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3. OS DEBATES NOS JORNAIS DO RIO GRANDE DO SUL NO CONTEXTO DA

3.4 A INFLUÊNCIA DA IMPRENSA NAS ÁREAS DE IMIGRAÇÃO ALEMÃ NO RIO

3.4.2 Os jornais como meios de cooptação nas áreas de imigração alemã

Muitos dos intelectuais de origem alemã que se estabeleceram no Brasil, sobretudo no Rio Grande do Sul, a partir de meados do século XIX, ficaram

conhecidos como a “geração de 48”64, pois muitos foram oriundos da fracassada tentativa de unificação alemã do citado ano, incluso, o já referido intelectual Karl von Koseritz:

A entrada desses imigrantes, mais atuantes politicamente que os imigrantes da primeira metade do século, foi de grande importância para a consolidação de uma identidade própria dos teutos do Rio Grande do Sul. Nem teuta, nem brasileira, mas teuto-brasileira. O desenvolvimento da imprensa, escrita em alemão ou português, colaborou decisivamente neste sentido, ainda que estes jornalistas não conseguissem moldar de maneira unilateral esses laços de identidade. Seus discursos, além de estarem longe de manifestar opiniões homogêneas quanto a diferentes questões, eram submetidos à recepção de seus textos por parte dos leitores, que os reinterpretavam de diferentes maneiras. Assim, a imprensa voltada para a comunidade teuto-brasileira teve proeminente papel na formação cidadã deste grupo social mediante sua própria intervenção em questões de interesse nacional. (ARAUJO, 20012, p. 72).

Foi através do uso de jornais e dos Kalender65 que se buscou cooptar os teuto- brasileiros para a participação das questões políticas, atingindo principalmente a população dos núcleos rurais (a maior parte da população de imigrantes alemães vivia em núcleos interioranos rurais). Nos jornais, representava-se “uma apologia” da necessidade de o imigrante se engajar na cidadania plena brasileira e ter direito à participação política.

Os jornais também propunham a necessidade de constituição de uma identidade genuinamente teuto-brasileira, em que se frisava a amálgama de cidadania brasileira (por isso, a luta pela participação na política). A pátria seria o Brasil, e a luta,

64 “Interessado pela integração política dos teutos, Gertz (1987, p. 34) atribui à ‘geração de 48’

importante papel de liderança. Estes teriam saído da Alemanha com maior nível social e cultural que os primeiros emigrantes ou com experiência no âmbito da política e da guerra. Atuaram como porta- vozes da população teuta no Rio Grande do Sul na luta pela participação política. Entre essas lideranças, o mais conhecido é Karl von Koseritz, ‘figura-símbolo desse grupo’. Como redator de jornal, buscou dar voz à necessidade de integração política dos teutos, sobretudo da população rural, trabalhando por modificações na legislação brasileira que lhes permitissem participar do processo político. Como intelectual e jornalista, propunha a formação de uma nova identidade para os alemães imigrantes, uma identidade ‘genuinamente teuto-brasileira’, insistindo na dualidade cidadania brasileira e nacionalidade alemã (idem). Por isso foi denominado o pai do teuto-brasileiríssimo” (SILVA, 2005, p. 301).

65“O princípio das diversas lições, ou seja, de tudo um pouco para alcançar os diferentes tipos de

leitores e suas preferências de leitura, repertório esse variável, conforme a época de circulação dos almanaques, que inclui, basicamente, as seguintes formas: contos, contos de fada, lendas, novelas, poemas, aforismos, epigramas, anedotas: artigos de cunho histórico, cultural e geográfico, principalmente os aspectos regionais; relatos sobre as descobertas, sobre os progressos na técnica e na ciência, sobre artes e literatura; biografias de vultos significativos do passado e do presente; retrospectivas e prospectivas no âmbito da política internacional; exposições de cunho religioso” (GRÜZTZMANN, 2004, p. 23).

pela preservação da nacionalidade alemã. Koseritz exemplifica esse pensamento através do seguinte pronunciamento:

Entre nós, no Rio Grande, a bandeira brasileira não falta nunca ao lado da alemã, pois a grande maioria dos homens de língua alemã de lá já é nascida no Brasil e uma grande porcentagem dos imigrantes é naturalizada. O centro de nossos interesses está no Brasil, nós devemos participar da vida pública do país, no qual não vivemos temporariamente, mas onde nós estabelecemos e fundamos as nossas famílias, que ao Brasil dão o nome de pátria. [...]. Mas nem por isto deixamos de guardar no coração um fiel amor pela velha terra, e sempre a ajudamos, quando ela atravessa horas penosas. A língua e os costumes alemães, o amor alemão ao trabalho e a fidelidade alemã são praticados por nós como talvez por ninguém mais no exterior, e nós mantemos os laços espirituais com a Alemanha tão firmemente quanto aderimos decididamente ao Brasil pelos laços políticos. (KOSERITZ, 1980, p. 178, apud ARAUJO, 2012, p. 82).

