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2 GÊNEROS TEXTUAIS: DA TEORIA À SALA DE AULA

3.2 A formação do pedagogo e a transdisciplinaridade

De acordo com informações disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2006 havia 1.562 cursos presenciais de Pedagogia no Brasil, sendo a maioria ministrada por universidades particulares (32%). Nesse ano, apenas 10% das universidades que ofereciam esses cursos eram federais [Tabela 1].

Abaixo, podemos ter um recorte de como se apresentava o curso de Pedagogia no Brasil em 2006 segundo a pesquisa de Gatti (2009).

Quadro 2 : Cursos de Pedagogia/2006 e respectivas matrículas, segundo a categoria administrativa das IES

Essa pesquisa mostra que muitos cursos de Pedagogia no Brasil são oferecidos por instituições superiores que possuem autonomia de oferta. Esse dado alerta que, muitas vezes, os currículos adotados por tais instituições podem ser discrepantes, o que pode afetar o desempenho desses profissionais no mercado de trabalho. É importante ressaltar que cada instituição tem suas especificidades, uma vez que devem levar em conta as características locais, o perfil dos alunos entre outras questões que diferenciam as universidades. Porém, é importante pensar também em uma base comum, que caracterize o curso de Pedagogia no geral.

A fim de evitar tais discrepâncias nessa base, também em 2006, o Conselho Nacional de Educação publicou uma resolução que institui Diretrizes Curriculares Nacionais direcionadas para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Esse documento define “princípios, condições de ensino e de aprendizagem, procedimentos a serem observados em seu planejamento e avaliação, pelos órgãos dos sistemas de ensino e pelas instituições de educação superior do país”. (RESOLUÇÃO CNE/CP 1/2006. Seção 1, p. 11.)

Essas Diretrizes aplicam-se à formação do Pedagogo para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A respeito da construção do curso de Pedagogia, é interessante transcrevermos o que consta em alguns artigos desse documento. Para posteriores comentários, algumas partes foram destacadas. Vejamos o que diz o documento:

Art. 3º O estudante de Pedagogia trabalhará com um repertório de informações e habilidades composto por pluralidade de conhecimentos

teóricos e práticos, cuja consolidação será proporcionada no exercício da

profissão, fundamentando-se em princípios de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética.

[...]

Art. 5º O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a: [...]

VI - ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano;

[...]

XI - desenvolver trabalho em equipe, estabelecendo diálogo entre a área

educacional e as demais áreas do conhecimento;

XII - participar da gestão das instituições contribuindo para elaboração, implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação do projeto pedagógico;

Ao ler com atenção esse documento, percebemos que, sem dúvida, o exercício da docência nos anos iniciais do Ensino Fundamental não é uma tarefa fácil. Ter que dar conta de inúmeras demandas como apresentado é, no mínimo, desafiador. Nos trechos destacados, podemos perceber a ênfase que se dá a uma formação plural, diversificada, com relevância social e interdisciplinar.

Diante disso, é importante que o profissional que leciona nos anos iniciais tenha uma formação ampla em todas as disciplinas citadas para que, conhecendo-as, possa trabalhá-las de maneira integrada. Dessa forma, passamos a nos questionar se é possível dar conta de tal responsabilidade em um curso que dura em média quatro anos, uma vez que é preciso apreender conhecimentos de áreas distintas entre si. Além disso, percebe-se que, mesmo apontando em um momento que as áreas devem ser trabalhadas de maneira interdisciplinar, o curso não adota uma formação centrada nessa perspectiva, muito menos na transdisciplinaridade.

Tendo como base essa Resolução, as instituições de Ensino Superior passaram a adequar os currículos dos cursos de Pedagogia no país. Gatti e Nunes (2009) apresentaram um levantamento da organização de alguns cursos de Pedagogia existentes em diversas universidades do país. Nesse relatório, estão contidas as informações sobre a grade curricular de 71 cursos distribuídos de acordo com as regiões brasileiras.

Na tabela a seguir, conseguimos ter uma ideia de quantos cursos foram pesquisados de acordo com a região a que pertencem:

Quadro 3: Cursos de Pedagogia amostrados segundo a região

Nesse contexto, Gatti e Nunes (2009) listam, a partir de sua pesquisa, o que há em comum entre os currículos de algumas instituições de ensino superior no Brasil. Tal

organização se deu tendo como base as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, licenciatura (2006) já mencionada aqui. Sobre essa organização, as autoras esclarecem que

para diferenciar as estruturas curriculares, foi necessário especificar alguns aspectos que aparecem de maneira ampla nesses referidos núcleos. Elaboraram-se, assim, categorias de análise que permitiram dar conta dos vários aspectos presentes na formação do professor nas instituições onde esta se realiza. A visão obtida é geral, não sendo aplicável a uma instituição em particular, mas sinaliza a tendência formativa do conjunto dos cursos. Entre estes, há uma grande variabilidade no que se refere às disciplinas oferecidas. (GATTI e NUNES, São Paulo: FCC/DPE, 2009, p. 18)

Dessa forma, as categorias definidas pelas autoras como referência para conduzir o estudo do currículo do curso de Pedagogia podem ser resumidas nos seguintes tópicos:

1. Fundamentos teóricos da educação;

2. Conhecimentos relativos aos sistemas educacionais;

3. Conhecimentos relacionados à formação profissional específica; 4. Conhecimentos relativos a modalidades e nível de ensino específicas; 5. Outros saberes.

Dentre esses pontos, vale a pena ressaltar, neste momento, apenas o número 3, uma vez que diz respeito à formação dos professores dentro das disciplinas específicas. Portanto, convém transcrever abaixo como se dá a organização dessa categoria segundo Gatti e Nunes (2009).

