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1 INTRODUÇÃO

3.2 A INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL-

3.3.3 A formação do ethos do executivo – a influência do management

As empresas transnacionais atualmente são gerenciadas conforme as regras do management moderno, que se opõem tanto às pequenas empresas familiares quanto ao setor público: de um lado a eficácia, a seriedade, o trabalho e as chances de sucesso exatamente ajustadas aos méritos de cada um, de outro a injustiça, o arbitrário patronal, as máfias, as castas, os tecnocratas abusivos e incapazes, a incompetência, a preguiça, o escândalo, (BOLTANSKI,1982).

Numa obra que se tornou referência na temática, Luc Boltanski aponta que a emergência desta categoria executivo (cadre) no mundo profissional francês não foi obra do acaso, mas repousou largamente sobre um trabalho ativo de distinção por parte de seus membros (BOLTANSKI, 1982).

Existiu uma imprensa para os executivos na França que exerceu um efeito homogeneizante de valores e de estilos e vida. No entanto ela só pôde exercer este efeito porque foi precedida pela formação de instituições destinadas a reformar a burguesia e a pequena burguesia de empresa inculcando-lhes os valores, os quais no estereótipo definissem a classe média americana, (BOTANSKI, 1982, p. 187).

As primeiras escolas de management foram sustentadas pela agência europeia de produtividade, que a partir de 1956 organiza o envio de futuros professores para períodos de formação e um ano as universidades americanas e organiza também cursos de verão abertos aos professores que desejam se “familiarizar com o conteúdo e os métodos de ensino de executivos do outro lado do Atlântico.” (BOLTANSKI, 1982, p. 193). Tradução livre da autora.

O valor que a vanguarda do management compactua com as novas “tecnologias sociais” inspiradas da psicologia tem, ao menos parcialmente, a capacidade de conciliar exigências, justamente tidas por relativamente contraditórias, porque remetem a universos diferentes de práticas e de discursos, e em última instância a grupos sociais diferentes. De um lado o imperativo industrial reclama a racionalização, a disciplina de empresa, o respeito às hierarquias, e de outro lado exige a imaginação, a inteligência, a iniciativa e sobretudo a flexibilidade dos executivos. O management moderno instaura por sua vez, um tipo de relação

entre superiores e subordinados (executivos), sob uma forma controlada de “permissividade” que exclui, tanto a obediência cega quanto o conflito aberto e que está bastante associada , ao menos nas estruturas mentais, aos grupos “intelectuais” e aos “criadores” (BOLTANSKI, 1982, p. 201).

A introdução do “management”, das relações humanas, da dinâmica de grupo, do marketing e sem dúvida, mais profundamente, das representações do agente econômico como livre sujeito investido pelo “desejo” de êxito e de consumismo neles subjacente, contribuiu também, afirma Boltanski (1982), indissociavelmente a impor, particularmente entre os executivos, a superioridade das normas, dos saberes e de objetos associados, com ou sem razão, à cultura dos Estados Unidos e a fazer reconhecer como inelutável a evolução através de uma ordem social, em que a sociedade americana constituía a realização mais perfeita.

A homogeneização parcial de sistemas de valores e de estilos de comportamento, cuja “indústria do management" foi um dos seus instrumentos, permite notadamente compreender um dos aspectos remarcáveis do funcionamento das empresas multinacionais e transnacionais, que é a atitude de encontrar e constituir, nos países dotados de estruturas sociais e de tradições culturais relativamente diferentes, um pessoal de enquadramento suficientemente homogêneo, para tornar possível uma orquestração de políticas internas, de regras de gestão do pessoal e sem dúvida, para mais além, de hábitos profissionais (BOLTANSKI, 1982).

