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A relação do professor com o trabalho docente – o processo de ensino-

CAPÍTULO VI – CONSTITUINDO A IDENTIDADE DOCENTE: a dinâmica no

4. O exercício da docência no CEFETPE: a identidade profissional revelada como

4.3 A relação do professor com o trabalho docente – o processo de ensino-

Nesta categoria de análise abordamos os aspectos referentes ao modo de ser professor, à maneira de ensinar, remetendo aos saberes docentes: experienciais, específicos, didático-pedagógicos. Nos relatos predomina uma preocupação com a qualidade do trabalho docente, com a avaliação, com o planejamento de atividades práticas e de aulas através de uma metodologia de ensino criativa e de uma postura motivadora em sala de aula para facilitar a aprendizagem dos alunos, valorizando seus conhecimentos prévios. Buscam melhorar o nível das aulas, relacionando o ensino, a socialização de conhecimentos à vivência prática como exemplo e preparo para o mercado de trabalho, configurando-se na “autonomia do trabalho docente”, permeada pela motivação constante do professor, pela necessidade de “mudanças no método tradicional de dar aulas”, como é possível identificar no depoimento abaixo:

[...] Eu acho que a motivação é quando a gente entra em sala de aula e os alunos estão ali esperando por algo novo. Eu sinto a

cada dia mais necessidade de novas técnicas de sala de aula! Sinto que a gente tem que mudar! Até porque eu já estudei muito Qualidade Total também em educação. [...] Eu procuro sempre motivá-los em sala de aula e fazer diferente. Eu sinto que eles gostam quando a gente faz uma coisa diferente. Porque o método tradicional... o aluno sai mesmo da sala de aula, se você mantém mesmo só quadro e giz .... ele não agüenta, não suporta ficar sentado. Como já dizia uma professora numa palestra: “...estamos ainda usando o mesmo método que os Jesuítas trouxeram pro Brasil há 500 anos, que é saliva e giz... e mais, a gente está vendo um mundo preto e branco e os alunos estão vendo colorido”. (P4,

13 anos na docência)

Nesse sentido, consideram como fator decisivo para ser um bom profissional, um “bom professor”, a relação dos saberes da experiência de vida com o conhecimento didático-pedagógico, com as especificidades do ensino técnico através da diversificação das atividades em sala de aula. A nosso ver, isso implica aos professores da educação profissional uma mudança em sua “cultura docente” , conceituada, segundo Therrien (2000)99, como “saber da experiência do

professor”. Segundo Freire (1996), o “saber empírico” configura-se como um saber necessário à formação docente numa perspectiva em que “saber ensinar não é

transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (p.52) (grifo do autor), como se verifica no relato da

professora:

[...] a seqüência, a forma de fazer, eu acredito que ficou sedimentado, porque primeiro eu vi a teoria com eles, depois um exercício prático de um experimento, depois fiz isso em grupo e distribuí para o grande grupo, e isso é uma técnica! Isso é empírico? Não, isso não é empírico, isso a gente aprende com didática. Quem é avesso à didática diz que só precisa ser um bom profissional! E para fazer isso não precisa ser um bom profissional não, você precisa ter uma didática, uma forma de se expressar. Ler ou ver um conteúdo que, digamos assim, você tem um

99 THERRIEN, J. “O saber do trabalho docente e a formação do professor”. In: NETO, A. S. e

MACIEL, L.S.B. (Orgs.) Reflexões sobre a formação de professores. Campinas, SP: Papirus, 2002. pp.103-114

universo maior, como passar essa informação de uma forma de melhor assimilação ou até um esquema facilita o aprendizado. É você despertar essas formas de aprendizado (P7, 14 anos na

docência)

