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1 INTRODUÇÃO

3.2 A INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL-

3.3.2 De gerentes a executivos – a formação de uma categoria social

No início do século XX, com a difusão e emprego dos métodos Tayloristas visando ao aumento de produtividade chamada “administração científica” (TAYLOR, 1980), as empresas priorizaram cada vez mais a segmentação de papéis e de funções de seus trabalhadores, com o intuito de aumentar a produtividade do trabalho, promover o controle e aumentar o lucro dos negócios. Juntamente a esse processo algumas categorias sociais e profissionais foram criadas para diferenciar o trabalho gerencial do trabalho operacional. Gerente foi a categoria que, no início do século XX, designava o profissional de comando e controle das empresas.14

Ao longo dos anos e com a expansão das ETN´s para outros países, essa categoria sofreu algumas mudanças, servindo hoje para designar o profissional qualificado que é responsável por desenvolver um projeto, tanto no seu país quanto no exterior, tendo ou não uma equipe sob sua supervisão. Nesta pesquisa interessa entender como estes processos se deram, como surgiu esta categoria social – a do executivo. No Brasil, como em alguns outros países, (EUA) esta categoria é tratada por executivo, noutros por técnicos. Exceção se faz à França, onde este profissional é chamado de cadre15.

13 Ressalto que a nova posição dos engenheiros no papel de administradores é uma

realidade mais recente na sociedade brasileira, e mesmo não se constituindo no objeto desta pesquisa, é um tema importante, que poderá ser desenvolvido em pesquisas posteriores.

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Geralmente a palavra gerência é usada para denominar o conjunto de funcionários altamente

qualificados que se encarrega de dirigir e gerir os assuntos de uma empresa. O termo gerente refere- se ao profissional que cumpre diversas funções na empresa, como coordenar os recursos internos, representar a firma perante terceiros e controlar as metas e os objetivos.

15 Na França, o executivo recebe a denominação de cadre, que, segundo o dicionário Le Petit

Larousse Ilustré da língua Francesa é alguém assalariado, exercendo uma função de direção, de concepção ou de controle numa empresa, e que se beneficia de um estatuto (status) particular.

Iniciando pelas definições clássicas, temos que executivo é o indivíduo que ocupa um cargo de direção ou de alta responsabilidade em organização financeira ou comercial. Aquele que tem a incumbência de realizar as leis, os regulamentos, as normas. Que tem a capacidade para agir, para decidir, conforme verbete do dicionário Houaiss da língua portuguesa.

A palavra "executivo", com a acepção "gerente", é um termo de origem recente na língua portuguesa. Trata-se da transliteração do termo norte-americano "executive". O primeiro uso desta palavra na imprensa de massa no Brasil apareceu, segundo Roberto Grün, no Jornal da Tarde, de 21.05.1973, num artigo com os seguintes título e comando: "OS HOMENS QUE MANDAM NAS EMPRESAS (ELES NÃO SÃO OS DONOS). São os executivos. Ganham entre 10 e 15 mil mensais; andam bem vestidos, mas com discrição; não gostam de aparecer em fotos; e procuram fazer com que a empresa progrida sempre. Tudo de acordo com a orientação geral, recebida do dono" (GRÜN, 1992).

A partir dessas definições iniciais de gerente/executivo aqui delineadas, julgo pertinente, para fins desta pesquisa, apresentar um referencial teórico que se ocupa em demonstrar as origens deste profissional, esboçando o contexto histórico e político do seu surgimento como grupo social específico, como também acompanhar a evolução e as tendências desta categoria profissional, para subsidiar a análise dos dados obtidos na pesquisa de campo, realizada no Brasil e na França.

Atualmente, dentro desta categoria, que engloba profissionais das mais variadas formações, exercendo também variadas funções, nosso olhar se deterá nos profissionais hoje classificados por “executivos globais”, que além de exercerem funções diretivas, de concepção e de controle de grande responsabilidade, ainda o fazem em alta mobilidade internacional, devido às constantes expatriações que vivenciam, no decorrer de sua trajetória profissional nas empresas transnacionais (ETN´s).

Para tal vamos nos valer das pesquisas clássicas de alguns autores brasileiros e franceses da sociologia, que se voltaram especificamente para a pesquisa nesta temática.

“Executivo” – uma categoria social construída

O primeiro trabalho, datado de 1982 e tido como um clássico nesta área se deveu aos esforços de pesquisa de Luc Boltanski. Trata-se da obra “Les cadres. La

formation d´un groupe social”. (Os executivos. A formação de um grupo social). O

autor apresenta a conjuntura histórica no qual o grupo se constituiu na França. Começando com a crise de 1936, a história do grupo na França está estreitamente ligada à história das lutas sociais e políticas que acompanharam a reconversão da burguesia e da pequena burguesia tradicionais. No entanto, para o autor, o reagrupamento dos executivos (cadres) não é o simples resultado de uma fatalidade econômica ou técnica. Ele é resultado da ação de múltiplas tecnologias sociais16 de mobilização, identificação e enquadramento.

Segundo Boltanski foi devido a um imenso trabalho coletivo que o grupo se estabeleceu nas instituições, e acabou por fazer reconhecer sua existência, como se fundada desde sempre, na natureza das coisas. O autor Boltanski chega a comparar o comportamento destes profissionais ao comportamento de soldados. Para ele as grandes empresas se suprem de homens reconhecidos no mercado por sua tenacidade e sua fidelidade.

