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2. A INSTALAÇÃO DO REPUBLICANISMO NO RIO GRANDE DO SUL

2.4 A CONSTITUIÇÃO DO IMAGINÁRIO MÍTICO/POLÍTICO NO RIO GRANDE DO

Seguindo a ótica de Bourdieu (1998) O jogo da política de oferta e procura atrai eleitores consumidores. Esse jogo possuiu suas regras próprias e, para jogá-la, é pré- requisito o conhecimento das regras. Para tal, passa a ser necessária a preparação para acumular o “capital político”. Capital esse que é acumulado no decorrer de uma carreira.

Um dos elementos fundamentais para a conquista desse capital está na capacidade de discursar e convencer seus “consumidores”. Nem sempre é necessário fazer tudo aquilo que se promete, mas é necessário, sempre, que os consumidores acreditem que as promessas serão cumpridas.

Outro requisito para a participação no jogo político está nas relações sociais que propiciam o acúmulo de capital político. Para a obtenção desse crédito, é necessária a aquisição do poder simbólico.34

Através do confronto, ressaltam-se as representações dos grupos e indivíduos. No caso do Rio Grande do Sul, essas tensões estão acaloradas durante o período da transição da monarquia para a república. Os grupos lá representados utilizam como mecanismo de luta os discursos expressos nos jornais e livretos, para expressarem

34 “Poder simbólico é um poder que aquele que lhe está sujeito dá àquele que exerce, um crédito que

ele o credita [...]. É um poder que existe porque aquele que está sujeito crê que ele existe [...], o homem político retira sua força política da confiança que um grupo põe nele. Ele retira o seu poder propriamente mágico sobre o grupo da fé na representação do próprio grupo e que é uma representação do próprio grupo e da sua relação com outros grupos” (BOURDIEU, 1998, p. 188).

seu predomínio. Para tanto, o discurso escrito deve ser claro e objetivo, de fácil compreensão.35

Na busca da construção identitária, os grupos políticos “sempre [que] necessário, quando se trata de afirmar sua legitimidade ou de garantir sua continuidade, apela[m] para o exemplo e para as lições de certo número de ‘grandes ancestrais’ sacralizados pela lenda” (GIRARDET, 1987, p. 78).

Através do apelo ao passado, os liberais/federalistas almejavam a justificar seu retorno ao poder, buscando no heroico passado a luta do povo sul-rio-grandense contra a tirania e os abusos do governo, que usurpava o cidadão de seus direitos mais elementares, como a liberdade de pensamento e o voto. Segundo os liberais/federalistas, as origens políticas do Rio Grande do Sul, desde a laureada Revolução de 1835, eram fruto do liberalismo,36 numa releitura compreendida através do estudo do mito de origem de Girardet (1987).

Por sua vez, os castilhistas também teatralizavam sua releitura dos “heroicos” farroupilhas, arquitetavam uma história em que os republicanos castilhistas seriam os herdeiros legítimos dos farrapos. Assim como os heróis do passado, os castilhistas também lutavam pela implantação do regime republicano.

Vale lembrar que o mito é um personagem do passado, ressignificado no presente, através de uma narrativa histórica, para atender às necessidades contemporâneas. Esse mito pode ser constituído tanto pela direita quanto pela esquerda. O aspecto sagrado do mito pode ser tanto para o lado do bem quanto do mal. E, por vezes, ele pode ser ao mesmo tempo do bem ou do mal, variando de acordo com o interesse de quem o está retratando, ele é poliformo (GIRARDET, 1987). Dessa forma, compreende-se como Gaspar Silveira Martins37 e Júlio de Castilhos podem ser retratados de formas tão diferentes ao mesmo tempo.

35 “É preciso lembrar que não há texto fora do suporte que lhe permite ser lido (ou ouvido) e que não

há compreensão de um escrito, qualquer que seja, que não dependa das formas pelas quais atinge o leitor. Daí a distinção indispensável entre dois conjuntos de dispositivos: os que provêm das estratégias de escrita e das intenções do autor, e os que resultam de uma decisão do editor ou de uma exigência de oficina de impressão” (CHARTIER, 1991, p.182).

36 “Através da imprensa, principalmente de artigos vinculados no jornal A Reforma e Correio do Povo,

os liberais/federalistas construíram um imaginário político favorável a sua causa. Por meio de um constante apelo a mitos e alegorias locais e universais, como o retorno a um passado de glórias da Revolução Farroupilha, o mito do gaúcho, os liberais/federalistas procuravam identificar com a população rio-grandense” (COSTA, 2006, p. 132).

37 “Gaspar Silveira Martins era o chefe do Partido Liberal, do qual fazia parte o jornal A Reforma, o que

pode explicar o fato de não haver muitas referências a João Nunes da Silva Tavares, uma vez que este fazia parte do Partido Conservador, além de ter dado seu apoio primeiramente ao PRR de Júlio de Castilhos. Já no caso de Gumercindo Saraiva, a situação torna-se mais complicada, uma vez que ele

O mito passa a ser explicado através do imaginário. Assim, a prática do imaginário simplifica o pensamento dos diversos grupos que compõem uma sociedade. No entanto, também na busca de conquista ou consolidação de uma hegemonia política, como no período proposto nesta dissertação, os três anos iniciais da transição da monarquia para a república no Brasil, 1889 a 1892, a ideia de generalizar, ou massificar a representação mítica, era essencial para demonstrar a superioridade de um grupo ante o outro.