Conhecimentos relativos à formação profissional específica – neste

grupo, concentram-se as disciplinas que fornecem instrumental para atuação do professor, composto de:

• conteúdos do currículo da Educação Básica (infantil e fundamental), que agregam: “Alfabetização e Letramento”, “Arte e Educação”, “Conhecimento Lógico-Matemático”, “Educação Matemática”, “Leitura e Escrita”, “Língua Portuguesa”;

• didáticas específicas, metodologias e práticas de ensino, que incluem: “Conteúdo e metodologia de Língua Portuguesa”, “Conteúdo e metodologia de Matemática”, “Didática do Ensino de História”, “Fundamentos e Metodologia do ensino de Ciências Naturais”, “Fundamentos e metodologia de Língua Portuguesa nos anos iniciais do Ensino Fundamental”, “Fundamentos teórico-metodológicos do Ensino de Geografia”, “Língua Portuguesa: conteúdos e didáticas”, “Metodologia da alfabetização e letramento”, “Metodologia do ensino de Artes”, “Metodologia do ensino da Educação Física”, “Pesquisa em educação na prática de ensino”, “Prática de ensino em metodologia da Língua Portuguesa”;

• saberes relacionados à tecnologia, que incorporam: “Gestão das mídias educacionais”, “Informática aplicada à educação”, “Recursos tecnológicos para a educação”, em enfoque de utilização. (GATTI e NUNES, São Paulo: FCC/DPE, 2009, p. 21)

Antes de comentarmos esses pontos, é importante ressaltar que a nomenclatura das disciplinas apontadas se enquadra nas categorias apontadas anteriormente e nos cursos de Pedagogia pesquisados pelas autoras. Como vimos, as recomendações relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa e, em consequência, do texto, não são muito claras: conteúdos e práticas de ensino em língua portuguesa podem ser entendidos de maneira muito ampla. Como saber que preceitos teóricos cada instituição poderia seguir no tocante ao trabalho com o texto, por exemplo? Como garantir que aqueles objetivos citados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia sejam contemplados de modo a garantir a formação global dos estudantes no Ensino Fundamental?

A partir dessas categorias formuladas por Gatti e Nunes (2009), é possível perceber como a formação do pedagogo é ampla e como, nesse contexto, é preciso encontrar uma unidade, um caminho que oportunize contemplar áreas tão distintas.

Após a análise dos cursos de Pedagogia no Brasil, Gatti e Nunes (2009) obtiveram resultados relevantes, dos quais selecionamos apenas alguns que valem a pena serem transcritos na íntegra abaixo:

 O currículo proposto pelos cursos de formação de professores tem uma característica fragmentária, apresentando um conjunto disciplinar bastante disperso.

 Encontrou-se uma grande variedade de nomenclatura de disciplinas em cada curso e entre os cursos de Pedagogia, o que sinaliza que o projeto de cada instituição procura sua vocação em diferentes aspectos do conhecimento, com enfoque próprio, o que se reflete na denominação das disciplinas. Nas 71 instituições pesquisadas, foram encontradas 3.107 disciplinas registradas como obrigatórias.

 Os conteúdos das disciplinas a serem ensinadas na educação básica (Alfabetização, Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências, Educação Física) comparecem apenas esporadicamente nos cursos de formação; na grande maioria dos cursos analisados, eles são abordados de forma genérica ou superficial no interior das disciplinas de metodologias e práticas de ensino, sugerindo frágil associação com as práticas docentes;

 Apresentam maiores fragilidades as ementas associadas ao ensino de Ciências, História e Geografia, por não explicitarem os conteúdos referentes.

 A escola, enquanto instituição social e de ensino, é elemento quase ausente nas ementas, o que leva a pensar numa formação de caráter mais abstrato e pouco integrado ao contexto concreto onde o profissional-professor vai atuar.

(GATTI e NUNES, São Paulo: FCC/DPE, 2009, p. 54-56)

Em suma, vemos nesses trechos um preocupante problema na formação dos pedagogos no Brasil. Ao mesmo tempo em que se tem uma gama de disciplinas no currículo desses cursos, o que poderia espelhar uma formação ampla desses profissionais, elas são ministradas de maneira dispersa, superficial e desorganizada. Além disso, como observado nos resultados de Gatti e Nunes (2009), a relação teoria-prática é quase inexistente. Isso faz com que o ensino nas universidades se distancie ainda mais da realidade que encontramos nas salas de aula. Nesse contexto, o que apresenta mais gravidade, a nosso ver, é a ausência da discussão sobre a escola propriamente dita nesses currículos. Ou seja, o professor é formado sem o conhecimento do contexto em que atuará no exercício de sua profissão.

Por essa razão, é importante que, antes de criticarmos os professores que estão nas escolas da Educação Básica ou pensarmos em estratégias de ensino inovadoras, passemos a refletir sobre a formação desse profissional, pois ela tem um papel determinante em sua prática docente.

No capítulo seguinte, explanaremos como se deu o contato com os professores sujeitos dessa pesquisa, bem como os procedimentos metodológicos adotados por nós neste trabalho.

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Neste capítulo, será apresentado o percurso metodológico do trabalho. Primeiramente, caracterizaremos a pesquisa e o tipo de investigação. Mais adiante, apresentaremos o corpus e como se deu sua escolha. Além disso, também contextualizaremos os documentos e materiais que auxiliam a prática dos professores acompanhados pela pesquisadora. Por fim, descreveremos o local em que a pesquisa e a proposta de intervenção foram aplicadas, o perfil dos professores acompanhados, o período em que se deu todo o processo, além de como ocorreu a coleta de dados, a observação das aulas, a aplicação das oficinas de intervenção e o desenvolvimento do projeto final com as turmas do 5º ano.