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A formação de professores e as novas políticas educacionais: um novo

CAPÍTULO III – A IDENTIDADE DOCENTE NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL:

3.1 A formação do professor do ensino técnico

3.1.2 A formação de professores e as novas políticas educacionais: um novo

Como nos referimos anteriormente, o cenário deste estudo inscreve-se no contexto político-pedagógico das reformas do sistema educacional na década de 90 no Brasil. Assim, na perspectiva de uma compreensão sobre a formação de professores de ensino técnico diante desse novo quadro e das mudanças ocorridas no mundo do trabalho como a flexibilização e a polarização das competências, buscamos em Kuenzer (1998,1999) o referencial de análise sobre

as concepções que nortearam a política oficial de formação de professores de Ensino Médio e Educação Profissional, a partir da LDB Nº 9.394/96.

Em um dos artigos, Kuenzer (1999)54 defende a concepção de formação

que possibilite a “construção da identidade do professor como cientista da

educação”, independente da modalidade de ensino em que irá atuar. Como

veremos ao longo deste texto, a autora demonstra as principais razões pelas quais tais políticas “descaracterizam o professor como cientista e pesquisador da educação”, a partir de uma formação que inviabiliza a construção dessa identidade.

Considerando uma análise sobre a formação de professores para o ensino técnico, Kuenzer parte do pressuposto de que as “especificidades” dessa formação são pontuais, haja vista que, por seu caráter orgânico, essas políticas se inserem “em um modelo de educação, e portanto de formação de professores que abrange todos os níveis e modalidades de ensino” (p.164). A autora chama atenção para o fato de, naquela época, ter prevalecido a proposta oficial do governo federal a partir da LDB Nº 9.394/96, em “estabelecer os Institutos Superiores de Educação55 como instituição responsável pela formação de

professores dos vários níveis e modalidades de ensino” (op.cit).

Esses institutos constituem-se como “um novo locus oficializado de formação de professores da educação básica”, assim como de formação

54 No artigo “As políticas de formação: a constituição da identidade do professor sobrante”, a

autora objetiva compreender as concepções sobre as quais se assenta a política oficial de formação de professores, de modo a contribuir para o estabelecimento de uma pauta mínima que permita enfrentar os novos desafios postos pelas políticas educacionais formuladas a partir da LDB (KUENZER, 1999, pp.163-183).

55 A formação de docentes até então realizada nas universidades, instituições de ensino superior e

pedagógica para graduados e de educação continuada (AGUIAR, 2001). Anteriormente à LDB, já havia uma preocupação no campo educacional com as propostas que pretendiam descaracterizar a Faculdade de Educação como local de formação docente. Aguiar (1994)56 questionava se os institutos se constituiriam

como um espaço de produção de conhecimento científico-tecnológico e de cultura, na formação dos profissionais da educação.

Esse disposto legal para a formação de docentes ocorreu a despeito de toda uma movimentação dos educadores brasileiros através da ANFOPE e do Fórum de Diretores57, na luta por uma construção coletiva de uma política global

de formação do profissional da educação. Conforme Aguiar (1994), a ANFOPE (1992) defendia que a formação de docentes deveria ser em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena em universidades, mantendo-se na escola Normal, em nível médio, a formação mínima para o magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental.

No quadro político, econômico e social nas duas últimas décadas, demarcado por mudanças no mundo do trabalho, da ciência e tecnologia, das relações sociais, emergem novas demandas de educação, exigindo uma nova pedagogia e, conseqüentemente, um novo perfil de professor. Isto significa que os modelos de formação de professores resultam das configurações dessas mudanças, assim como se diferenciam de acordo com as concepções de

56 AGUIAR, Márcia Ângela (1994). “Institutos Superiores de Formação de Professores: novo

modismo na educação nacional?” Anais VII ENDIPE, Goiânia, UFG/UCG. In: BZERZINSKI, Iria (2001).

57 A ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação é uma

entidade que em nível nacional em articulação com outras entidades no campo educacional, como ANPEd, ANPAE, o Fórum de Diretores de Faculdades e o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública aprofunda questões e requerimentos em defesa da formação e da profissionalização do magistério.

educação e de sociedade em cada época de desenvolvimento. É nesse contexto sócio-histórico que se inscreve a nossa reflexão sobre as atuais políticas de formação de professores para a educação profissional.