No caso do mito, da lenda a ser evidenciada, eram justamente os ancestrais farroupilhas, tanto liberais/federalistas quanto republicanos. Buscava-se interligar esses ‘heróis’ a sua imagem política/partidária. Marcus Vinícius da Costa (2006), a partir de Bourdieu (1998), afirma que os partidos (ou grupos políticos) bem como as tendências internas “só têm a existência relacional, e seria vão tentar o que eles são e o que eles professam independentemente daquilo que são e professam os seus concorrentes” (COSTA, 2006, p. 118).

O embate político se desenhava favorável aos rumos dos castilhistas. Contudo, mesmo com a ascensão da república, os liberais ainda ficaram esperançosos da manutenção ao poder:

Após a proclamação, os republicamos tiveram um momento de expectativa. O deputado liberal Karl von Koseritz enviou circular para seus correligionários nas colônias de imigrantes alemães, recomendando a manutenção da ordem e respeito pelas novas autoridades constituídas. Através do jornal A Reforma sustentaram que o Partido Liberal (PL) era a força política dominante no estado e que, por isso, deveriam ser respeitados, asseguravam que não tinham a intenção restauradora da monarquia. (COSTA, 2006, p. 120).

A ideia da não intenção restauradora é constantemente frisada pelos liberais, destacando não haver preferência pelo regime político estabelecido (monarquia ou república), mas a intenção era de garantir os direitos civis do povo e a luta contra a tirania da ditadura imposta no Rio Grande do Sul através do Castilhismo. O intuito dos liberais/federalistas estava em garantir o direito de liberdade de consciência.

era estrangeiro, nascido no Uruguai. Reforçar a imagem de liderança que não era brasileira abria espaço para as críticas de seus adversários políticos, que os tachavam de separatistas. No que se refere a Saldanha da Gama, a ausência de referências provavelmente deve-se ao fato de ele não possuir inserção suficiente no estado, apesar de ser uma conhecida personalidade dentro da marinha. Mesmo com o passado monarquista, Gaspar Silveira Martins era a figura política melhor qualificada para ser reforçada como o salvador necessário, para estabilizar a situação política em que se encontrava o estado e o país” (ROSSATO, 1999, p. 74).

No campo político, as peculiaridades de administração imposta pelo PRR foram traduzidas na historiografia do Rio Grande do Sul como uma ditadura científica. Franco (2001) pondera que o processo de estabelecimento da ditadura científica do Castilhismo no Rio Grande do Sul seria um caso singular:

O caso do castilhismo e da constituição rio-grandense de 1891 não deixa de ser um caso singular, que desafia o intérprete da História. Em pleno ciclo do liberalismo político, e bem antes de triunfarem no mundo ocidental ideologias autoritárias, vicejou no Rio Grande do Sul uma doutrina hostil à representação parlamentar, e que, embora cultivando declarações libertárias, que afirmavam a necessidade de todas as garantias individuais e de todas as prerrogativas de cidadania, fraudava a básica liberdade do voto e negava representações às minorias. Se por um lado, fazia concessões à democracia direta, por outro, concentrava o poder nas mãos de um presidente ditatorial, que administrava e legislava, que intervinha arbitrariamente nos municípios e que manipulava, ao seu bel-prazer, a polícia jurídica e o ministério público (FRANCO, 2001, p. 24).

No entanto, mesmo com o evidente autoritarismo partidário, o estabelecimento da consolidação republicana no Rio Grande do Sul ocorreu através de um processo de lutas políticas, de idas e vindas de políticos no poder executivo, ora ligados a republicanos, ora ligados à oposição, geralmente do Partido Liberal. Até que Júlio de Castilhos, após um período transitório de seis anos, conseguiu firmar o PRR no poder.

A transição do período monárquico para o republicano foi bastante conturbada, principalmente no Rio Grande do Sul, pois, diferentemente da maior parte do Brasil, ele não consolidou uma hegemonia político-partidária. O estado sul-rio- grandense passou por uma série de golpes e tentativas de golpes, tendo dezoito presidentes nos seis primeiros anos (1889/1895). Todo esse contexto de instabilidade política culminaria na Revolução Federalista, de 1893, que teve seu fim em 1895. Nesse ano, foi eleito Júlio de Castilhos. Porém, considera-se a firmação do PRR no poder a partir de 1898, quando o político passa seu cargo ao também eleito Borges de Medeiros, que iniciou uma série de mandatos como presidente do estado. Como se pode entender, essa estabilidade no poder não havia ocorrido nos anos iniciais do republicanismo no Rio Grande do Sul.

O desejo de Júlio de Castilhos era ter tempo para consolidar as influências do PRR no estado, a ponto de acabar com a oposição, solidificando os ideários positivistas castilhistas, estabelecendo, assim, a hegemonia do PRR no estado. Com

essa hegemonia, o PRR passou, após o conturbado período de estabelecimento da República, a almejar conquistas de influências no poderio partidário local.

A preocupação principal era, neste momento, estabelecer sua base política

de baixo para cima através do controle do poder político local. Tornava-

se indispensável, para fortalecer-se enquanto partido, bem como para iniciar o processo de conquista do aparelho do estado, que os líderes da propaganda, articulada nos clubes republicanos acoplassem o domínio partidário com a dominação política local. (TRINDADE, 1979, p.129, grifo nosso).

É nesse sentido que o município de Taquara do Mundo Novo passou a sofrer maiores interferências do poder estadual. Sendo Taquara do Mundo Novo um reduto de influentes políticos liberais, teve, na sua política local, um bom exemplo de interferência estadual, com a substituição de tradicionais líderes liberais por políticos ligados ao PRR, o que oportunizou uma significativa reestruturação política de ordem regional.

2.5 A COMPOSIÇÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA SUL-RIO-GRANDENSE NO