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O currículo como categoria central para estudar os cursos de formação docente

1.2 Formação de professores e currículo

1.2.3 O currículo como categoria central para estudar os cursos de formação docente

docente

Existem na literatura variadas

explicações sobre o significado de

currículo incluindo desde aquelas que

procuram entendê-lo a partir da sua

função social como ponte entre a

sociedade e a escola, passando pelas

explicações que o concebem como um

projeto ou plano educativo, pretenso

ou real, composto de diferentes

experiências e conteúdos, chegando

até as formulações que o entendem

como a expressão formal e material

desse projeto pedagógico que deve

apresentar determinado formato,

conteúdo e orientações seqüenciais

(SACRISTÁN, 1998:14).

Para Tomás Tadeu Silva (1999), as definições de currículo disponíveis na literatura não são utilizadas para captar o verdadeiro significado de currículo, mas para mostrar aquilo que o currículo é. Assim, a forma como ele é definido pelos diferentes autores e teorias corresponde, portanto, ao entendimento de como o currículo tem sido trabalhado historicamente.

Segundo Goodson (1995), o

vínculo entre currículo e prescrição

decorre da etimologia básica da

palavra currículo originária da

palavra latina currere (correr),

significando curso ou carro de

corrida. A idéia de currículo como

prescrição questionada no início dos

anos 70, marcou decisivamente as

teorias curriculares forjadas,

sobretudo na primeira metade do

século XX, ou seja, um conjunto de

asserções indicando como a

escolarização deveria ocorrer.

Grande parte dos estudos

curriculares até então produzidos

estiveram restritos à atividade técnica

de como fazer o currículo, nas suas

formas de organização e elaboração.

(Silva, 1999: 30).

As teorias críticas surgidas a

partir da década de 60 questionam a

orientação seguida pelos estudos no

campo do currículo. Discutem por

que esses últimos negligenciam

questões fundamentais sobre a razão

de determinados tipos de

conhecimentos e não outros serem

privilegiados em uma dada

organização curricular, contribuindo

para manter uma característica

recorrente, na trajetória dos

processos de escolarização, que é a da

diferenciação, ou seja, a de

classificação dos estudantes.

Assim é que as teorias críticas

apresentam como características o

questionamento do papel do currículo

e das relações de poder sobre as quais

ele se assenta, discutindo ainda os

efeitos do currículo na vida das

pessoas e nas relações sociais.

No campo das teorias críticas

destaca-se a visão do currículo como

uma construção social, idéia

defendida pela “Nova Sociologia da

Educação” (NSE), movimento que

emerge no início dos anos 70 na

Inglaterra, que inclui os estudos

desenvolvidos por Young (2000),

Bernstein (1996), dentre outros. O

ponto básico para a NSE era colocar

o currículo como uma questão

central, ou seja, como principal

objeto de estudo da Sociologia da

Educação.

De acordo com a NSE, a

questão fundamental que perpassa

qualquer teoria do currículo envolve

saber qual é a definição de

conhecimento a ser ensinado, pois o

currículo é sempre o resultado de

uma seleção, desenvolvida a partir de

um universo mais amplo de

conhecimentos e saberes (SILVA,

1999:14).

Os trabalhos da NSE procuram

evidenciar conexões entre currículo e

poder, currículo e controle social.

Neste sentido, a elaboração do

currículo pode ser considerada um

processo pelo qual se inventa

tradição. Sobre essa questão Goodson

(1995: 27), assim se refere: “Não é,

porém, como acontece com toda

tradição, algo pronto de uma vez por

todas; é, antes, algo a ser defendido

onde, com o tempo, as mistificações

tendem a se construir e reconstruir”.

Vale dizer que na trajetória da

escolarização, existem conhecimentos

e saberes que foram relegados a um

segundo plano, em face de outros

saberes com mais prestígio e maior

visibilidade social.

Para Goodson (Idem), iniciar

qualquer análise de escolarização

aceitando sem questionar, ou seja,

como pressuposto, uma forma e um

conteúdo de currículo debatido e

concluído em situação histórica

particular e com base em

determinadas prioridades

sociopolíticas, é privar-se de toda

uma série de entendimentos e insights

em relação a aspectos de controle e

operação da escola e da sala de aula.

Neste contexto, o entendimento

de cultura, de modo plural, implica

reconhecer que não existe uma única

cultura, unitária, homogênea e

universalmente praticada. Há, pois,

diferentes culturas e um campo ou

terreno de luta no qual eles se

confrontam. A partir destas relações

de poder que se travam entre

diferentes grupos e classes sociais, é

realizada a seleção e definição dos

conhecimentos que deverão ser

priorizados no currículo escolar

(MOREIRA e SILVA, 1997: 27).

Mais recentemente, os estudos

sobre currículo têm incorporado as

orientações decorrentes da influência

do pensamento pós-estruturalista. Ao

descrever o que poderia caracterizar

essa influência sobre a área de

estudos do currículo, Santos e

Moreira (1995: 50) apontam a ênfase

na análise das formas como o

currículo constrói identidades e

subjetividades. Segundo esses autores

essa influência está presente nos

trabalhos de autores como Giroux,

MacLaren, Cherryholmes e

Popkewitz.