Na análise transversal das narrativas localizamos o aspecto dominante quanto à natureza do trabalho docente. De acordo com Azzi (2002), o professor imprime uma direção própria a seu trabalho por meio de uma interação direta com seus alunos. Isso significa que “o professor precisa e necessita de uma autonomia didática que se expressa no cotidiano de seu trabalho, pois só assim é capaz de enfrentar os desafios do processo ensino-aprendizagem e da educação” (p.36). Destacamos o depoimento da professora:

Eu detesto improviso, não sei fazer improviso...sempre programo minhas aulas ...eu não gosto de vir para aula sem saber exatamente o que vou fazer. Normalmente no início do semestre eu me organizo logo. Eu tenho para cada disciplina uma pasta... agora, é óbvio, eu não sou perfeita... Eu gosto de trabalhar a lista de exercícios, não gosto de fazer só uma avaliação nem só duas o ano inteiro. (P7, 14 anos na docência)

Daí deduzirmos que os professores da pesquisa percebem-se como sujeitos de seu trabalho ao afirmarem a autonomia e controle de seu processo de ensino-aprendizagem, a partir do saber construído no cotidiano da escola associado à dimensão didática, isto é, o saber pedagógico. Afirma-se, portanto, a “inteireza” do trabalho do professor (AZZI, ibid.), isto é, o ato de ensinar composto por atividades diversas e mesmo decomposto através de metodologias também diversas só pode ser desenvolvido em sua totalidade.

Isso demonstra o reconhecimento de que também no ensino técnico o ato de ensinar é permeado pelos saberes pedagógicos e didáticos, saberes

específicos e pelos saberes da experiência, o que se confirma no relato da professora P7, quando se refere à “presença de uma estrutura de saber” (grifo nosso), na qual organiza a sua prática de forma interativa com os alunos, evitando, assim, “o improviso” nas atividades em sala de aula.

[...] tem uma disciplina que eu já ensino 3 semestres seguidos, eu venho dar a minha aula tranqüila. Mesmo assim, eu me cobro e tem uma estrutura de saber de onde eu vim e aonde eu quero chegar. Eu estou o tempo inteiro fazendo essa correlação para os meus alunos. No início,eu mostro qual é a importância da disciplina para eles como aluno, como profissional [...], sempre relembrando durante o semestre onde a gente quer chegar, qual é o objetivo. Sempre parto da aula anterior para poder continuar a seqüência da aula. Às vezes até me faço repetitiva, porque o meu objetivo é: eu preciso entender que eles compreenderam e fecharam aquele elo para não ficar as coisas partidas. (P7, 14

anos na docência)

Nesse processo, é possível identificar a mobilização dos saberes oriundos da experiência cotidiana no trabalho que formam, segundo Tardif (2002), o alicerce da prática e da competência profissionais como uma condição para aquisição e produção dos saberes profissionais. Isto se confirma no depoimento do professor P5:

Eu acho fundamental o professor, principalmente o de ensino técnico, conhecer na prática aquilo que ele está ensinando na teoria. A técnica na minha área que eu ensino domino completamente, eu não tenho dificuldades. [...] A minha experiência lá fora executando obras facilitou muito eu chegar em sala de aula e passar isso para os alunos, não só a formação teórica que eu tive mas a experiência prática. As dificuldades que a gente encontra no dia-a-dia numa obra você não tem isso em livros. (10 anos na docência)

Esse reconhecimento acerca dos saberes necessários à docência confirma que os professores da pesquisa encontram-se de forma imbricada na fase de “estabilização” e de “diversificação”, segundo o modelo de ciclo de vida

profissional proposto por Huberman (1989)100. É uma fase demarcada pelo caráter

pedagógico no qual se expressa um “sentimento de ‘competência’ pedagógica crescente”. É a fase na qual os professores “tomam responsabilidades” para si do trabalho e da classe com o qual se identificam profissionalmente. A vivência dessa fase corrobora a idéia desse autor de que “a consolidação pedagógica é percepcionada em termos positivos, se não mesmo em termos de pleno agrado, por aqueles que a vivem” (ibId.,p.40)101. Podemos verificar nos depoimentos dos

professores:

