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A formação e a transmissão do saber via Grupo de Pesquisa

A formação do pesquisador na universidade

1. A formação do pesquisador na área da educação

1.1 A formação na instituição onde as informantes se formaram

1.1.1 A formação e a transmissão do saber via Grupo de Pesquisa

É preciso então quebrar o vidro, ou antes o espelho, a reflexão, a especulação infinita do discípulo sobre o mestre. E começar a falar.

(DERRIDA, 2001, p. 44)

Para além das disciplinas, congressos, trabalho de monitoria na disciplina de Aperfeiçoamento de Ensino, uma das atividades integrantes das mestrandas era participar das atividades do grupo de estudos que tinha como um dos coordenadores a orientadora das informantes.

Como, a nosso ver, o grupo contribuiu muito tanto para a pesquisa individual das informantes quanto para a formação de cada uma como pesquisadora, nesta seção,

vamos dedicar-nos a apresentar os fundamentos que, de acordo com os próprios coordenadores, sustentam o trabalho que realizam dentro e fora da universidade.

Para dar a ver o tipo de trabalho que se busca desenvolver no referido grupo de pesquisa, escolhemos a citação de Jacques Derrida para abrir esta seção. A nosso ver, ela resume em poucas linhas a especificidade desse trabalho, qual seja, a de transmitir o desejo de falar, e de falar claramente, sem a limitação de reproduzir o que os outros já disseram.

Antes de prosseguirmos com a apresentação do grupo, avaliamos ser interessante delinear, brevemente, o que pudemos encontrar a respeito do que é um grupo de pesquisa e sua dimensão numérica dentro da Universidade brasileira. Segundo a plataforma lattes do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil – sob responsabilidade do CNPq:

[...] um grupo de pesquisa foi definido como um conjunto de indivíduos organizados hierarquicamente cujo fundamento organizador são a experiência, o destaque e a liderança no terreno científico ou tecnológico; em que há envolvimento profissional e permanente com atividades de pesquisa; no qual o trabalho se organiza em torno de linhas comuns de pesquisa; e que, em algum grau, compartilha instalações e equipamentos. Cada grupo de pesquisa deve, portanto, organizar-se em torno de uma liderança (eventualmente duas), e estar "abrigado" em uma instituição previamente autorizada pelo CNPq10.

Nesse ponto, é importante dar destaque ao crescimento do número de grupos de pesquisa no Brasil. Segundo a mesma plataforma lattes, em 1993, eram 201 grupos de pesquisa na área da educação, o que representava 3,1% no total geral de grupos. Sete anos depois, esse número foi multiplicado por dez. Em 2010, eram 2.236 grupos cadastrados, representando 8% do total de grupos em todas as áreas.

O grupo do qual as informantes participam atende a esses critérios, estando cadastrado no diretório desde 2008, com a certificação da instituição da qual faz parte. Insere-se na área de ciências humanas – educação – e conta com a participação de 38 pesquisadores, dentre os quais: 12 doutores, 13 doutorandos, 5 mestres, 6 mestrandos e 2 graduandos.

Apesar de solicitar seu cadastro no diretório do CNPq em 2008, a fundação do grupo data de 2004. Segundo apresentação elaborada coletivamente pelo grupo, sua missão é produzir conhecimento sobre leitura e escrita de relevância inclusive para a

10 Informações retiradas de: <http://lattes.cnpq.br/web/dgp/como-os-dados-sao-obtidos/>. Acesso: 19 fev.

Universidade. As preocupações do grupo são as discussões acerca do aprendizado, com foco na superação dos impasses na leitura e na escrita. O conhecimento está associado a uma preocupação política com a realização de reflexões que se sustentem na prática de ensino, gerando produtos de pesquisa, extensão e de cultura. Alguns exemplos: projetos de pesquisa, oficinas de leitura e produção de textos em língua portuguesa, oficinas de cinema, manifestos em favor da pesquisa na graduação, distribuição de livros para bibliotecas, cursos de formação de professor em diferentes lugares do Brasil e do mundo etc. Define-se como uma instância de formação para alunos e docentes, bem como lócus de troca para colegas interessados em temas afins.

