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Breve retrospectiva histórica da legislação sobre a formação do docente para

CAPÍTULO III – A IDENTIDADE DOCENTE NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL:

3.1 A formação do professor do ensino técnico

3.1.1 Breve retrospectiva histórica da legislação sobre a formação do docente para

Na literatura que trata da história da educação brasileira, alguns autores48

situam desde o período colonial a criação de escolas destinadas ao ensino de habilidades profissionais, mas a sistematização oficial do ensino técnico data de 1909. Entretanto, é apenas em décadas posteriores que surgem iniciativas quanto a uma política de formação dos docentes nessa área. É na década de 40 que, nacionalmente, surge a preocupação legal com o docente do ensino técnico profissional, à época da promulgação das Leis Orgânicas do Ensino49, passando a

instituir-se concurso para a docência, a oferta de cursos e aperfeiçoamento,

48 Destacam-se entre outros: ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil (1930/1973), 1978; MANFREDI, Silvia Maria. Educação profissional no Brasil, 2002.

49 São Leis decorrentes de uma reforma no sistema educacional, englobando o ensino primário até

estágios e bolsas de estudos no estrangeiro como forma de elevar o nível de conhecimento e a competência pedagógica dos professores das escolas industriais e técnicas.

Outro fato relevante, no período dos anos 40 até a Lei de Diretrizes e Bases, de 1961, é a oferta de cursos de didática nas escolas técnicas, que, mesmo não sendo obrigatórios, davam a quem os cursava preferência no provimento, remoção e promoção de cargos na rede oficial de ensino (PETEROSSI, 1994). Com a promulgação da LDB/1961, ocorre pela primeira vez, através da legislação oficial, a exigência de uma formação específica, além do curso técnico e do curso de graduação, para professores dos cursos profissionais, através de cursos especiais de educação técnica (Artigo 59)50.

Com a Lei Nº 5.540/68, estabelece-se que a formação de professores para o ensino secundário (médio e técnico) se fará em nível superior. Neste sentido, enfatiza-se uma problemática histórica na formação de professores de ensino técnico, haja vista que as universidades não estavam preparadas para atuarem na formação para este nível de ensino, instituindo-se via Decreto Nº 464, os exames

de suficiência (grifo nosso) como habilitação dos professores a serem realizados

em Instituições de Ensino Superior, indicada pelo Conselho Federal de Educação. No contexto socioeducacional do “tecnicismo”, em 1971, o Ministério de Educação e Cultura cria o Departamento do Ensino Médio (DEM), onde se

50 O artigo 59 da LDB/1961 previa: “A formação de professores para o ensino médio será feita nas

faculdades de filosofia, ciências e letras e a de professores das disciplinas específicas do ensino médio técnico, em cursos especiais de educação técnica”. O disposto nesse artigo é complementado pela LDB em seus artigos 117 e 118 admitindo o exame de suficiência, o aproveitamento de profissionais de cursos superiores correspondentes ou de técnicos diplomados como professores de disciplinas específicas do ensino técnico (PETEROSSI, 1994, p.73).

efetivou um plano integrado de formação dos docentes do ensino técnico (industrial, agrícola, comercial), e através da Portaria Nº 423/71 institucionalizou os cursos de formação51 de professores, denominados de Esquema I e II, sob a

coordenação e supervisão do Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação Profissional (CENAFOR), criado em 1969 e extinto em 1986, com a função de articular a política de formação de professores para o ensino técnico em nível nacional. Esse Centro, além dessa articulação, procurou “difundir novas tecnologias de ensino profissional, preparar material didático, bem como fomentar a discussão em torno de novos conceitos relacionados à formação profissional” (PETEROSSI, ibd., p.92).

A partir da Lei Nº 5.692/71, passa-se a discutir o enquadramento desses cursos às normas do ensino superior. Ratifica-se através da Resolução Nº 3, de 25/02/77, a proposta de criação de uma licenciatura específica para os professores das disciplinas técnicas do 2º grau para todas as áreas profissionalizantes. A Resolução foi regulamentada pela Portaria Nº 396/77, permitindo “que alunos do curso de graduação plena com mais de 2/3 da carga horária pudessem, simultaneamente, cursar disciplinas de formação pedagógica nas licenciaturas técnicas, o que lhes conferia direito ao diploma de licenciado” (MIRANDA, 2000, p.52). Essa complementação surge como mais uma tentativa do MEC, em 1979, através do Plano de Curso Emergencial, em convênio com a

51 Situadas no período de vigência da profissionalização compulsória do ensino de 2º grau (1971 a

1982), as propostas de formação docente são realizadas por órgãos oficiais ligados ao ministério da educação, por meio dos cursos de Esquema I e II, e, segundo Peterossi, “representam à época todo um lento processo de definição de uma política de formação de docentes para um ramo de ensino tradicionalmente relegado a um segundo plano nas discussões educacionais e na hierarquia de ensino, a partir do Pareceer 1.044/74 alguns educadores e legisladores passam a tratá-los como emergenciais” (PETEROSSI, 1994, p.92).

Fundação Getúlio Vargas, o qual oferecia a habilitação aos professores que já atuavam na rede oficial, nas décadas de 70 e 80.