Dentro desta perspectiva,

destacamos Popkewitz (1997), que

tem centralizado seus estudos na

compreensão dos processos de

reforma educativa. Para ele, os

processos de reforma educativa se

caracterizam pelas relações sociais

que se estabelecem com a organização

das instituições, definindo novas

formas de governo e de

disciplinamento que precisam ser

analisadas e discutidas.

Para esse autor os sistemas de regras, distinções e categorias dos currículos privilegiam certos tipos de interpretação do mundo no interior de diferentes possibilidades. As regras subjacentes ao currículo também fornecem uma tecnologia de auto-regulação e autocontrole; uma forma de poder que tem implicações no modo como os indivíduos gerem a si próprios e representam as regras, padrões e estilos de raciocínio, construindo assim fronteiras e possibilidades de ação cotidiana (POPKEWITZ, 1997: 47).

Segundo Goodson, é necessário perceber as diferentes áreas e níveis em que o currículo é produzido, negociado e reproduzido, desde a sua concepção enquanto política curricular, até à sua materialização enquanto prática na sala de aula, onde inúmeras relações acontecem.

Este autor busca evidenciar os conflitos que ocorrem em torno da definição do currículo escrito, em face à luta constante travada diante das diferentes aspirações e objetivos da escolarização. Enfatiza ainda que, neste processo de conflito, há sempre um “significado simbólico” e um “significado prático”, na medida em que os critérios do currículo escrito servem para a avaliação e análise pública da escolarização (Goodson, 1999: 34).

O estudo acerca das definições

que se dão no nível pré-ativo do

currículo (currículo escrito ou oficial)

contribui para mostrar as idéias que

estavam em jogo na definição das

orientações curriculares em uma

determinada época, o horizonte em

que o debate se estabeleceu, bem

como o projeto educacional que

prevaleceu em um determinado

contexto.

Goodson justifica a opção pelo

estudo do currículo em nível pré-

ativo a partir de duas afirmações:

Em primeiro lugar, o estudo do conflito em torno da definição pré-ativa do currículo escrito irá aumentar o nosso entendimento dos interesses e influências atuantes neste nível. Em segundo lugar, este entendimento nos fará conhecer melhor tanto os valores e objetivos patenteados na escolarização quanto a forma como a definição pré-ativa pode estabelecer parâmetros para a ação e negociação interativa no ambiente da sala de aula e da própria escola (GOODSON, 1995:21).

Além disto, para se propor

uma prática que seja alternativa a

uma dada proposta curricular, é

preciso partir dessas formulações

oficiais para que se possa inclusive

conceber, outras possibilidades

curriculares para redirecionar ou

influenciar as práticas que estão

sendo desenvolvidas, ou seja, a

própria ação.

A inclusão dos textos oficiais

possibilita conhecer os mecanismos

de regulação social que os orienta,

bem como a epistemologia social

subjacente a eles, uma vez que, como

acentua Popkewitz, há uma estreita

relação entre conhecimento,

instituições e poder. Sob a influência

dos estudos desenvolvidos por

Foucault, Popkewitz (1998) afirma

que os esquemas de raciocínio e

racionalidade estão submetidos a

epistemologias socialmente

construídas que representam e

incorporam relações sociais, não

sendo diferente quando se analisa as

políticas curriculares oficiais.

Um outro aspecto a ser destacado na configuração deste estudo diz respeito ao fato de que as políticas curriculares têm diferentes efeitos: autorizam certos grupos de especialistas, ao mesmo tempo em que desautorizam outros, fabricam os objetos epistemológicos de que falam, por meio de um léxico próprio, geram uma série de variados textos, ampliando os textos-mestres (SILVA, 1999: 11).

É preciso ainda levar em conta que na elaboração de propostas curriculares podem aflorar os principais impasses e divergências encontradas nessa área. Sobre esta questão, Santos (2001) elenca vários dilemas que a seu ver estão presentes no processo de elaboração do currículo; dentre estes enumera: currículo acadêmico x currículo não- acadêmico, currículo por disciplinas x currículo integrado, universalismo x multiculturalismo, ensino propedêutico x formação profissional e, por último, formação humana x competências.

No campo da formação de professores essas controvérsias tendem a se evidenciar, não estando, portanto imunes aos principais impasses e divergências acima explicitados.

Buscaremos demonstrar que presentemente há uma tendência a serem incorporados elementos teóricos das diversas correntes do pensamento no domínio do currículo, que permaneceram como mais significativas numa conciliação superficial uma vez que seus fundamentos se contradizem ou se opõem.

Situando mais especificamente os anos 90, nos quais ocorrem inúmeros debates sobre as novas orientações curriculares sobre a formação inicial de professores, procuramos entender esse momento a partir de Lopes e Macedo, para quem a marca do campo do currículo no Brasil nos anos 90 é o hibridismo (2002:47). Essa afirmativa se evidencia através do trânsito pela diversidade de tendências teóricas, ao invés da uniformidade, um campo contestado no qual se misturam influências, interdependências, rejeições.

Buscaremos demonstrar que presentemente, na configuração de novas propostas curriculares de cursos de formação de professores há uma tendência a serem incorporados elementos teóricos das diversas correntes do pensamento no domínio do currículo, que permaneceram como mais significativas.