• Nenhum resultado encontrado

1.2 Formação de professores e currículo

1.2.2 A formação docente para as séries iniciais da escolarização

Em relação à formação docente

para as séries iniciais da

escolarização, objeto de estudo nesta

tese, há que se reconhecer que se

encontra em processo de grande

mudança, quando passa a se exigir

que seja feita em nível superior.

Ao longo de mais de um século,

tem predominado uma tendência de

desenvolver os processos de formação

docente em cursos normais. Esta

tendência à normalização, que se

iniciou em um contexto de

valorização dos processos de

escolarização no século XIX, é assim

expressa por Bourdoncle: a

normalização do século XIX é a

criação de lugares onde é estabelecida

a norma do ensino e onde são

formados aqueles que deverão seguir

essa norma. Esta passava, a princípio,

pela aquisição de um bom nível de

formação de base seguida pela

formação de uma moral e de gestos

profissionais (BOURDONCLE, 1997:

34).

7

A perspectiva de sistematizar o processo de formação de professores toma corpo sobretudo a partir desse século, com a ampliação da escolarização então disponibilizada à população. A concepção de normalização remete ao entendimento de que o processo de formação do professor deve ser regulamentado incluindo a perspectiva de uma formação intelectual básica e de padrões de conduta moral e de atitudes consideradas aceitáveis dentro do exercício da profissão.

No Brasil a formação de professores para o ensino das séries iniciais da escolarização esteve vinculada durante longo período histórico ao ensino normal, em uma formação profissional que antecedia o ensino superior, localizada, em geral, no ensino médio, mas não exclusivamente.

Conforme mencionado, a partir

da aprovação da LDB vem sendo

incentivada a formação de

professores em nível superior, com

repercussões sobre o significado que

essa formação deve ter especialmente

no que diz respeito ao locus de

formação e à concepção que deverá

norteá-la. Assim, o artigo 62 da

referida lei aponta para a formação

de professores em duas instâncias:

universidades e institutos superiores

de educação, o que pressupõe

concepções diferenciadas acerca do

processo de formação, dependendo de

qual seja a opção a ser seguida por

uma determinada instituição

(BRZEZINSKI, 1999; SILVA, 1999;

LIBÂNEO E PIMENTA, 1999).

Bourdoncle distingue a idéia de academização e universitarização. Por academização entende:

7

Cf. original em francês. : (...) la normalisation du 19 iéme siècle, c’est la création de lieux où est établie la norme de l’enseignement et où sont formés ceux qui devront ensuite suivre cette norme. Celle-ci passait d ' abord par l’aquisition d’un bon niveau de formation de base puis par celle d’une morale et de gestes professionnels (...)

o movimento que leva os antigos institutos de formação de professores (escolas normais, training colleges) a se aproximarem do ensino superior pelo funcionamento (elevação do nível de recrutamento, concessão de um diploma de ensino superior), e mais ainda pelo conteúdo centrado nos saberes acadêmicos, isto é, nas disciplinas, em detrimento dos aspectos profissionais de seu ensino (BOURDONCLE,1997: 34).

A idéia de universitarização corresponde ao:

movimento de absorção das antigas instituições de formação de professores (escolas normais, escolasticados ) pelas estruturas próprias da universidade. Trata-se de uma estrutura polivalente em dois sentidos. Em primeiro lugar, a formação se faz acompanhada de pesquisa e as carreiras são fortemente influenciadas por esta última. Em segundo lugar, a formação em si mesmo está ligada a diversas especialidades das profissões educativas. Para prepará-la, é preciso fazer intervir, quando necessário, especialistas de outros departamentos universitários, ou planejar em conjunto com eles uma parte da formação. (IDEM: 35).8

Segundo Waldeck Carneiro da Silva, a idéia de universitarização da formação do professor traz consigo o entendimento de que é preciso investir em outro perfil profissional para o professor, que se quer dotado de maior autonomia intelectual para pensar, inventar, adaptar, ser sujeito de sua ação profissional, deixando de ser aquele que segue prescrições pedagógicas (SILVA, 1999:47).

As divergências quanto ao locus dessa formação estão ligadas à pertinência da formação de professores nas universidades. Sobre essa questão, entre os argumentos utilizados para justificar a formação de professores em âmbito não-universitário, Silva (1998:58) afirma que ganha força tal concepção no contexto brasileiro em face à inexistência de condições atraentes de trabalho para os professores e candidatos ao magistério. Tal justificativa está baseada no entendimento de que o investimento feito não tem o correspondente efeito na realidade da escola básica, uma vez que, por mais qualificada que seja a formação recebida na universidade, não há garantia de retorno positivo, devido às precárias condições de trabalho nesse nível de ensino.