O grupo partilha da visão segundo a qual vivemos em um mundo em que a extensão dos desafios e dos saberes nele construídos faz com que os trabalhos funcionem melhor caso estejam integrados em rede. Entende que um grupo de pesquisa é uma “fábrica de ideias”. Notamos, com essa expressão, que não é preocupação do grupo defender uma “bandeira” teórica ou metodológica, mas sim, colocar-se como produtor do conhecimento nas áreas em que se insere.

Para o grupo, as pesquisas realizadas no seu interior reconhecem a necessidade de: 1) Preservação do ensino da Língua Portuguesa para as novas gerações; 2) Implicação pessoal na realização das ações necessárias para esta continuidade; e 3) Planejamento de alternativas viáveis para a execução do trabalho pedagógico.

Declara que seu valor fundamental é o compromisso com a conquista da clareza e parte de uma posição ética: para que alguém possa se autorizar a falar, o mínimo aceitável é ele mesmo entender o que está falando. De acordo com a posição adotada pelo grupo, ao se dirigir a alguém, portanto, uma pessoa precisa: 1) Apropriar-se do referente de modo a subjetivá-lo; e 2) Realizar as operações meta-enunciativas necessárias para a correção de rumo em caso de enunciação truncada. Nessa lógica, as produções do grupo são feitas individualmente, mas o trabalho é coletivo.

Nasceu das discussões feitas no âmbito de dois eventos nacionais interligados, um específico para alunos de graduação e outro cuja temática é a produção no ensino superior. Analisando a história de sua fundação, uma escolha metodológica de formação chama a atenção. No primeiro ano do grupo, seus integrantes buscaram construir um procedimento de leitura de um livro denso e debatê-lo sempre fazendo relações com as pesquisas individuais dos participantes.

Segundo os organizadores, essa escolha foi feita porque pensam que a tendência atual, dentro da universidade, é a de sintetizar os autores clássicos, sem que haja uma

leitura profunda e atenciosa. Lê-se, mas é como se não se lesse. Assim sendo, a proposta foi a de fazer, conjuntamente, uma leitura crítica e exercitar o processo de escrita acadêmica, por meio do embate constante com colegas que são estimulados a se comportar como leitores críticos implacáveis.

Com exceção de uma das informantes, Cândida – que entrou no grupo em 2007 –, todas participaram desde a sua fundação e continuam até o presente momento como integrantes do grupo. Ao longo desses anos, estudaram oito obras de épocas e áreas diferentes: psicanálise, sociologia, linguística, filosofia. A partir de 2009, além de estudar um livro teórico, os trabalhos do grupo passaram a fazer uma interlocução com uma obra literária.

Outro aspecto interessante é não fazer distinção entre alunos de graduação, pós- graduação ou aqueles que já terminaram sua formação. De acordo com os coordenadores, independente da etapa da vida acadêmica, todas as pessoas têm espaço e são convocadas ao trabalho.

Em seus 10 anos de existência, o grupo teve uma vasta produção bibliográfica. Para além de outros trabalhos como capítulos de livros, artigos, apresentações de trabalho, já produziu: 4 Livros, 2 teses de Livre-docência; 3 Pós-doutoramentos; 10 Teses de doutorado, 24 Dissertações de mestrado e 24 Relatórios de iniciação científica. Busca sempre criar redes de transmissão do conhecimento, de modo a levar a produção feita dentro da Universidade para outras regiões do país e para o mundo. Para que se tenha uma ideia, três das nossas informantes já foram em missão de ensino de português para, no mínimo, dois países, além de apresentarem seus trabalhos em diversas regiões do Brasil.

Para nós, a formação feita no grupo se diferencia, ainda, porque os membros são corresponsáveis por todas as atividades. Isso engloba o compromisso de estar presente nas reuniões quinzenais, quando estudam e debatem as obras escolhidas, a organização dos eventos, a elaboração dos materiais de divulgação, a busca e recepção dos convidados, a participação em comissões para escrita de projeto de financiamento de evento ou de pesquisa, a elaboração das prestações de contas, a leitura e o debate dos trabalhos dos colegas etc.

