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1 INTRODUÇÃO

5.2 ATUANDO EM EQUIPES MULTICULTURAIS

5.2.1 Cultura, multiculturalidade e interculturalidade

A cultura é algo muito vasto, muito importante, inscrita muito profundamente nas estruturas sociais, na história, no inconsciente, na experiência vivida e no vir a ser coletivo humano, para ser tratada, de maneira tão trivial, como uma variável dependente, cujos fatores e componentes podem ser isolados, medidos, tratados e construídos (AKTOUF, 1996).

A citação acima revela a preocupação de Omar Aktouf, professor da escola de altos estudos de Montreal, quanto ao uso do conceito de cultura utilizado pelas organizações, descolado de seus significados mais profundos e complexos dados pela antropologia.

Para Aktouf há um exagero e uma inadequação no uso desses conceitos quando transportados para o âmbito das empresas, e ele alerta que deve-se ter cuidado ao analisar a literatura pertinente à cultura das organizações (1996).

Segundo o autor a cultura é um complexo coletivo feito de “representações mentais que ligam o material ao imaterial” (1996).

Nesse entendimento a cultura implica uma interdependência entre história, estrutura social, condições de vida e experiências subjetivas das pessoas, constituindo-se em um conjunto de elementos em relações dialéticas constantes: relações concreto-econômicas, sociais e simbólicas.

Dessa forma, não é possível separar as ideias e as representações daquilo que constitui a vida social, articulada da maneira como estão distribuídos os status, os papéis relativos às diversas situações sociais e as relações de produção estabelecidas em torno das atividades econômicas (AKTOUF, 1996).

Tida como um conjunto de mecanismos mentais que controlam e orientam o comportamento das pessoas em sociedade, a cultura é constituída de símbolos que dão significado à vida humana (GEERTZ, 1978).

Na corrente dominante a ‘cultura de empresa’ é tida como a quase mágica comunhão de todos, patrões e empregados, dirigentes e dirigidos, em um mesmo e entusiástico movimento de sustentação da empresa e seus objetivos, conceito bastante discutido por Aktouf.

A empresa é concebida como um “cimento social, um sistema de crenças, de valores e de normas, que constituem modelos de comportamento, um conjunto de símbolos, de significados e de objetivos compartilhados” (AKTOUF, 1996, p. 43).

Para Carvalho, o conceito de cultura organizacional é uma forma redutora do conceito de cultura, uma vez que sugere que a empresa não só é capaz de criar uma cultura própria, de acordo com sua vontade, mas de impô-la aos membros da organização. Neste sentido a cultura apresenta-se como algo exterior aos indivíduos, acima deles e que se impõe sobre seus comportamentos e não como um fenômeno que é vivido e construído nas e através das relações sociais (CARVALHO, 1997).

Pretendendo ser uma forma de gerar uma identidade entre os indivíduos com a empresa, o movimento de cultura organizacional, ainda que comporte um inegável aspecto participativo, não coloca um paradeiro nem na alienação nem na dominação, assevera Aktouf (1996).

Interpretando algumas falas dos executivos/as entrevistados, sobretudo de brasileiros expatriados para a França, trabalhar até depois do expediente, “vestir a camisa da empresa”, aceitar a expatriação, cumprir metas elevadas de trabalho, muitas vezes são por eles interpretadas como parte da cultura da empresa que eles têm de seguir, “para não dar uma má impressão, ser discriminado”, como relatado por Túlio, e não como mecanismos de exploração e dominação.

Atuando em equipes multidisciplinares e multiculturais estes profissionais expatriados se deparam com outros modos de trabalhar e de viver de colegas, subordinados e superiores, que restringe o desenvolvimento de uma convivência plural enriquecedora, isso devido às suas próprias percepções do que seja cultura,

multiculturalidade, interculturalidade e diversidade cultural. As empresas, ao propiciarem uma preparação limitada aos seus profissionais, como já relatado anteriormente, acabam influindo na concepção que os executivos/as formam sobre a diversidade cultural que vão encontrar na expatriação.