[...] em relação à docência, quando eu entrei é realmente uma transformação grande, porque hoje em dia eu não me vejo mais sem ensinar. Às vezes “eu estou com dor de cabeça, eu estou de mau humor”, eu entro na sala de aula, eu já saio renovada. Hoje me sinto bem mais tranqüila em sala de aula. E a questão dos medos de antes, por exemplo, “se tem um aluno fazendo alguma experiência e deu algum problema, eu já venho com aquela tranqüilidade que no início eu não tinha, aquela insegurança de que “não vou conseguir resolver o problema”, ainda mais eu tinha essa idéia: “o professor tinha que saber tudo”. (P3, 19 anos na

docência)

[...] Eu fiz a opção de ser professor, não estou arrependido. Eu mudei! Eu estava caminhando para ser um engenheiro, ter a minha própria empresa. [...] A opção de ser professor acho que chegou por acaso! Era uma coisa que eu já gostava de fazer. O interesse foi isso, eu já tinha afinidade com a área de educação e acho que eu não errei, não! Eu acho que mudei, eu não sou mais engenheiro! Eu hoje sou professor! (P2, 10 anos na docência)

A fase de diversificação ou “experimentação” que ocorre em consonância com a de estabilização caracteriza-se por experiências pessoais na utilização de novos recursos pedagógicos, ou seja, os professores passam a ter uma maior preocupação com os objetivos didáticos em diversificar atividades e o material de

100 Michaël Huberman no estudo: O Ciclo de Vida Profissional dos Professores. In: NÓVOA,

Antonio. Vidas de Professores. 2ª ed. Porto, Portugal: Porto Editora, 1995, pp.31-61

ensino, os modos de avaliação, as seqüências dos programas, objetivando uma maior motivação dos alunos para a aprendizagem. Essa experimentação leva a uma maior consciência dos fatores institucionais, em que os professores participam ativamente de questões pedagógicas referentes a novos currículos, a definição de competências e habilidades específicas às suas disciplinas de ensino. Ressalte-se que todos os professores atuaram, quer como coordenadores ou como membros, nas comissões da reformulação dos Planos dos Cursos do CEFET em suas áreas.

Outra característica dessa fase verificada nos relatos dos professores é o interesse de lançar-se a novos e consistentes desafios em suas atividades cotidianas. Destacam o movimento de criação de “núcleos de pesquisa” em seus respectivos cursos, objetivando a motivação coletiva, a integração de ensino- pesquisa para a formação profissional coerente com os avanços tecnológicos, científicos e sociais. Sobre essa busca de novos desafios, Huberman cita Cooper (1982, p.81):

Durante esta fase, o professor busca novos estímulos, novas idéias, novos compromissos. Sente a necessidade de se comprometer com projetos de algum significado e envergadura; procura mobilizar esse sentimento, acabado de adquirir, de eficácia e competência (apud HUBERMAN, 1995, p. 42).

O saber e o trabalho docente desses professores são influenciados por suas características pessoais e pelo percurso de vida profissional de cada um, em que se mesclam vontades, gostos, experiências, consolidados em rotinas e comportamentos em sala de aula. Esse processo identitário envolve a pessoa e o

fazer como professor, cruzam a maneira de ser com a maneira de ensinar e desvendam na maneira de ensinar a maneira de ser” (1995, p.17), como verifica- se nos depoimentos seguintes:

[...]Acho que você tem que ser tranqüilo, ter segurança ali para estar conduzindo a coisa, ir mostrando sempre algumas coisas para os alunos que talvez está nas entrelinhas. (P3, 19 anos na

docência)

Hoje em dia não entendo mais um professor carrancudo. O professor tem que ser uma pessoa de fácil acesso, que sempre faça uma reflexão antes de dizer qualquer coisa, que aceite sugestões, que discuta as coisas. (P2,10 anos na docência)