Quanto a esse último ponto, o grupo elaborou uma atividade que também foi essencial para os quatro percursos aqui analisados. Trata-se das “banquinhas”, que consistem em uma prática feita todas as vezes em que um dos membros vai submeter a entrega de um texto nas instâncias oficiais, tais como relatório de iniciação científica,

qualificação de mestrado ou doutorado, dissertação ou tese. Juntamente com o orientador, escolhem dois outros membros do grupo para ler e discutir o trabalho que será submetido.

Na data marcada, organiza-se a sala aos moldes de uma banca oficial. Os colegas, após a leitura rigorosa e colaborativa, tecem uma série de comentários a respeito do texto, desde aspectos de formatação, textuais, conceituais, inclusive com relação aos critérios de análise de dados, metodologia empregada, bibliografia utilizada etc.

Por exemplo, na “banquinha” feita do trabalho da informante Pietra, os colegas sugeriram desde aspectos textuais, de reformulação de parágrafo, revisão do texto, até outros analíticos e metodológicos: ordem das palavras-chave utilizadas; sugestão para um maior investimento nos temas e capítulos que compunham o texto entregue; e, finalmente, a criação de novas categorias de análise. Esta última, a nosso ver, foi a colaboração de maior impacto para o trabalho da mestranda, pois, por sugestão da banca, Pietra voltou ao corpus de sua pesquisa, considerou a existência de outros textos que poderiam ser analisados e, por fim, criou novas categorias de análise, as quais deram maior consistência ao seu trabalho.

Só para se ter uma ideia, antes da banca, o trabalho da mestranda tinha noventa e quatro páginas; depois, ficou com cento e onze. Ainda que o número de páginas não seja critério da qualidade do trabalho, nesse caso, em especial, ele é significativo, pois esse acréscimo de páginas se deu, quase exclusivamente, no capítulo de análise dos dados, justamente no qual os colegas mais incidiram e deram sugestões.

As intervenções e sugestões dos debatedores não somente dizem respeito ao texto apresentado, mas também ao modo de apresentação oral do candidato. Para exemplificar, continuamos a recorrer ao mesmo exemplo da “banquinha” da informante Pietra, da qual participamos e com relação à qual tivemos acesso tanto à versão do texto entregue aos colegas quanto à reformulada. No momento de apresentar o trabalho, a mestranda utilizou-se somente de oito minutos dos trinta que tinha à sua disposição, sendo que os últimos quatro minutos foram bastante confusos – não terminava suas frases, perdeu o fio condutor da apresentação, a ponto de as pessoas não entenderem qual linha argumentativa ela estava seguindo.

A partir dessa primeira apresentação, que teve o tempo de fala regulado pelos colegas, a banca percebeu que a mestranda estava tendo dificuldades para montar sua apresentação. Por esta razão, ajudou-lhe a estruturar um roteiro, que contou com os

seguintes itens: 1) explicar no que consistiu a pesquisa apresentada; 2) descrever o corpus analisado; 3) contar qual o percurso realizado durante a pesquisa; 4) explicar quais os autores e conceitos que precisou mobilizar na dissertação; e 5) apontar quais os resultados e conclusões alcançadas por meio do estudo realizado.

Seguindo esse roteiro, a mestranda, no dia de sua defesa, apresentou seu trabalho utilizando-se de vinte e oito minutos dos trinta a que tinha direito. Falou de modo claro e objetivo, sendo, por isso, elogiada pela banca.

Trouxemos esse exemplo para que, de algum modo, darmos a ver como e o quanto as pesquisadoras puderam desfrutar da ajuda de seus colegas de grupo e como o trabalho coletivo produz impactos na formação de um pesquisador, sendo um dos pilares para sua formação.

Após essa apresentação do contexto de pesquisa onde as informantes foram formadas, no que se segue queremos estabelecer traços diferenciais entre a formação da área em que as informantes estavam inseridas, de cunho interpretativo, e aquelas das ciências empíricas.

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