Entretanto, como analisa Peterossi (ibid.), essa Portaria não representa um avanço na política de formação52 de professores e a licenciatura criada vai suscitar

interpretações variadas quanto à sua aplicabilidade e eficácia, ensejando posições contraditórias quanto à qualificação do professor assim preparado.

Posteriormente, na década de 80, com a Portaria Nº 299/82, as licenciaturas e os cursos de Esquemas são reconhecidos como alternativas para a formação de professores, ministrados como cursos regulares nas Instituições Superiores de Ensino, de acordo com as normas do Conselho Federal de Educação ou como cursos emergenciais solicitados por sistemas de ensino mediante as necessidades de professores habilitados no quadro oficial do magistério.

Corroboramos com essa reflexão crítica e elucidativa sobre a trajetória da formação dos professores de ensino técnico, em que se constata “mais do que uma história de formação, encontra-se uma história de não formação no sentido de que, a rigor, nunca houve uma proposta de formação realmente consistente em relação a esses professores”(PETEROSSI,1994, p. 69, grifo nosso).

Partindo desse percurso histórico identificamos o movimento reflexo da formação dos professores associado às tendências que caracterizam a evolução do ensino técnico no Brasil. Na primeira tendência, sendo o ensino técnico para

52 Segundo Petarossi, a partir da Portaria 339/77, dificilmente é utilizada a terminologia formação de professores, sendo substituída por graduação de professor de formação especial (1994, p.84).

ofícios manuais, os professores são aqueles tidos como “mestres de ofícios”. A segunda articula-se ao surgimento dos sistemas de formação de profissional e às estruturas governamentais e privadas do Estado Novo, através das Leis Orgânicas e das Diretorias do Ensino Técnico, da organização do quadro docente com requisitos de “recrutamento, seleção e formação” nos Cursos de Didática.

A terceira tendência decorre da aproximação progressiva entre o ensino técnico e a educação formal, nos anos 60, articulando-se com as propostas da Unesco e da OIT para os países do terceiro mundo. À época, a Lei de Diretrizes e Bases propõe a necessidade de formação do docente do ensino técnico, porém feita em “Cursos Especiais”.

Na quarta e última tendência, está demarcada a estreita relação entre o ensino técnico e a política de desenvolvimento no país. Refletindo-se na profissionalização compulsória e universal do segundo grau, quanto à uniformização nos requisitos para a formação do professor desse nível de ensino, seja das disciplinas técnicas, ou aquelas de formação geral, como exigência de licenciatura plena.

A articulação dessas tendências no ensino técnico com a formação dos professores possui duas características principais: primeiro, os docentes sempre foram antes profissionais, no sentido de estarem ligados ao mundo produtivo, do

que um professor. Segundo, a universidade esteve alheia à formação desses

docentes, resultando a formação em iniciativas de outras instituições53, com

conseqüências tanto para o “professor formado” em seu “saber ser e saber-fazer”

53 Como o CENAFOR (Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação

como para a cultura docente no âmbito da escola. Em sua análise crítica, Peterossi (1994) esclarece que:

A principal conseqüência dessa omissão foi a não produção de

um saber, uma cultura e de um fazer capazes de subsidiar

criticamente o ensino técnico, a partir de experiências acumuladas ao longo dos anos. As licenciaturas caminharam mais ao encontro dos desafios colocados, principalmente, pelo ensino elementar. [...]

Perdeu assim a universidade e perdeu, principalmente, o ensino técnico a oportunidade de ter acumulado um saber e

práticas capazes de sustentar propostas para esse ensino e/ou oferecer referenciais para a sua análise, visando ao seu desenvolvimento e integração efetiva no contexto educacional (1994, p.9, grifos nossos).

Nesta perspectiva, a referida autora defende a necessidade de a universidade brasileira repensar as licenciaturas na formação de professor que atua nos ensinos médio e técnico, no sentido de privilegiar “uma formação que lhe é específica, que tenha a ver com a função que ele vai desempenhar” (p.90) no exercício do magistério. A nosso ver, essa formação diferenciada justifica-se na concepção de magistério, conforme Ramalho (2003, p.21), como uma profissão que “tem características e se desenvolve em situações específicas, o que lhe outorga uma dada singularidade em relação a outras atividades reconhecidas como profissões”.

Na década de 90, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9.394/96, no artigo 61, para a formação dos profissionais em educação estabelecem-se dois fundamentos a serem observados, de modo geral: a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço e o aproveitamento da formação e experiência anteriores em instituições e outras atividades. Configura-se, assim, um novo modelo de formação de professores de

todos os níveis e modalidades de ensino, a ser realizado nos Institutos Superiores de Educação, retirando da universidade a responsabilidade pela formação profissional para o magistério.

Decorrente dessa análise, levando-se em conta a reestruturação das escolas técnicas para centros federais de educação tecnológica caracterizados como instituições voltadas para atividades de ensino, pesquisa, extensão e inserção do alunado no mercado de trabalho, toma sentido uma questão presente neste estudo, ou seja: Qual é, onde e como se dá a formação do professor da educação profissional que atua nas instituições federais de ensino?

Interessa-nos, pois, como o professor do ensino técnico, enquanto produtor de sua identidade docente, articula a sua formação inicial e contínua, além dos saberes da docência em seu trabalho docente na escola.

3.1.2 A formação de professores e as novas políticas educacionais: