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Entre a carreira e a família: o desafio das executivas globais na

1 INTRODUÇÃO

6.1 EXPATRIAÇÃO E CASAMENTO

6.1.3 Entre a carreira e a família: o desafio das executivas globais na

Rosaldo e Lamphere (1979) afirmam que as mulheres só adquirem poder e um sentido de valor quando são capazes de transcender os limites domésticos, tanto penetrando no mundo “dito” masculino, como criando uma sociedade entre elas mesmas.

A trajetória da mulher profissional, em sua luta por conciliar carreira e família, ainda tem sido permeada por uma série de desigualdades, que são vividas tanto na esfera das empresas, quanto na esfera íntima da família.

Segundo Oliveira, quando o sistema social não valoriza as atividades domésticas da mulher, mas confere valor às atividades masculinas, ele está emitindo uma sinalização dúbia para as mulheres: seja doméstica para garantir a sobrevivência da família e tenha poder e valor trabalhando fora, gerando grandes conflitos para a maioria das mulheres, que vivem se questionando se estão tomando a melhor decisão para suas vidas (OLIVEIRA, 1999).

Muitas são as consequências desta dubiedade em que estão circunscritas as mulheres. As que optam pela carreira estão sempre carregando o peso de não serem “perfeitas” mães, esposas ou donas de casa. E as que optam pela vida exclusivamente doméstica, tendem a desenvolver um sentimento de baixa autoestima, comparando-se de forma desfavorável com as mulheres que têm uma vida pública mais valorizada pela sociedade, em muitos casos gerando crises contínuas de depressão no momento em que os filhos crescem, se tornam independentes e saem do “ninho”.

O sentido de utilidade destas mulheres sofre um enorme baque nestes momentos. Muitas vão tentar uma entrada na vida pública, buscando uma oportunidade no mercado de trabalho. Se não em atividades remuneradas pelo menos em atividades sociais beneficentes, para compensar o sentimento de desvalor criado no interior da família e corroborado pela sociedade.

Nesta pesquisa, a dubiedade apontada por Oliveira (1999), é também vivida pelas executivas globais, que pretendem ser eficientes no trabalho e ao mesmo tempo com a família. Algumas contam com o apoio do marido na expatriação, que se ocupam mais com os filhos, outras já não recebem este tipo de apoio, tendo de contar com os serviços de uma empregada doméstica.

Valentina encarna a situação de dubiedade vivida pelas mulheres. Gerente de projetos numa indústria francesa da área automobilística e expatriada para o Brasil, Curitiba, ela assim se expressou:

Na França, no final do dia não estou feliz. É muito difícil para a mulher. A impressão é que o trabalho não foi bem feito. Se você tem dois filhos, em um dia de trabalho você não está satisfeita. Quando você chega em casa você pensa: podia ter saído mais cedo da empresa. Não se fica feliz na empresa, nem em casa. Tenho um sentimento de culpa.

Carla, francesa, 33 anos, expatriada para o Brasil e diretora de empresa na área cultural em Curitiba, trabalha de 10 a 12 horas e quase não vê os filhos. Chega em casa perto das 22 horas e os filhos já estão dormindo. Ela leva os filhos na escola e a babá busca, pois o marido brasileiro não gosta de ter muita responsabilidade com os filhos, que ficam mais com a babá. Só compareceu a uma reunião da escola.

Carla relatou que o esposo reclama que ela trabalha muito, mas ela afirma “precisar” de muito tempo para fazer o trabalho direito. Ela se cobra muito no trabalho. Carla vê como “um custo do trabalho” criar os filhos na expatriação, longe dos avós, tios e primos, situação que ela lamenta muito e deseja modificar retornando senão para a França, pelo menos para a Europa. Mas ela tem dúvidas se o esposo vai aceitar este retorno.

No momento da entrevista o casal estava vivenciando uma espécie de crise, desentendendo-se em relação ao futuro da relação conjugal. Carla afirmou que seu esposo faz o mínimo em casa e se ocupa também muito pouco com os filhos. Ela assim se expressou: “Eu não gosto de ficar chorando, pedindo ajuda. Prefiro manter

para mim as dificuldades e gastar o tempo que for preciso para resolvê-las”.

Esta executiva carrega consigo o peso do trabalho e utiliza a mão de obra de uma empregada para suprir sua ausência na família com os filhos. “Meu marido não

tem qualquer planejamento de vida. Faz o que quer e na hora que quer, não posso contar com ele”, desabafou Carla constrangida.

Este é um exemplo típico do “modelo de delegação” que nos relata Helena Hirata em seu artigo com Danièle Kergoat de 2007. As autoras defendem neste artigo a emergência desse modelo, que substitui ou se sobrepõe ao “modelo da conciliação” vida familiar/vida profissional na França.

Para as autoras, a emergência desse modelo se deve à polarização do emprego das mulheres e ao crescimento da categoria de profissões de nível

superior e de executivas, que têm ao mesmo tempo a necessidade e os meios de delegar a outras mulheres as tarefas domésticas e familiares. As autoras acreditam que esse modelo de delegação só tem sido possível pela expansão dos empregos em serviços nos países capitalistas ocidentais, tanto desenvolvidos como semi- industrializados e em vias de desenvolvimento como o Brasil, oferecendo novas “soluções” para o antagonismo entre responsabilidades familiares e profissionais (HIRATA; KERGOAT, 2007).

Se algumas executivas encontraram a possibilidade de delegar algumas tarefas domésticas, a fim de conciliar carreira e família, outras nem ao menos se arriscaram a constituir uma família, declarando a “incompatibilidade” entre família e expatriações constantes.

Este foi o desabafo inicial de Daniela, diretora de uma das casas de estudantes estrangeiros, na cidade universitária internacional de Paris, assim que iniciamos a conversa. « Pas de mari, pás d´enfant e pas de loisir. » Ela foi logo se definindo como “sem marido, sem filhos e sem lazer”. Norueguesa, 48 anos e expatriada na França, esta executiva acumula dois empregos em Paris. Na cidade universitária internacional e em uma embaixada em Paris.

Tenho um companheiro na navette. (Significa que ele vai e vem pra vê-la, está sempre viajando). Ele é jornalista e não pode deixar o trabalho para viver na França comigo. Eu vivo só. Tenho também uma vida diplomática, pois tenho dois trabalhos, sendo um na embaixada da Noruega em Paris. Quase não tenho lazer.

Daniela leva uma vida voltada ao trabalho e deseja retornar ao seu país, onde, segundo ela, as condições de vida para a mulher executiva são bem melhores do que na França. Enfatizou que em seu país, menor e mais rico que a França, e onde as pessoas ganham mais, há a lei da paridade, que propõe o mesmo salário para homens e mulheres, e as empresas se esforçam para cumprir a lei. “Cai bem

fazer isso”, afirmou Daniela.

As mulheres na Noruega que ficam em casa só cuidando de filhos nem são bem vistas. Todas trabalham fora. Na França há muito preconceito com a mulher. Se uma mulher entra sozinha num bar já é mal vista. Já pensam que ela está querendo alguma coisa. Na Noruega não é assim. A mulher tem mais oportunidades e liberdade. Os franceses são conservadores e preconceituosos.

Na fala de Daniela pode-se perceber a insatisfação com a expatriação e o custo imputado a ela por esta situação. Constituir uma família segundo ela é quase impossível em sua profissão, em que ocorrem muitas mudanças. A saúde abalada, a saudade de seu país, o companheiro distante e a discriminação de gênero na França, são fatores que a fazem refletir sobre sua carreira e família. A idade avançada dos pais é outro fator importante para ela desejar retornar à Noruega. “Ficar mais perto, cuidar deles na velhice”.

Esta declaração de Daniela levanta uma outra questão de gênero: sobre o cuidado dos idosos. Na percepção de grande parte da sociedade esta é uma tarefa exclusiva das mulheres, quase nunca realizada pelos homens da família, ressaltando mais uma vez a oposição binária que se construiu sobre “o que é ser mulher e o que é ser homem” em nossa sociedade. Nesse caso gerando um sentimento de culpa naquelas que estão impossibilitadas de fazê-lo, como na situação de Daniela.