Situamos nessa década toda a movimentação em torno da legalização, discussão e proposições referentes às reformas no sistema educacional brasileiro. As tendências pedagógicas originadas no paradigma dominante – taylorismo /fordismo - de divisão social e técnica do trabalho e da sociedade predominavam nos sistemas de ensino, ora privilegiando a racionalidade formal, ora a racionalidade técnica, configuradas nas escolas tradicional, nova e tecnicista. O modelo pedagógico constituía-se por currículos rigidamente organizados em conteúdos, de forma seqüencial intra e extradisciplinares, repetido ano a ano, no qual o professor valia-se de métodos expositivos, com cópias e questionários a serem “memorizados”, e com isto requeria-se dos alunos a memória articulada ao disciplinamento.

Nesse modelo pedagógico o perfil de professor correspondia à habilidade em eloqüência aliada à rigorosa formação científica, contemplando os conteúdos específicos e da educação. Dessa forma, “pouco” se requeria para ser professor da educação profissional. Kuenzer (1999) enfatiza que “a falta de especificidade (para a formação) contribuía para a falta de identidade do professor”, haja vista que:

A sua formação, até podia ser em outras áreas profissionais correlatas à disciplina a ser ministrada, ou complementar ao bacharelato, contemplando umas poucas disciplinas, pois era suficiente compreender e bem transmitir o conteúdo escolar que compunha o currículo e manter o respeito e a boa disciplina,

requisitos básicos para a atenção, que garantiria a eficácia da transmissão (p.168).

Em contraposição e substituição a essa pedagogia dominante, mediante as novas exigências da “acumulação flexível”58, surge, nos anos 90, uma outra

concepção de educação profissional de nível técnico, fundamentada em mudanças na relação entre educação e trabalho no que se refere às habilidades necessárias ao aluno, ou seja, da habilidade manual, da força física, da ênfase no modo de fazer. Essa relação passa a ser mediada pelo conhecimento, isto é, pelo domínio de conteúdos e habilidades comportamentais e cognitivas superiores, a serem desenvolvidas em situações de aprendizagem na qual se estabeleça uma interação significativa e permanente entre o aluno e o conhecimento capaz de intervir na realidade e de criar novos conhecimentos, na perspectiva de transição do senso comum para o comportamento científico.

Esse quadro demandou uma nova pedagogia e outro perfil de professor, cuja ênfase recai sobre a especificidade da função docente definida pela intervenção em processos pedagógicos intencionais e sistematizados, transformando o conhecimento social e historicamente produzido em saber escolar (KUENZER, 1998), a partir da leitura da realidade e do conhecimento dos saberes tácitos e experiências dos alunos, resultando, então, em nova dimensão para a profissionalização e a formação docente.

58 A acumulação flexível como modelo de desenvolvimento econômico configura-se pela

globalização da economia, pela reestruturação produtiva, a partir das duas últimas décadas. Ocorre crescente incorporação da ciência e tecnologia aos processos de acumulação do capital internacionalizado, em conformidade com as políticas neoliberais financiadas por agências financeiras internacionais (KUENZER, 1999).

Evidencia-se, assim, a necessidade de que a formação dos professores de Ensino Médio e Profissional aconteça em nível de graduação superior, de forma interdisciplinar, realizada especificamente na universidade, onde se articula o ensino, a pesquisa e a extensão, pois, de acordo com a posição assumida à época pela ANFOPE e pelo Fórum de Diretores: “não há como formar o professor de novo tipo senão preparando-o para a pesquisa em educação”. Para tal, a formação contemplará os seguintes eixos: contextual, institucional, teórico-prático,

investigativo, ético, haja vista que, mediante a complexificação da ação docente, ao professor não basta conhecer o conteúdo específico de sua área; ele deverá ser capaz de transpô-lo para situações educativas, para o que deverá conhecer os modos como se dá a aprendizagem em cada etapa do desenvolvimento humano, as formas de organizar o processo de aprendizagem e os procedimentos metodológicos próprios a cada conteúdo (KUENZER, 1999, p.172).

Em contrapartida a essa defesa da universidade como locus específico à formação docente para qualquer nível e modalidade de ensino, a partir de 1990 traça-se o conjunto das políticas e da legislação para a educação brasileira orientada para a polarização das competências de caráter seletivo, tanto para a formação do aluno como para a formação do professor. Conforme o Decreto 2.208/97, compete às licenciaturas e aos Centros Federais de Educação Tecnológica a formação de professores para o ensino profissional. Para Kuenzer (1999), isto resulta em implicações para a educação, negando o seu “estatuto epistemológico de ciência, reduzindo-a a mera tecnologia, ou ciência aplicada”, assim como nega ao professor sua “identidade como cientista e pesquisador”. (p.182).

3.1.3 As reformas educacionais no ensino técnico nos anos 90: a