Por último, Silva aponta outro foco de resistência à formação do professor primário em nível universitário, motivada pela desvalorização no interior das universidades da tarefa de formar professores, o que pode ser constatado através da condição dos cursos de licenciatura, e em particular dos cursos de Pedagogia (IDEM: 58).

Neste cenário de mudanças, apesar das argumentações acima evidenciadas observa-se que, a partir da década de 80, têm sido desenvolvidas experiências de reformulações curriculares nos cursos de

8

Cf. original em francês: (..) L’universitarisation des années 30 à 50 aux États-Unis, des années 65-70 au Québec c ' est le mouvement d’absorption des anciennes institutions de formation des enseignants (écoles normales, scolasticats) par les structures habituelles des universités (...)

Pedagogia, as quais incluem a ênfase na formação para as séries iniciais, com resultados considerados por Brzezinski (1999) como satisfatórios.

Esta conclusão difere dos argumentos apontados por Silva, principalmente se levarmos em consideração a desvalorização dos cursos de Pedagogia e das licenciaturas em geral no interior das universidades, posição essa que vem sendo modificada ainda que lentamente nessas instituições.

Em documento9 elaborado para discussão acerca da formação inicial de professores para a educação básica, Guiomar Namo de Mello reafirma alguns dos argumentos apontados por Silva, ao afirmar que:

é preciso dar prioridade à formação de professores na perspectiva e no âmbito da política de educação básica, independentemente da problemática do ensino superior como tal, inclusive, e talvez principalmente, dos impasses gerados pela fragilidade da área de educação na maioria das universidades, pela departamentalização e conseqüente segmentação nas licenciaturas(MELLO, 1999: 4). Este documento sintetiza alguns pontos considerados fundamentais no debate que se processa no campo da formação do professor. Expressa algumas das concepções em que se têm pautado as orientações seguidas pelas políticas oficiais, dada a posição ocupada pela autora, membro do Conselho Nacional de Educação e da Comissão formada pelo Ministério da Educação que elaborou as Diretrizes Curriculares para a Formação Inicial de Professores da Educação, encaminhado ao Conselho Nacional de Educação e recentemente aprovado.

A criação do Curso Normal Superior vem sendo indicada como opção preferencial de formação do professor das séries iniciais em diferentes documentos oficiais que têm tratado da questão, a saber: Resolução CNE/CP nº 1 de 30 de setembro de 1999, que dispõe sobre os Institutos Superiores de Educação; Decreto nº 3.276 de 6 de dezembro de 1999, o Decreto nº 3.554, de 7 de agosto de 2000, Parecer CNE/CES 133/2001, Parecer CNE/CP 009/2001 e mais recentemente a Resolução CNE/CP nº 01/2002.

Em todos estes documentos, não há absolutamente indicação do curso de Pedagogia como formador de professores das séries iniciais do Ensino Fundamental. Ao contrário, nas discussões que precederam a tramitação destes documentos, é atribuída, direta ou indiretamente, ao curso a responsabilidade pelas tradicionais deficiências que impedem a necessária melhoria da qualidade do ensino básico. 10

Contrapondo-se ao conjunto de orientações presentes na política oficial, encontra-se uma outra concepção que vem sendo defendida pelo movimento de educadores liderado pela ANFOPE. Esta concepção, construída através de pelo menos duas décadas, tem sido:

reafirmada e aprimorada ao longo da trajetória de construção coletiva dos educadores, que tem orientado estudos que foram dando forma e conteúdo às idéias, proposições e propostas de reestruturação curricular, particularmente nos cursos de pedagogia e de numerosas instituições em nosso país, em resposta aos ideais dos educadores na luta pela democratização da escola, da educação, pela valorização e profissionalização do magistério ((FREITAS, 1999:30).

9

Formação Inicial de Professores para a Educação Básica: Uma (Re)Visão Radical, elaborado por Guiomar Namo de Mello.

10

Conforme declaração de voto da conselheira Eunice Ribeiro Durham, contrário à decisão do Conselho Pleno do CNE, que aprovou a alteração do Decreto 3.276/99.

O conjunto de princípios norteadores

defendidos pela ANFOPE inclui uma

sólida formação teórica, a unidade

teoria/prática, gestão democrática,

compromisso social e político do

profissional da educação, trabalho

coletivo e interdisciplinar, formação

inicial articulada à formação

continuada, configurando-se como

instrumento de análise e discussão

das políticas atuais no campo da

formação de professores.

1.2.3 O currículo como categoria central