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2. A INSTALAÇÃO DO REPUBLICANISMO NO RIO GRANDE DO SUL

2.2 A FORMAÇÃO HEGEMÔNICA POLÍTICA DO PARTIDO LIBERAL

A organização político-partidária no Brasil teve sua origem ainda no Primeiro Reinado (1822-1831), quando as diversas facções políticas almejavam participação junto aos gabinetes de imperador. Contudo, essas facções político-partidárias somente se consubstanciaram como partidos políticos ao final do Período Regencial (1831-1840), com a formação de dois partidos: O Partido Liberal e o Partido Conservador, que se revezaram no poder desde sua formatação, ainda no Período Regencial, sobretudo durante o longo Segundo Reinado no Brasil (1840-1889), que durou quase meio século.

A organização política no Rio Grande do Sul também teve sua estirpe oriunda do mesmo contexto histórico brasileiro. A formação do partido no estado apresenta a seguinte idiossincrasia: O Partido Conservador, de diminuta expressão, e o Partido Liberal, ligado aos grandes estancieiros, que veio a se constituir na elite hegemônica, política e economicamente no estado.

Do início do Segundo Reinado até o limiar da Guerra do Paraguai, houve uma tendência de apaziguamento e conciliação política, com a formação de coligação de segmentos dos dois partidos, originando, desse modo, uma fase da Conciliação quando ocorreu, na década de cinquenta, a predominância dos políticos conservadores no poder – e na década de sessenta, com a formação da Liga Progressista, liderada pelos liberais

O caso do Rio Grande do Sul, especificamente, adveio de modo análogo ao centro do país, sendo a década de cinquenta de predominância do Partido Conservador, através da Liga, e na década de sessenta o domínio foi liberal por meio da Contra-Liga.

Com a Guerra do Paraguai, a questão política brasileira passou por um processo de rupturas, que determinou, duas décadas depois de seu derradeiro momento, a gênese da crise política no Império. Devido à crise econômica e ao grande número de mortes no conflito, o Império mergulhou numa crise política. Na tentativa de sair da mesma, Dom Pedro II optou por afastar os liberais, que estavam no poder através da Liga Progressista, e restabeleceu o Partido Conservador no poder, acabando com a fase de aliança entre conservadores e liberais.27

Com a inversão partidária, houve uma profunda transformação no programa político dos liberais, que passaram a defender reformas mais amplas, dentre as quais destaca-se a defesa de maior autonomia para as províncias, pregando a descentralização no poder, o fim do senado vitalício, além de uma reforma eleitoral e jurídica (enfocando o fim do Poder Moderador). Em alguns setores, que pregavam a reforma mais radical do programa, defendia-se o fim da escravidão no Brasil. Essas reformas mais radicais aproximaram membros do partido Liberal à causa republicana. Durante o Gabinete Conservador (1868-1878), os conservadores tomaram o poder na Assembleia Provincial no Rio Grande do Sul, em um período apenas de pouco mais de três anos (1869-1872). Justifica-se essa curta permanência no poder provincial, mesmo tendo os conservadores o respaldo no poder central no Brasil, pelo fato de que o Partido Conservador não chegou a se estabelecer como uma alternativa

27 Mudavam-se, então, as circunstâncias, já que “nos meados do século, a ordem imperial atingira o

clímax, com a centralização, o monarquismo sem contestações, a sociedade dominada pelo estado”, com os partidos entrando “em recesso, calados e reverentes”, parecendo que “os ódios antigos” estavam “mortos, as revoluções sepultadas, extintos os protestos e enfim, “o progresso nos moldes europeus empolgava a corte florescente e renovada” (Alves, 2002, p. 11). Alves (2002) baseou esse trecho de seu livro em Faoro (1975. p. 443).

política, a ponto de sucumbir à hegemonia política do Partido Liberal no estado sulino.28

Desse modo, estabeleceu-se, hegemonicamente, o Partido Liberal (PL) no Rio Grande do Sul. Mesmo em períodos em que o Partido Conservador (PC) esteve no poder na esfera imperial, controlando os gabinetes e determinando os presidentes de província, o Partido Liberal mantinha o predomínio hegemônico na Assembleia Provincial. A tabela, a seguir (tabela 1), ilustra essa predominância:

Tabela 1: Relação comparativa dos partidos na chefia do poder executivo e legislativo no Brasil e no Rio Grande do Sul, a partir de 1868.

