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1.2 Formação de professores e currículo

1.2.4 O foco e os objetivos da investigação

Como visto o movimento de reforma educativa em curso, no quadro da construção de um novo projeto de sociedade que busca inserir o país na nova ordem mundial, coloca o currículo como um dos espaços centrais destas reformas, uma vez que na definição do currículo se travam lutas decisivas pela hegemonia de certas idéias e valores referentes ao significado dado à formação inicial. Em se tratando de uma política curricular, como macrodiscurso, o currículo tanto expressa as visões e os significados do projeto dominante quanto ajuda a reforçá-lo, dando-lhe legitimidade e autoridade (SILVA, 1999: 29).

Daí a importância estratégica de se definir as orientações curriculares que irão prevalecer em um determinado contexto de escolarização.

Podemos dizer que para fins explicativos e didáticos, que de certa forma, dois tipos de visões predominam no campo da formação profissional. Uma delas vê esta formação como um processo de desenvolvimento humano voltado para uma atuação sintonizada com a realidade social, em que o profissional está inserido. A outra considera a formação profissional de um ponto de vista instrumental, em que a educação deveria estar mais sintonizada com as demandas postas pelo mercado de trabalho.

Essa controvérsia se acentua mais recentemente nas políticas curriculares implantadas após a nova LDB ganhando relevância a idéia do ensino baseado em competências, concepção que tem sua origem nos processos de formação oriundos da educação profissional.

Partimos do entendimento de que as orientações oficiais constituem uma das referências nas concepções curriculares que nortearão a organização dos currículos de diferentes cursos de formação de professores. Além disto, há um conjunto de influências oriundas da literatura e de pesquisas sobre a formação do professor que se refletem em projetos, debates teóricos e nos currículos, além da própria experiência e da cultura das instituições escolares.

Há uma significativa produção sobre formação docente difundida e utilizada nos cursos de formação de professores, cuja importância não há como desconsiderar (Schön, Nóvoa, Perrenoud, Zeichner). É o caso da perspectiva desenvolvida por Schön (1997) que propõe a formação do professor reflexivo - tema que tem fundamentado uma significativa produção neste campo.

Um outro aspecto a ser considerado na definição dos currículos no campo da formação docente é a participação decisiva do movimento nacionalmente organizado de educadores, especialmente a ANFOPE, a qual vem por meio de uma concepção sócio-histórica teorizando e formulando propostas para a formação docente podendo igualmente influenciar as instituições voltadas para a formação de professores, sobretudo os cursos de Pedagogia.

Acreditamos que a incorporação das diretrizes oficiais ao currículo dos cursos de formação não se dá de forma automática. Há uma disputa político-ideológica em curso, na qual diferentes concepções têm procurado obter a hegemonia na área. Há uma tensão constante entre o discurso oficial e a produção crítica expressa em diferentes textos, a partir do conjunto de condições objetivas que se materializam nas produções locais sobre o assunto, ou seja, na definição curricular das diferentes instituições de formação do professor para os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Considerando as múltiplas influências existentes no campo da formação professores, além do reconhecimento da importância estratégica atribuída a esse campo, sobretudo no que diz respeito à definição do currículo pré-ativo para a viabilização de um determinado projeto educacional é que desenvolvemos este estudo direcionado para a compreensão das mudanças ocorridas no currículo de formação de professores, tendo como referência os primeiros anos da escolaridade (séries iniciais do Ensino Fundamental).

Assim é que pesquisa aqui desenvolvida busca discutir a partir da análise dos dispositivos legais, como tem se dado a incorporação das diretrizes oficiais nos currículos dos cursos de formação inicial de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental. Estas diretrizes geram novos textos que podem por sua vez confirmar conciliar posições divergentes, ampliar ou se contrapor, totalmente ou em parte, ao discurso presente nas políticas curriculares.

A idéia de texto aqui utilizada tem como referência Bernstein (1996) para quem num sentido literal ou num sentido ampliado, pode estar designando o currículo dominante, a prática pedagógica dominante, mas também qualquer representação pedagógica, falada, escrita, visual, espacial ou expressa na postura ou na vestimenta.

O currículo entendido como um texto, como discurso, como um uso situado de uma linguagem, é marcado pela interação tensa entre as tendências contestatórias mutuamente implicadas (Lopes, 1998:61). Para Lopes, baseando-se em La Capra a textualidade não se esgota nos livros; o contexto ou o mundo real é ele mesmo textualizado de várias formas. Ainda segundo essa autora a idéia de contexto extrapola esse entendimento segundo o qual o contexto se refere aquilo que se situa fora do texto e com ele interage; para, além disso, o contexto penetra e se materializa no texto, assim como o texto produz significados no contexto.

Assim é que julgamos importante investigar que textos têm sido produzidos a partir do confronto de diferentes discursos (discurso oficial, discurso acadêmico, discurso oriundo das entidades organizadas) buscando igualmente conhecer o contexto no qual um novo discurso foi elaborado, como resultado de

diferentes interesses, negociações, lutas e conflitos. Isto posto, algumas questões se colocam: Que grupos são autorizados a falar neste processo? Que concepções sobre a formação de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental foram determinantes na definição do currículo pré-ativo de diferentes instituições de ensino superior? De que forma os projetos educativos, dessas instituições, confirmam, ampliam ou se contrapõem ao discurso oficial? Como o contexto nacional e de cada instituição influenciou as propostas curriculares estudadas?

Cabe aqui, portanto, propor uma investigação que responda às preocupações sobre como as políticas oficiais vão se reconfigurando nos novos projetos dos cursos de formação docente e em função das tendências que estão presentes no campo da formação de professores e suas interferências na elaboração dos currículos destes cursos. Tal estudo permite ver como, na prática, as decisões curriculares são permeadas e constituídas por múltiplas interações entre texto e contexto.

Em linhas gerais este estudo tem como foco central a análise do processo de mudança nas concepções curriculares nos cursos de formação de professores das séries iniciais do ensino fundamental em nível superior, tendo como referência as políticas educacionais formuladas na última década e a literatura sobre o assunto produzida por acadêmicos e por associações de docentes. Para isto pretende-se alcançar os seguintes objetivos:

‰ Analisar os discursos veiculados em textos oficiais, textos acadêmicos e oriundos dos movimentos sociais organizados sobre currículos de formação de professores em nível superior para os anos iniciais da escolaridade;

‰ Caracterizar o contexto no qual novas formulações são produzidas, evidenciando as tensões, conflitos, bem como as mediações presentes no processo de elaboração das novas propostas curriculares.