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A “síntese brasileira” no estudo dos gêneros textuais

2 GÊNEROS TEXTUAIS: DA TEORIA À SALA DE AULA

2.5 A “síntese brasileira” no estudo dos gêneros textuais

Quando pensamos em gêneros textuais, vemos que existe uma gama de teorias sobre essa temática. Por essa razão, tentar descrever cada uma delas levaria muito tempo. A fim de apresentarmos como os gêneros têm sido estudados no Brasil, veremos que Bawarshi & Reiff (2010) oferecem um modo de analisar as tradições teóricas sobre esse tema, buscando uma convergência entre elas, apontando que muitas teorias são compatíveis e auxiliam na compreensão do funcionamento linguístico por meio dos gêneros textuais. Essa síntese pode ser considerada como uma nova abordagem teórica, pois concilia aportes teóricos de diferentes linhas com uma ênfase nacional no ensino dos gêneros.

Para os autores, o Brasil vê os gêneros textuais como uma abordagem pedagógica centrada nas tradições francesa e suíça, com base no “interacionismo sociodiscursivo” (ISD). Assim, baseia-se em teóricos como Bakhtin, Vygotsky, Wittgenstein, Foucault e Habermas, por exemplo. Dessa forma, podemos dizer que os estudos de gênero no Brasil levam em conta, principalmente, as teorias que visam à ação humana e os contextos sociais como fundamentais para a utilização dos gêneros textuais.

Dessa forma, nas palavras das autoras,

a ação individual se enquadra em atividades socialmente definidas. Essas atividades socialmente definidas conferem sentido reconhecível às ações individuais, ao mesmo tempo em que associam ações a determinados indivíduos autorizados a realizar atividades em certos momentos e em certos contextos. Dessa forma, estamos constantemente negociando [...] (BAWARSHI & REIFF, 2010, p. 100).

Assim, voltamos à questão do gênero como uma ação social, mencionada por Bakhtin e reforçada nas palavras de Marcuschi (2008). Vemos que os gêneros são (e devem ser) vistos no Brasil como uma atividade interacional, determinada pelo meio, pelo objetivo e situação de comunicação. Ainda segundo Bawarshi & Reiff (2010), essa síntese brasileira também se firma nas tradições sociológicas, e, quando interligadas às demais teorias, podem oferecer uma boa visão do funcionamento dos gêneros, bem como contribuir para o ensino deles na escola.

Sobre essa questão, Bezerra (2017) aponta que essa junção de teorias pode ser perigosa, pois aponta uma “harmonia” entre teorias diversas e acabam superficializando os estudos sobre os gêneros textuais. Para esse autor, essa simpatia por teorias diversas ocorreu a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que se basearam no ISD e nas ideias de

Bakhtin. Além disso, a reforma curricular dos cursos de Letras no Brasil, segundo o autor, também foi influenciada pela Sociorretórica americana e pela Linguística Sistêmico- funcional. Portanto, para Bezerra (2017), essa síntese é múltipla e parcial e oferece uma visão limitada desses estudos.

Mesmo com essa ressalva, Bezerra (2017) concorda que o conceito de gênero presente nessas teorias parece coincidir em alguns pontos, a saber, os gêneros são vistos como usos da linguagem que podem ser associados a ações sociais; essas ações são recorrentes, portanto possuem algum grau de estabilidade na forma, no conteúdo e no estilo.

No tocante à pesquisa de gêneros no Brasil, Bezerra (2017) cita Marcuschi (2008) na tentativa de esclarecer os estudos sobre esse tema no país. De acordo com Bezerra (2017), os estudos de Marcuschi (2008) não admitiam ainda uma tentativa de “síntese” capaz de auxiliar as pesquisas brasileiras, porém já apontava a existência de polos de pesquisa orientados por teorias distintas. Nas palavras de Bezerra (2017), “sinteticamente, o quadro seria o seguinte, composto por quatro abordagens distintas, acompanhados dos respectivos representantes e centros de pesquisa em que eram praticadas no momento histórico descrito pelo autor.” (BEZERRA, 2017, p. 91).

Quadro 1: Perspectivas teóricas segundo L. A. Marcuschi. In.: Bezerra (2017)

Perspectivas Autores representativos Centros de pesquisa

1. Uma linha “bakhtiniana” B. Schneuwly, J. Dolz, J-P. Bronckart

PUC –SP

2. Uma pesquisa “swalesiana” J. Swales, V. Bhatia UFC; UFSC/UFSM

3. Uma linha “marcada pela LSF” M. Halliday, J. Martin UFSC

4. Uma perspectiva “mais geral” M. Bakhtin, J-M. Adam, J-P. Bronckart;

C. Bazerman, C. Miller; G. Kress, N. Fairclough

UFPE/UFPB

Quanto à perspectiva swalesiana, a linha marcada pela LSF e a perspectiva mais geral, citadas no quadro e que ainda não foram mencionadas por completo aqui, Bezerra (2017) aponta, ainda sob a luz dos estudos de Marcuschi (2008), que a primeira aborda os gêneros de maneira mais formal, com base nos princípios retóricos dos gêneros; a segunda também dá ênfase às questões linguísticas dos gêneros, com base nos estudos do linguista australiano James Martin.

Por fim, a terceira pode ser considerada mais eclética, pois une a teoria de Bakhtin, já apontada neste trabalho, combinada com outras teorias, a saber, o interacionismo sociodiscursivo de Jean-Paul Bronckart, a análise textual dos discursos de Jean-Michel Adam,

os estudos retóricos de gênero de Charles Bazerman e Carolyn R. Miller, a semiótica social de Günther Kress e a análise crítica do discurso de Norman Fairclough, estas duas inspiradas na Linguística Sistêmico-funcional.

Assim, de acordo com Bezerra (2017), essa organização feita por Marcuschi (2008) foi a mais próxima do que podemos chamar de “síntese brasileira”, apontada por Bawarshi & Reiff (2010).

Tendo em vista a grande quantidade de teorias que estudam essa temática, vale salientar que, neste trabalho, utilizaremos com maior frequência a expressão “gêneros textuais/ do texto”, em vez de “gêneros discursivos/ do discurso”, como vimos nas considerações de Bakhtin. Já que não há consenso absoluto na Linguística a respeito dessas terminologias quando nos referimos aos gêneros, cabe a nós escolher qual utilizar. Entretanto, observar o gênero de acordo com seu caráter discursivo, como um evento comunicativo, não descarta a importância de refletirmos sobre sua materialização textual, portanto, essas terminologias podem ser empregadas indistintamente, dependendo do objeto de análise naquele momento.

Diante do exposto, é interessante que pensemos como os gêneros textuais passaram a ser objeto de ensino em nossas escolas. Para isso, decidimos nos direcionar no sentido das discussões que foram suscitadas a partir dos anos 80, após o Círculo de Bakhtin1, ocasião em que se intensificaram as reflexões sobre a inserção dos gêneros no ensino de língua na Linguística Aplicada.

Para que tenhamos uma visão geral sobre o ensino dos gêneros textuais na escola, é interessante, a priori, olharmos como essa questão está presente em alguns documentos que regem a educação, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), por exemplo.