dos humanos, impossível nos animais (FREIRE, 2004, 56-57), ela existe em conformidade com a nossa liberdade; quanto mais formos livres, maior é nossa eticidade, apesar de termos também maior possibilidade de transgressão dessa ética. Porém, a transgressão é apenas uma possibilidade, não um direito de transgredir, como enfoca Freire (2004, p. 101):

Ao reconhecer que, precisamente porque nos tornamos seres capazes de observar, de comparar, de avaliar, de escolher, de decidir, de intervir, de romper, de optar, nos fizemos seres éticos e se abriu para nós a probabilidade de transgredir a ética, jamais poderia aceitar a transgressão como um direito, mas como uma possibilidade. Possibilidade contra que devemos lutar e não diante da qual cruzar os braços.

A Ética, em Freire, é um tema ligado à dimensão humana de modo central, não é um apêndice, é parte integrante da natureza humana, é algo indispensável à convivência humana. Por isso, ele fala de uma “ética universal dos seres humanos”, contrária à pseudo-ética do lucro e do mercado, que minimiza a pessoa em detrimento do dinheiro (FREIRE, 2004, p. 23). A ética universal tem como centro a realização da liberdade humana, tarefa fundamental da educação freiriana (SIMÕES JORGE, 1979, p. 11).

Esse aspecto da eticidade se refere à postura do ser humano na sociedade em que vive e, também, no que tange à prática educativa. Segundo nosso autor em questão, a fundamentação do ser humano como sujeito da procura, como sujeito histórico, como sujeito de opção, não se pode dar senão assumindo-nos como sujeitos éticos. Assim, encontramos em Paulo Freire a importância da ética

concatenada com outras dimensões intrínsecas à natureza humana, de tal modo que esses temas recorrentes formam uma rede conceitual indissociável, para que haja o entendimento da compreensão de ser humano na acepção freiriana. Vejamos como esses temas estão relacionados na percepção de Freire (2004, p. 25-26):

Na verdade, falo da ética universal do ser humano da mesma forma como falo de sua vocação ontológica para o ser mais, como falo de sua natureza constituindo-se social e historicamente não como um a priori da História. A natureza que a ontologia cuida se gesta socialmente na História. É uma natureza em processo de estar sendo com algumas conotações fundamentais sem as quais não teria sido possível reconhecer a própria presença humana no mundo como algo original e singular. Quer dizer, mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma presença no mundo, com o mundo e com os outros.

Essa presença do ser humano no mundo gera uma responsabilidade em relação à proteção do meio ambiente e a transformação da sociedade; por isso, uma responsabilidade ética e política. Isso porque a liberdade e a ética são dois sustentáculos da pedagogia de Freire, visto que, na Pedagogia do Oprimido, a fundamentação da Educação Libertadora encontra sua centralidade na ação cultural para a libertação. E, como nos alerta Paulo Freire (2005, p. 100):

Percebemos, sobretudo, também, que a pura percepção da inconclusão, da limitação, da possibilidade, não basta. É preciso juntar a ela a luta política pela transformação do mundo. A libertação dos indivíduos só ganha profunda significação quando se alcança a transformação da sociedade.

Todos esses conceitos freirianos analisados se entrelaçam. Assim, para entender o inacabamento humano, é preciso entender a consciência; para entender a consciência, precisa-se entender a relação dos seres humanos com o mundo. Isso é necessário porque o pensamento de Freire é dialeticamente articulado e sistemático, o que impõe uma leitura do todo de sua obra para que a compreensão seja coerente, impedindo uma visão reducionista e restrita a alguns conceitos-chaves.

E nesse contexto, está a ética da responsabilidade do ser humano com relação a suas ações sociais no mundo, com o mundo e com os outros. Os seres humanos são sujeitos éticos por natureza; por isso, devem ser responsáveis por sua presença no mundo-natureza e no mundo-cultura. A liberdade de agir, de optar, de decidir, gera a responsabilidade pelas ações propriamente humanas. Segundo Freire (2004, p. 61), “a consciência do inacabamento entre nós, mulheres e homens,

nos fez seres responsáveis, daí a eticidade de nossa presença no mundo”. Essa é uma questão fundamental, em se tratando da finalidade da Educação Socioambiental. Conforme Caride e Meira (2001, p. 257):

O interesse do homem para preservar o equilíbrio ecológico, satisfazer as suas necessidades e desenvolver uma vida saudável, considera-se como uma justificação suficiente para uma ética que defenda o uso responsável e ponderado do meio ambiente.

Portanto, a estabilidade ecológica – ou equilíbrio ecológico – está ligado à ética das relações responsáveis entre os seres humanos e destes no uso dos bens naturais renováveis e não-renováveis. A Educação Socioambiental tem os valores éticos como princípios e a essência como tal da práxis educativa transformadora, na perspectiva de se construir uma nova relação dos sujeitos com a realidade ambiente e redimensionando o valor da natureza para a existência da vida e sustentabilidade qualitativa da mesma, em sentido amplo. Nesta perspectiva da responsabilidade ética da convivência humana no mundo, a Carta da Terra (2009) afirma, como primeiro princípio, ser preciso “reconhecer que todos os seres são interligados e cada forma de vida tem valor, independentemente de sua utilidade para os seres humanos”.

Segundo Ordóñez (1992, p. 50):

La educación ambiental es [...] una práctica de transformación de la realidad social y física, transformación que libera de la explotación entre los seres humanos y la sobreexplotación ambiental. […] es una educación para la transformación de la realidad social y física que permita que la vida de hombres y mujeres sea más humana. Esto significa la posibilidad de modificar las actuales relaciones injustas entre los seres humanos y las relaciones irracionales con el entorno, significa también la posibilidad de la creación de nuevas estructuras de nuevas relaciones45.

Assim, por meio da Educação Socioambiental, quer-se que os sujeitos individualmente e em sociedade se libertem, mas sempre reconhecendo o ambiente de vida como um outro que precisa ser cuidado para que haja as condições para

45 A educação ambiental é [...] uma prática de transformação da realidade social e física, transformação que liberta da exploração entre os seres humanos e a sobre-exploração ambiental. [...] é uma educação para a transformação da realidade social e física que permite que a vida de homens e mulheres seja mais humana. Isto significa a possibilidade de modifica as atuais relações injustas entre os seres humanos e as relações irracionais com o entorno, significa também a possibilidade da criação de novas estruturas de novas relações. (Tradução nossa).

essa libertação. Logo, esse cuidado com o outro, tanto o outro humano como o não-humano, exige uma ética da responsabilidade.

A responsabilidade ética, fundamentada na ação humana no meio para gerar um presente e um futuro mais habitável, um ambiente sustentável, deve ser uma preocupação central da educação que trata das questões socioambientais. Visto que há uma necessidade da educação ter presente uma referenciação de ética ambiental – pois estamos diante de uma crise ecológica mundial – o processo educativo precisa construir uma nova compreensão de homem e de mulher, eticamente responsáveis diante de si, da vida e da história (ORDÓÑEZ, 1992, p. 51). E sob essa ótica, urge uma educação para a cidadania socioambiental (já focada anteriormente), enquanto um dever e direito de todo cidadão, para se viver bem em sociedade e em seus ambientes de vida.