O próprio conceito de diversidade cultural é refém de uma ideologia que hierarquiza as raças, tomando o ocidente rico como o padrão de normalidade. Neste sentido, os programas de preparação para a expatriação se restringem a ensinar os executivos como eles devem produzir ao lado de pessoas diferentes, ignorando as diferenças ou tolerando-as pacificamente, mas não respeitando, absorvendo, nem aprendendo a cultura do outro, julgada desviante.

Lévi-Strauss ensina em "Raça e História" o quanto a insistência na ideologia da História cumulativa, baseada na concepção positivista de progresso e no conceito de raça, obscureceu a análise da diversidade cultural e humana e auxiliou a propagação do processo de ocidentalização. Tratava-se de uma intenção de elidir as alteridades, processando uma inclusão das diferenças no projeto ocidental pela exclusão dos traços culturais centrais que permitiam pensar as próprias diferenças, por um lado, mas que também, por outro lado, permitem estabelecer relações de colaboração entre as culturas (2003).

A diversidade cultural é um fato intrínseco ao mundo contemporâneo, e conforme sustentam Barbosa e Veloso, da mesma forma, a percepção de que vivemos num mundo diverso e multicultural, composto de vários diferentes que ocupam um mesmo espaço, também é parte constitutiva deste mundo contemporâneo, globalizado e marcado pelo desencaixe de tempo e espaço ambos comprimidos ao extremo de suas possibilidades (HARVEY, 2003). Tais fatos põem profundamente em cheque a utilidade do conceito de “cultura”, tanto no sentido que a antropologia lhe dá habitualmente, como também nos sentidos que lhes são atribuídos pela sociedade, seja através dos movimentos sociais ou dos grupos intelectualizados da população, seja através das definições propostas pelas empresas transnacionais (BARBOSA; VELOSO, 2007).

Ainda em Barbosa e Veloso, enquanto o conceito de multiculturalidade enfatiza a coexistência de vários diferentes no interior de um mesmo espaço e ao mesmo tempo, sem a necessidade de interação, com uma interação limitada ao

mínimo necessário para a operação da vida cotidiana ou, ainda, circunscrita à dimensão pública e jurídica, o conceito de interculturalidade enfatiza o oposto: que a “comunicação” entre os diferentes que habitam um mesmo espaço ao mesmo tempo se dá pela necessidade do estabelecimento de uma base comunicacional comum, a partir de sua mútua compreensão a respeito do que, naquele determinado contexto, deve ser o centro da comunicação. No entanto, no caso específico das empresas transnacionais, o que está no centro da comunicação são os objetivos do negócio e a melhor forma de atingi-los (BARBOSA; VELOSO, 2007).

A partir do relato dos executivos/as e baseando-me nas conceituações anteriores, afirmo que o ambiente de diversidade cultural com a qual se depararam os executivos/as globais nas expatriações promoveu alterações em seu modo de trabalhar em equipes multiculturais, em certas situações por uma razão instrumental, mas em outras por um aprendizado real, fruto de uma alteridade para com a cultura do outro.

Estas alterações tanto se restringiram a um comportamento intencional, situado e provisório, movido a fins, como muitos dos casos relatados, quanto foram também internalizadas e incorporadas no cotidiano do trabalho, inclusive na repatriação, por representarem um aprendizado e um crescimento real e significativo no trabalho com o outro.

Nesta perspectiva, posso afirmar que a interculturalidade está sendo praticada pelos executivos/as, ainda que não em toda a sua potencialidade, nas expatriações.

Ressalto, no entanto, que a interculturalidade praticada nas experiências relatadas, ainda que limitada, deveu-se muito mais aos esforços dos próprios executivos/as através da abertura de espírito, solidariedade e generosidade que praticam entre si, do que a esforços empreendidos pelas empresas. Estas, com o estilo de gestão da mobilidade internacional de recursos humanos que praticam, não oferecem qualquer tipo de programa para promover a interculturalidade e se restringem a oferecer um “manual de sobrevivência” para o executivo/a na expatriação, favorecendo uma convivência mais instrumental.

A partir destas considerações concluo este tópico afirmando, que ainda que não tenha sido relatado desta forma, percebi que uma cultura ilumina a outra na experiência de expatriação dos executivos/as. Franceses, brasileiros, portugueses, colombianos e noruegueses acabaram realizando trocas culturais importantes e aprenderam com as diferenças, mesmo que não o tenham diretamente reconhecido.