A identificação destes homens aos valores de ordem, sua docilidade, seu espírito de corpo e, mais geralmente, o conjunto das disposições que eles engajam em seu trabalho, não são tão diferentes das disposições que fazem o bom soldado, o suboficial. (BOLTANSKI, 1982, p.44). Tradução livre da autora.

O autor utiliza a metáfora do soldado para definir o executivo e do exército para definir a empresa. Para o autor, a empresa se vê um corpo em marcha do mundo ordinário, como o exército, que pretende conciliar a segurança e o espírito de iniciativa, o sentido de hierarquia e o igualitarismo.

O objetivo de conciliação apontada por Boltanski torna-se, no meu entendimento, cada vez mais difícil de ser alcançado pelo fato de tentar unir valores

16 O termo tecnologia social é utilizado pelo autor para se referir aos modelos de gestão de pessoal das empresas norte -americanas que foram difundidos na França.

tão dicotômicos quanto paradoxais. O que se vê atualmente, ao invés disso, é um ambiente de conflito latente nas empresas.

Ressalto nesta pesquisa outro sociólogo francês, Paul Bouffartigue, que também se interessou pela temática dos “cadres” ou executivos. Para este autor, ainda se falará de cadres por algum tempo na França, muito embora de todas as partes afluam sinais de sua perda de substância.

O autor afirma que o aparecimento da categoria executivo é antes indissociável de certa época industrial, ao curso da qual o paradigma taylorista se impôs, para separar claramente os que concebem dos executantes. O executivo é antes um intermediário, numa cadeia de comando na empresa. Ele se beneficia deste fato, em troca de uma disponibilidade extensiva para a empresa, de uma autonomia sobre seu trabalho e de uma opacidade em seu emprego de tempo, tido como exorbitante em relação à situação do trabalhador (BOUFFARTIGUE, 2001).

No momento onde ele emerge na França, tratava-se de uma pequena elite assalariada privilegiada, oriunda notadamente dos filhos de uma burguesia em declínio econômico, aponta Bouffartigue. A hegemonia masculina foi consubstancial a este modelo, designada pela figura por empréstimo da figura do oficial militar. Transpondo o modelo de emprego da função pública, as grandes empresas francesas puderam, por longo tempo, se beneficiar da lealdade de seus executivos, em troca da segurança do emprego e da carreira. Certo é que as empresas podiam se permitir a redistribuir uma parte dos dividendos de seu forte crescimento.

Havia um sindicalismo poderoso que defendia a hierarquia salarial e se esforçava por assegurar a referência à ordem e à autoridade. E na cidade, o executivo encarnava os valores da modernidade e do êxito social, em voga numa França em plena expansão econômica. (BOUFFARTIGUE, 2001, p.234). Tradução livre da autora.

Traço por traço, as linhas desta figura social são atacadas, e as referências unitárias de enquadramento tendem a se apagar. O paradigma taylorista é colocado em questão pela montagem dos serviços e da revolução informacional. Os empregos de executivos mais dinâmicos são fundados sobre a expertise, certificados por um diploma superior e conhecem novas formas de prescrição e

constrangimento, geradores de uma carga de trabalho elevada e se exprimem pelo famoso stress que se estampa nas páginas das revistas, aponta Bouffartigue (2001).

A maior parte dos executivos não se enquadra mais ou quase não mais: a função de autoridade não permite mais unificar ou identificar os empregos, as trajetórias e os meios profissionais são cada vez mais diversificados. Os dois pilares da confiança, a carreira programada e a segurança do emprego, foram erodidos pelo desaparecimento dos planos de carreira e o aparecimento do desemprego a uma escala nova, em meados dos anos 90 do século XX. A disjunção entre as performances financeiras das empresas, as suas recaídas salariais e o afastamento de seus centros de decisão fizeram o resto (BOUFFARTIGUE, 2001).

Enfim, o êxito social não se identifica mais, de maneira assim tão clara, com o modelo de executivo definido anteriormente. Assinala-se um fenômeno inimaginável outrora, de assalariados recusando uma promoção ao estatuto de executivo, associado a seus olhos a muita servidão.

No entanto, não se pode sustentar a tese de uma proletarização destes assalariados, que se refere à figura do trabalhador não qualificado ou àquela do trabalhador profissional. É que a inserção mais estreita dos executivos na condição assalariada é acompanhada de contra tendências, essas últimas afetando largas camadas do assalariado. A generalização das certificações superiores e a complexidade do trabalho fazem parte dessas contra tendências (BOUFFARTIGUE, 2001, p. 237).

Ainda persistem muitas condições que permitem ao executivo resistir ao rebaixamento de sua categoria e a uma subordinação total às empresas. A favor do assalariado de confiança conta sua formação em instituições especializadas. “Ele herda predisposições de primeiro plano, das quais figuram seus saberes e competências certificadas, seu reconhecimento e sua valorização como primeiras armas, permitindo com que ele se defenda individualmente face às lógicas da subordinação salarial” (BOUFFARTIGUE, 2001, p. 238).

3.3.3 A formação do ethos do executivo – a influência do management