Inversão Partidária Contexto Nacional Executivo Provincial Legislativo Provincial 1868 PC PC PC (até 1872) PL 1878 PL PL PL 1885 PC PC PL 1889 PL PL PL Fonte: Alves (2002).

Com a configuração hegemônica do Partido Liberal no Rio Grande do Sul, ficou evidenciada também a personalidade de seu principal líder: Gaspar Silveira Martins29, que se consolidou como o principal político a representar o Rio Grande do Sul durante o período imperial. Gaspar Silveira Martins foi responsável pela fundação do Partido Liberal Histórico, juntamente com Félix da Cunha.30

28“A incapacidade de tornar-se alternativa real ao poder dos liberais, condena o Partido Conservador,

que tornar-se satélite político de órbita periférica, alheio e distante das condições em que pulsava o coração do poder político no Rio Grande do Sul” (CARNEIRO, 2000, p. 191).

29“Tomando como referência os estudos de José Murilo de Carvalho sobre a política imperial, podemos

dizer que Gaspar Silveira Martins fazia parte do clube formado pela elite brasileira. Após a obtenção do título de Bacharel em Direito, iniciou sua trajetória na magistratura e na política imperial, chegando a ocupar mais de um cargo durante o império, o de Conselheiro de estado” (ROSSATO, 1999, p. 76).

30 “O Partido Liberal Histórico [...] se opunha ao partido Liberal e ao Partido Conservador. É responsável

também pela fundação do jornal A Reforma, sendo um dos redatores. Pelo Partido Liberal Histórico representou seu estado na Assembleia Provincial, Assembleia Geral e no Senado. Em junho de 1889 foi nomeado presidente da província do Rio Grande do Sul” (ROSSATO, 1999, p. 79-80).

O Partido Liberal passou por três grandes processos de dissidências após a sua consolidação no poder, em 1872. A primeira envolveu o conflito entre Gaspar Silveira Martins e o General Osório (Herval). O primeiro era contrário à decisão do Gabinete Sinimbu, que rechaçou, com a concordância do General Herval, a possibilidade dos protestantes (acatólicos) possuírem direitos políticos. Essa questão só foi revista com a formação de um novo gabinete liberal, o Gabinete Saraiva, que sucedeu o de Sinimbu, e possibilitou o direito à participação política dos protestantes, mas sob um rigoroso controle quanto à comprovação de renda.

A segunda dissidência ocorreu em 1881, com o atrito entre a ala gasparista e os políticos liberais, mas defensores dos ideais republicanos. Wenceslau Escobar e Ramiro Barcelos acusavam o Partido Liberal de descuidar dos interesses da região fronteiriça.

A terceira dissidência se deu entre Fernando Osório e Gaspar Silveira Martins. Ela interferiu diretamente na eleição daquele distrito nas eleições de 1883, usurpando do cargo Fernando Osório, que contava, no momento, inclusive com o apoio dos Conservadores, que viam nesse “cisma” uma possibilidade de enfraquecer o poder dos liberais.

Mesmo com algumas desavenças internas, o Partido Liberal manteve sua força no poder até o término da monarquia. Entretanto, diferentemente do restante do Brasil – onde os liberais se opunham a uma estrutura conservadora forte, em que o centralismo defendido pelos conservadores os aproximava mais com os ideais da monarquia, e a descentralização do poder defendida pelos liberais acabava por dar um ar mais oposicionista à monarquia, inclusive com muitos adeptos do republicanismo –, o Rio Grande do Sul teve, como decorrência da hegemonia do Partido Liberal, pouca força política do Partido Conservador. Isso fez com que o Partido Liberal acabasse por ter seu vínculo estreitado com os ideais monarquistas, em oposição ao jovem PRR, fundado em 1882. Coube ao PRR o papel de se opor mais fortemente ao Partido Liberal, e, por conseguinte, a uma construção no imaginário, em que o PRR seria a luta pela república e a modernidade do país/estado e o Partido Liberal seria a representação da continuação, ou defesa da monarquia e o atraso para o Brasil e o Rio Grande do Sul.