A modificação do ethos do executivo - A racionalização das carreiras

Os instrumentos psicológicos de reeducação da burguesia francesa não teriam sido suficientes para operar as transformações quase miraculosas que esperavam os altos funcionários e os patrões modernistas, se as mudanças institucionais não tivessem contribuído paralelamente para modificar o ethos e particularmente o ethos econômico, a relação ao dinheiro e ao tempo, ao patrimônio, à poupança, ao consumo e ao crédito (mas também a escola) de frações importantes da burguesia e da pequena burguesia, afirma Boltanski. “A

racionalização das carreiras constitui em torno dos anos 1960, a preocupação dominante”. (BOLTANSKI, 1982, p. 220).

Destinada a responder a algumas necessidades frequentemente formuladas pelos executivos como: ser informado rapidamente de sua carreira, conhecer as avaliações de seus superiores sobre eles, ascender rapidamente a responsabilidades verdadeiras, entre outras, a racionalização de carreiras se dá ao mesmo tempo em que se desenvolvem as burocracias privadas.

Ela tem por função essencial reduzir as tensões que acompanham a “modernização” e a reestruturação do campo econômico, oferecendo à frações da burguesia e da pequena burguesia um sistema de segurança econômica e social, capaz de compensar o desaparecimento progressivo dos dispositivos que, no capitalismo familiar, asseguravam aos agentes uma relativa segurança e lhes permitiam, notadamente, ter o pulso sobre seu futuro (BOLTANSKI, 1982).

Em afinidade objetiva com o aumento do reconhecimento acordado ao título escolar, e mais geralmente à “competência”, por oposição à propriedade, o estabelecimento de “critérios objetivos” de carreira é necessário para manter a um nível elevado a “moral” dos executivos e evitar que o ressentimento ligado a ocupação de uma posição subalterna não os faça tomar por objeto, a arbitrariedade dos patrões. Enfim, a manipulação das esperanças de carreira é também um instrumento eficaz de gestão de executivos que contribui para a formação de seus investimentos profissionais e de seu sentido de competição (BOLTANSKI, 1982).

Na maior parte das grandes empresas, o acesso a posições de executivo implica a passagem por uma instituição, cujo papel principal é assegurar a integração do novato, tratando-se das escolas de vendas, escolas de graduação, das escolas de executivos, de estágios de acolhimento, de seminários de formação, entre outras. A inculcação sistemática do “espírito da casa” é particularmente necessária ainda que os novos executivos sejam destinados a exercer funções arriscadas e isoladas, como é o caso de engenheiros expatriados para as filiais da empresa nos países em desenvolvimento (BOLTANSKI, 1982).

Tudo é feito para mostrar aos executivos que a empresa está “atenta a seus problemas” para que eles se sintam em confiança e para que eles se confidenciem a

seus superiores. Mas cada um sabe que todas as oportunidades de reuniões, sejam profissionais, sejam sociais, são uma ocasião para serem avaliados por seus colegas, superiores e concorrentes, numa forma sutil de controle social (BOLTANSKI, 1982).

Qual a homogeneidade do grupo?

O discurso sobre o management levou os executivos a tomarem consciência de sua existência como grupo e a partir daí se realizar. No início dos anos 1960, o grupo se reconhece nas instituições: centros de formação, seminários, caixas de aposentadoria específica, associações para o emprego, federação nacional de compras. Os executivos levaram a cabo a invenção de seu grupo social. “A figura do executivo, longe de chegar a seu fim se expande e se diversifica , integrando estes novos grupos, transformados em portadores da racionalização do management, no qual se pode ver uma das faces do processo secular da racionalização da vida” (CHÉRONNET; GADÉA, 2009, p.83). Mas isso não seria suficiente para garantir a coesão do grupo se a maior parte dos pequenos executivos e dos autodidatas, em particular, não aderisse à imagem socialmente dominante, ao estilo de vida, aos valores do grupo, se eles não tivessem o sentimento de figurar entre a elite, e se não acreditassem em construir uma carreira.

A categoria de executivos (cadres) não desaparece porque ela constitui justamente “um conjunto disperso”, escreve Boltanski (1982).

Desde então, o executivo está em todo lugar. O termo fez fortuna, designando categorias de assalariados muito extensa e diversa, indo do diretor geral à “secretária executiva”, do pesquisador de ponta ao chefe de atelier. Ser executivo é simplesmente escapar à condição proletária, não sujar as mãos.

“Eles representam e encarnam o princípio meritocrático. O executivo não é um proprietário nem um herdeiro, mas não é mais um simples agente técnico. Sua habilidade ultrapassa apenas a capacidade técnica, tanto quanto ele escapa da simples lógica da rentabilidade financeira. Ele permanece duplamente vulnerável, pego entre uma gestão de proximidade, repousando sobre sua legitimidade técnica e uma participação aos objetivos definidos pelos governos das organizações” (KARVAR; ROUBAN, 2004, p.18).

Hélène Chéronnet e Charles Gadéa constatam que o processo de categorização resultante a que certos profissionais sejam qualificados de executivos se propagou no curso do período recente no trabalho social, no ensino e nos estabelecimentos de saúde, justamente em profissões que se mantinham distantes dos imperativos de produtividade e rentabilidade, habitualmente inerentes à atividade de executivos de indústria. “Este processo está ligado à influência da ideologia liberal e à difusão de lógicas de racionalização de gestão, nas administrações e nos serviços públicos.” (CHÉRONNET; GADÉA, 2009, p. 73).

A este conjunto disperso é impossível, no entanto, definir características comuns. De um lado, porque as organizações que os representam, e que adquiriram direito de cidadania, são muito numerosas. E por outro, porque símbolos particulares são ligados ao executivo: um modo austero de se vestir, material de escritório, linguagem que testemunha certo tipo de inserção profissional, nomenclatura codificada que é, aliás, desprovida de significado: chefe de projeto, chefe de produto, diretor de marketing, executivo técnico-comercial.

Por outro lado, o executivo está ligado à empresa não somente pela retribuição, mas por um engajamento de fidelidade recíproca. Ele faz corpo com ela, e esta absorção é reconhecida pelos direitos particulares. Assim se explica o inchaço extraordinário do número de executivos em alguns anos, até ao ponto em que eles comandam apenas a eles mesmos. “O estatuto social dos executivos está estreitamente ligado à ideia de uma organização do trabalho. Ele tem uma competência particular, permitindo fazer trabalhar em equipe, pessoas de competências e talentos diferentes e ajustar recursos humanos ou técnicos dentro de conjuntos complexos. Os executivos são a organização” (KARVAR; ROUBAN, 2004, p.17).

Não existe consciência de classe própria a esta categoria, segundo Boltanski (1982). A homogeneidade não existe e os executivos se compõem de uma miríade de identidades, em que os engenheiros representam apenas um dos subgrupos. No entanto, como analisa Boltanski, o grupo executivo se percebe e se vê como um conjunto coerente e unido, que repousa sobre o poder atrativo do título. Ser executivo funda a unidade simbólica do grupo. Na realidade, objetivamente, cada um sabe bem e tem a plena consciência da extraordinária distância que existe e opõe os

executivos dirigentes, vindos de grandes universidades, e os executivos autodidatas (BOLTANSKI, 1982).

Boltanski afirma que a categoria de executivos repousa sobre a ilusão à qual eles aderem. Cada qual crê em suas chances, e a própria existência da categoria executivo repousa sobre a ideia de mobilidade. Ser executivo é finalmente estar numa perspectiva ascensional permanente. Perspectiva por sua vez potencialmente real e estatisticamente fraca (BOLTANSKI, 1982).

Bouffartigue e Gadéa consideram os executivos como assalariados antes de tudo, vivendo da venda e da colocação de sua capacidade de trabalho à disposição dos empregadores e também de uma relação de subordinação. Tornaram-se executivos devido a seus estudos superiores – perfil dominante do expert ou do profissional, ou pela promoção em curso da vida ativa – perfil privilegiado no enquadramento hierárquico subalterno em que seu empregador lhes delega uma parcela de autoridade e lhes reconhece algumas formas de autonomia associadas a esperanças de carreiras (BOUFFARTIGUE; GADÉA, 2000).