Logo, os meios de comunicação serviram como base não só para a propagação do nacionalismo teuto-brasileiro, também eram um instrumento de cooptação político- filosófica por parte dos jornais – que, apesar de divergências já exemplificadas, apresentavam aspectos em comum:

É possível verificar alguns pontos de convergência entre as diferentes lideranças citadas. Um deles é a atividade intelectual na redação ou edição de jornais voltados ao público de língua alemã. A partir deles, aqueles conseguiam divulgar suas ideias, fazer ouvir seus discursos, influenciar leitores, angariar aliados e opositores. Demonstravam um intenso empenho pela demarcação dos limites do grupo teuto ou teuto-brasileiro, pela caracterização desta identidade, pela definição dos aspectos a serem preservados e dos aspectos a serem assimilados. (SILVA, 2005, p. 306).

Destacam-se como jornais de grande relevância, associados aos três grupos políticos-filosóficos, os jornais: Koseritz Deutsche Zeitung e Koseritz Deutscher Volkskalender für Brasilien (SEYFERTH, 1993), encabeçados pelos liberais liderados por Koseritz; o almanaque Kalender für die Deutschen in Brasilien e do jornal Deutsche Post (SILVA, 2005) articulados pelo pastor luterano Wilhelm Rotermund; e o Deutsches Volksblatt, jornal que era editado desde 1871 pelos jesuítas (GERTZ, 2010).

Muitos desses jornais ou almanaques possuíam uma alta tiragem, com número superior a dez mil exemplares. Para os padrões da época, esses números representavam um forte instrumento de divulgação e doutrinação.

Não é propósito dessa dissertação aprofundar o mérito de cada jornal ou almanaque, e sim demonstrar o modo como eles serviram de instrumento para a

propagação da nacionalidade teuto-brasileira, pois constata-se em praticamente todos a preocupação com a perda da identidade nacional alemã, num processo de aculturação por parte dos imigrantes e seus descendentes. Era necessário preservar, acima de tudo, o Volkstum e o Deutschtum.66

Curiosamente, Fichte (2010) também possuía essa preocupação, mas num cenário totalmente diferenciado, pois no início do século XIX era o território alemão que estava sendo invadido por estrangeiros (no caso, franceses). Agora, a situação seria o oposto, quem “invadiu” o território estrangeiro foram os alemães, mas o preservar da cultura alemã era considerado imprescindível, a ponto de Koseritz pregar a formação de rincões culturais alemães para evitar, principalmente, a perda da essência da cultura alemã: a sua língua.

O próximo capítulo retratará a inserção dos teuto-brasileiros na política partidária, tendo como foco para essa compreensão o estudo de caso dos Municípios de São Lourenço do Sul, Santa Cruz do Sul e Taquara do Mundo Novo. Visa-se a justificar sua tendência de aproximação com o segmento político gasparista do Partido Liberal/Federalista e, desse modo, caracterizar uma significativa “ousadia” política, ao contrariar o partido em fase de consolidação da hegemonia política no Rio Grande do Sul.

66A ideia de separação de “Nação” e “Estado” – essa é a questão nevrálgica para o nacionalismo teuto-

brasileiro. Baseados principalmente na concepção de Johann Gottlieb Fichte, onde a questão étnica e fundamental para a formação da nação e não necessariamente a questão da formação de um Estado, os germanistas estabeleceram a concepção de que a nova pátria seria o Brasil (questão político territorial, mas a nação continuaria a ser a alemã, pois bastava aos descendentes seguirem o “Volkstum, entendido como a essência do povo, o caráter, também etnicidade (tomada como identidade primordial de um grupo), e Deutschtum (germanidade) como a essência do povo alemão” (SILVA, 2005, p. 299).